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Tribunal que condenou Rafael Braga absolveu assassino do filho de Cissa Guimarães

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Por Carolina Piai

Na última terça-feira (8), o pedido de habeas corpus para o ex-catador de materiais recicláveis Rafael Braga foi negado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). Enquanto o presidente do tribunal, Luiz Zveiter, votou pela liberdade, os outros dois desembargadores decidiram manter a pena. Dentre eles, Antônio Jayme Boente, que tem no seu histórico a absolvição do homem que atropelou e matou o filho de Cissa Guimarães.

Além de Boente, Ricardo Coronha Pinheiro, juiz que foi responsável pela condenação de Rafael Braga e pela dosimetria da pena de 11 anos de prisão, é outra figura que acumula decisões jurídicas controversas. A mais recente e polêmica foi o mandado de busca e apreensão coletiva em todas as casas de duas das maiores favelas do Rio de Janeiro (RJ), no Complexo da Maré.

Quem são eles?

O desembargador Antonio Boente: dois pesos, duas medidas? (Foto: Divulgação)
O desembargador Antonio Boente: dois pesos, duas medidas? (Foto: Divulgação)

Antônio Jayme Boente julgou também o famoso caso do atropelamento de Rafael Mascarenhas, filho da atriz Cissa Guimarães, que foi morto enquanto andava de skate em um túnel interditado na Zona Sul do Rio de Janeiro. Na ocasião, Boente votou pela substituição das penas privativas de liberdade por prestação de serviços à comunidade. Os réus eram Rafael Bussamra, que atropelou Mascarenhas enquanto participava de corridas ilegais, e o pai dele, Roberto Bussamra, que pagou R$ 1 mil a policiais militares para acobertarem o filho.  A decisão ganhou por unanimidade na 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mesmo local onde o pedido de habeas corpus de Rafael Braga foi negado na última terça-feira.

Ricardo Coronha Pinheiro foi o juiz responsável por definir a pena de 11 anos e 3 meses de reclusão – considerada desmedida por muitos juristas. Ele também negou o acesso a registros que poderiam indicar que o caso de Rafael Braga foi forjado. Além disso, no ano passado, Coronha Pinheiro expediu mandado coletivo de busca e apreensão nas favelas Nova Holanda e Parque União, na Maré, no Rio de Janeiro (RJ) e autorizou que a Polícia Civil entrasse em todas as casas da região. Dessa forma, ignorou a inviolabilidade do domicílio, que está inscrita entre os direitos fundamentais e assegurada pela Constituição Federal.

Quem é Rafael Braga?

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Rafael Braga Vieira, único condenado nas manifestações que tomaram o Brasil em junho de 2013, ficou preso injustamente por mais de três anos por portar desinfetante Pinho Sol e água sanitária, com a alegação de que pretendia fazer coquetel molotov. Além desses materiais não serem explosivos, Rafael não era um manifestante. Trabalhava como catador de latinhas e ajudava muito no sustento da mãe e de seus quatro irmãos mais novos. Todos vivem na Zona Norte do Rio de Janeiro, mas como não encontram tantas latinhas na região, Rafael costumava ir ao Centro para recolher mais material e juntar dinheiro para a família. Sem dinheiro para pagar condução diariamente, dormia na rua algumas noites e nesse contexto que foi abordado pela Polícia Militar.

No início deste ano, conseguiu regime semiaberto, mas passado menos de um mês a polícia o encarcerou novamente. Desta vez, é acusado por tráfico de drogas e associação para o tráfico por portar 0.6g de maconha, 9.3g de cocaína e um rojão. Rafael foi pego enquanto ia à padaria e afirma que o caso foi forjado. Apesar de uma testemunha confirmar sua versão, apenas as palavras dos policiais têm sido levadas em conta.

Agora, que o TJ-RJ negou o pedido de habeas corpus, a questão será enviada ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ): “O caso de Rafael é simbólico para nosso país e para as discussões sobre a justiça como um todo, porém não por sua singularidade, mas sim por ser a norma do direito penal escancarada para que todos possam apreciar”, conta Suzane Jardim, historiadora e uma das fundadoras da campanha 30 Dias por Rafael Braga, realizada durante o mês de junho em todo Brasil.

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Suzane argumenta que desde a abertura política do Brasil uma narrativa extremamente específica sobre prisões políticas tem sido utilizada. “Uma narrativa que desconecta casos como o de Rafael de uma crise geral complexa, que envolve o encarceramento e o literal extermínio da juventude pobre e negra”.

A historiadora também afirma que “a negação de habeas corpus em um caso como o de Rafael Braga é a regra dentro do sistema punitivo há anos. Muito antes  da atual crise política. Porém, com a visibilidade dada ao caso, agora podemos nos tornar cientes disso e escolher se iremos mais uma vez nos calar diante dessa realidade ou não”. 

E agora?

Com a negação do habeas corpus, Suzane assegura que os grupos que se articulam pela liberdade de Rafael Braga continuarão ativos e que pretendem manter o trabalho de trazer visibilidade não apenas para esse caso, mas para uma crítica estrutural às políticas de encarceramento  e à guerra às drogas. Ela conta que será um momento de união entre as organizações e os advogados que defendem o caso para pensarem em conjunto sobre os melhores modos de agir.

“Vivemos sob um sistema judiciário que prega um discurso de universalidade e neutralidade, mas que opera dentro de critérios muito específicos e politicamente postos”. Por conta disso, Suzane conclui: “a existência de uma demanda popular pela liberdade pode ser mais efetiva para um resultado positivo do que apostar puramente na possibilidade de um julgamento justo”.

Como Teddy Roosevelt virou nome de rio na Amazônia

O ex-presidente americano é o de óculos, sentado, à direita – Foto: Reprodução
Em parada da expedição, em 1914, Roosevelt  é o de óculos, sentado, à direita – Foto: Reprodução

O plano original era navegar pelo rio Amazonas e coletar espécimes para o Museu Americano de História Natural. Depois de ocupar a Casa Branca por oito anos e perder uma eleição para o democrata Woodrow Wilson, o republicano Theodore (Teddy) Roosevelt não resistiu ao desafio de explorar o curso de um rio desconhecido da Amazônia.

Roosevelt gostava de se aventurar. Na virada do século XIX, saíra com fama de herói da guerra de Cuba contra a Espanha, durante a qual comandou os Rough Riders, um corpo voluntário de cavalaria. Mais tarde, ajudou a desbravar o Dakota do Norte, onde caçava búfalos. Para completar, já tinha participado de um safari de três meses na África.

Estava com 55 anos quando mudou seus planos de viagem para o Brasil, em resposta ao convite do governo para que ele acompanhasse o então coronel Cândido Rondon em uma expedição pela Amazônia. Em uma incursão anterior, para instalar o telégrafo no noroeste do Brasil, o militar e sertanista havia descoberto um rio e era preciso explorá-lo.

O rio da Dúvida, como foi chamado, nascia em Rondônia, mas ninguém sabia o percurso que seguia nem muito menos onde desaguava. Em dezembro de 1913, um grupo de 22 homens comandados por Roosevelt e Rondon começou a expedição, na região de Cárceres, no Mato Grosso. Foram mais de dois meses para alcançar a nascente do rio.

“Em 27 de fevereiro de 1914, pouco depois do meio-dia, começamos a descer o rio da Dúvida, rumo ao desconhecido. Estávamos bastante incertos se, depois de uma semana, nos encontraríamos no Gy-Paraná, ou se depois de seis semanas chegaríamos ao Madeira, ou se depois de três meses alcançaríamos não sabíamos onde”, escreveu Roosevelt. “Por isso, o rio tinha sido batizado como Dúvida.”

Além de incertos sobre a trajetória, eles estavam desnutridos e enfraquecidos por doenças tropicais, como a malária. Se nas semanas anteriores tinham se embrenhado na mata para caçar onça-pintada, pelo mero prazer da captura, naquele momento abatiam macaco para comer. Como se não bastasse, o rio revelou-se pontuado por perigosas corredeiras.   

Sobravam problemas. O embate com índios mais tarde conhecidos como Cinta Larga só não aconteceu graças a Rondon e sua experiência com povos isolados. Três homens do grupo morreram. Um deles afogou-se durante a travessia de uma corredeira. Outro foi morto por um colega de expedição, que acabou abandonado à própria sorte na selva.

Roosevelt também esteve à beira da morte. Durante dias, tremeu e delirou da febre provocada por uma infecção na perna, cortada em uma pedra. Chegou a pedir ao filho, Kermit, e ao naturalista George Cherrie, que o deixassem para trás e seguissem viagem. Depois, socorridos por seringueiros, eles conseguiram concluir a expedição.

Descobriram que o rio da Dúvida era um afluente do Aripuanã, cuja foz fica na margem direita do rio Madeira, no Amazonas. Ao final da expedição, o rio, que tem 679 quilômetros de extensão, recebeu o nome de Roosevelt. É assim que está grafado nos mapas. As pessoas que vivem às suas margens preferiram abrasileirar: chamam de rio Teodoro.

Roosevelt e a primeira onça-pintada que caçou na expedição – Foto: Kermit Roosevelt
Roosevelt e a primeira onça-pintada que caçou na expedição – Foto: Kermit Roosevelt

A morte de Luiz Melodia e a “morte” da indústria fonográfica brasileira

O cantor e compositor Luiz Melodia em foto da contracapa de "Maravilhas Contemporâneas", seu segundo álbum, de 1976. Foto: Divulgação / Som Livre
O cantor e compositor Luiz Melodia em foto da contracapa de “Maravilhas Contemporâneas”, seu segundo álbum, de 1976. Foto: Divulgação / Som Livre

A poesia lancinante de Belchior. A voz imortal de Cauby Peixoto. As melodias agrestes das canções e da sanfona de Dominguinhos. A maestria irreverente de Jair Rodrigues. O canto sublime de Marlene e Cybele (Quarteto em Cy). A malemolência do Rei do Sambalanço, Orlandivo. A malícia da forrozeira Clemilda e do Rei do Brega pernambucano, Reginaldo Rossi. A excelência das composições de Paulo Vanzolini, acadêmico do samba. O indizível talento de Marku Ribas. A voz de veludo de Emílio Santiago. A guitarra de ouro de Zé Menezes. A malandragem irresistível do sambista Dicró. A faceta de grande compositor de Chico Anysio.

Nesta sexta-feira (4) melancólica em que Luiz Melodia nos deixou orfãos de sua poética única e de seu canto iluminado, não custa lembrar que esses outros grandes artistas mencionados no parágrafo anterior também partiram nos últimos cinco anos.

Em diferentes proporções, a saída de cena de cada um deles tornou monotemáticas redes sociais como o Facebook e o Twitter. A dor da perda de cada um deles, no decorrer das horas, foi suplantada, no entanto, pela lembrança do legado que eles deixaram, seja por meio de fotos, canções avulsas, álbuns completos ou antigos vídeos que nos teletransportam para um passado que, sabemos, seguirá atemporal.

Infeliz coincidência, há exatos 30 anos partia também, aos 65 anos, um dos artistas mais influentes para a música popular do País, o cantor e compositor Dick Farney, um dos arquitetos da miríade harmônica da bossa nova. Seu piano requintado, de elegância jazzística, sua emissão vocal meticulosamente calculada, que rendeu a ele alcunha de “Frank Sinatra Brasileiro”, da mesma forma, jamais serão esquecidos pelos amantes da boa música do País.

Dito tudo isso, cabe aqui uma reflexão aos cartolas da indústria fonográfica brasileira. Não restam dúvidas, a perenidade da memória e do trabalho desses artistas foi assegurada pela qualidade intrínseca de suas criações ou da escolha de seus repertórios de intérprete. Algo que nada tem a ver com erudição ou academicismo. Não por acaso, Clemilda e Reginaldo estão aqui citados ao lado de grandes teóricos de nossa música, seja no aspecto lírico ou harmônico, como Belchior e Marku.

Em entrevista a este repórter (leia), publicada na edição 43 de Brasileiros, de fevereiro de 2011, o maestro Julio Medaglia alfinetou: “O povo brasileiro não é imbecil nem anti-musical. A indústria é que não está sabendo manipular a sensibilidade e a inteligência musical do brasileiro. A música saiu da mão dos criadores e passou para a mão dos produtores. As grandes gravadoras não apostam mais em diretores artísticos. Gostam mesmo é dos diretores de marketing.”

Não é segredo para a maioria dos brasileiros que há mais de duas décadas a produção de música popular de maior êxito comercial no País é sofrivelmente rasa e perecível. A pergunta que não quer calar é: o que restará da música brasileira produzida hoje para o grande público (como foi o caso da maioria dos artistas aqui citados) nos próximos 40 anos, 50 anos?

Daqui a quatro, cinco décadas, as despedidas de alguns dos protagonistas milionários dos chamados “arrocha” e “sertanejo universitário” causarão comoção equivalente à vista hoje com a partida do Poeta do Estácio? Provavelmente não. E esse balanço lamentável, 99% vagabundo e 1% anjo, ficará na conta dos manda-chuvas da indústria fonográfica do País, que, em detrimento de muitos talentos que ainda habitam o subterrâneo da cena musical, elegem o descartável, quando não o indigente, como trilha sonora dos nossos tempos.   

Talento ímpar da MPB, Luiz Melodia, o “Poeta do Estácio, parte aos 66 anos

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O cantor e compositor Luiz Melodia. Foto: Reprodução / Divulgação
O cantor e compositor Luiz Melodia. Foto: Reprodução / Divulgação

Morreu na madrugada desta sexta-feira (4) aos 66 anos, em decorrência de um câncer de medula óssea, o cantor e compositor Luiz Melodia. Diagnosticado com um mieloma múltiplo no início deste ano, o artista teve alta do Hospital Quinta D’Or, no Rio de Janeiro no início de junho. Seu quadro de saúde, no entanto, voltou a se agravar na última quinta-feira (3). Luiz Melodia deixa a viúva Jane Reis, sua empresária, e um filho, o rapper Mahal.  

Intérprete e compositor de talento ímpar, conhecido como o Poeta do Estácio, Luiz Carlos dos Santos nasceu, em 7 de janeiro de 1951, no  Morro do São Carlos, um dos berços do samba carioca, no bairro do Estácio, zona norte do Rio de Janeiro. 

E foi justamente em São Carlos que aconteceu a descoberta de sua enorme vocação para a música. Tinha apenas 19 anos quando recebeu a ilustre visita do poeta Waly Salomão. O baiano subiu o morro atrás de um segredo dos mais quentes: chegou lá por recomendação de sua amiga Rose, habituée das rodas de samba que ficou fascinada ao conhecer a leva de brilhantes composições apresentadas pelo menino esquálido.

Estarrecido com a força criativa de Luiz que, já havia se aventurado em grupinhos de rock, como Os Instantâneos e Os Filhos do Sol, Waly saiu em campanha de projeção do nome do compositor, inserindo o rapaz nos meios influentes da Zona Sul carioca.

Não tardou para a novidade ser reverberada por outro grande poeta, o também jornalista piauiense, Torquato Neto, em sua coluna Geleia Geral no jornal Última Hora. Logo, escoltado por seu violão, Luiz passou a frequentar encontros musicais nas casas de Suzana de Moraes, filha do poetinha Vinicius, e do “maldito” Jards Macalé.

Mas a maior vitrine alcançada por ele naquele ano de 1971 foi mesmo o show Fa-Tal – Gal a Todo Vapor. Bastou uma apresentação de Pérola Negra, feita pessoalmente pelo próprio Luiz, por recomendação de Waly, para Gal se apaixonar pela canção e emprestar sua voz pungente a uma interpretação carregada de emoção em seu novo show.

Produzido pelo poeta baiano, sob o pseudônimo Waly Sailormoon, o espetáculo tornou-se grande sucesso de público no Teatro Thereza Rachel, em Copacabana, ganhou registro no LP Fa-Tal – Gal a todo vapor (saiba mais) e colocou de vez o nome de Luiz Melodia na boca da juventude carioca (alcunha artística, aliás, adotada em reverência a seu pai, o sambista Osvaldo Melodia, um dos bambas do Morro do São Carlos).   

Em 1973, por recomendação do instrumentista e arranjador baiano Perinho Albuquerque imediatamente acatada pelo diretor artístico da Philips, o grande Roberto Menescal, Melodia entrou em estúdio para lançar seu cultuado álbum de estreia, Pérola Negra.

Em matéria do repórter Marco Aurélio Canônico, publicada no jornal Folha de S. Paulo e comemorativa aos 40 anos do lançamento de Pérola Negra, Melodia relembrou aquele momento mágico e divisor, tempo de grandes transformações em sua vida. “Eu não tinha a fissura de ser artista. Gostava de tocar e de cantar, mas não pensava em ganhar a vida com música. Tive a felicidade de estar na hora e no local certos.”

Outro fator determinante para o sucesso imediato de Luiz Melodia foi o fato de ele, então, estar mercadologicamente representado pelo empresário Guilherme Araújo, nome forte na indústria fonográfica e célebre por dar voz aos tropicalistas: “Eu tinha, de certa forma, costas bem quentes: ele (Guilherme) tinha todo mundo, o Caetano, o Gil, a Gal. Me tornei o caçula, tinha todo um aparato que confiei e foi consistente”, recordou Melodia ao repórter.

Mas o sucesso imediato de Luiz não se deveu ao fato de estar esteticamente alinhado com os tropicalistas. Longe disso, impregnado de beleza, seu álbum flertava com texturas acústicas que ora lidava com estruturas de blues, outrora com o rock, com o samba. Havia nele elementos antropofágicos, mas sutis e muito distantes das ações panfletárias e do rebuliço estético de Gil e Caetano.

Fato que evidenciou grande personalidade do compositor. Predicado elevado às melhores consequências em Maravilhas Contemporâneas, seu segundo álbum, de 1976. Coordenado por João Araújo, “manda-chuva” da Som Livre e pai do futuro astro do rock Cazuza, o álbum foi lançado pelo selo global e produzido por Guto Graça Mello.

Nele, é patente o acerto de escolhas de Melodia, que reuniu um time da pesada para o registro. A começar pelo par de arranjadores, Oberdan Magalhães, líder da Banda Black Rio (que também toca sax alto, tenor e flauta transversal, com exceção de Juventude Transviada, cuja flauta foi gravada por Pestana), e o multi-instrumentista Perinho Albuquerque. 

Se Pérola Negra já havia escancarado o dom tamanho do compositor, em Maravilhas Contemporâneas essa faceta é ainda mais evidente em faixas como Congênito, Presente Cotidiano, Veleiro Azul, o clássico instantâneo Juventude Transviada, grande sucesso de 1976, impulsionado por sua inclusão na trilha da novela Pecado Capital, e Questão de Posse. Pouco depois de lançar Maravilhas Contemporâneas, Melodia sofreu um acidente automobilístico que o afastou dos palcos por quase um ano, adiando para 1977 o lançamento do álbum. 

Em 1978, com o lançamento de Mico de Circo, Melodia emplacou outro sucesso arrebatador, sua interpretação de A Voz do Morro, de Zé Keti. Entre álbuns inéditos e de releituras de seu repertório, lançaria depois outros dez títulos. Em destaque, discos como Felino (1983), Claro (1987) e Pintando o Sete (1991), este último consagrado com a releitura de Codinome Beija-Flor, de Cazuza e Ezequiel Neves.

Em 2007, com Estação Melodia, o artista prestou tributo a alguns de nossos maiores sambistas, entre eles Cartola (Tive Sim), Geraldo Pereira (Cabritada Mal Sucedida), Ismael Silva (Contraste), Haroldo Lobo e Wilson Batista (Recado Que Maria Mandou). Nele, também reverenciou seu pai, ao interpretar a canção Não me Lembro à Toa.

Em maio de 2011, em entrevista à Brasileiros (leia a íntegra), o maestro Arthur Verocai deu o seguinte depoimento sobre a experiência de trabalhar com Melodia em Mico de Circo (antes, ela já havia arranjado Prá Aquietar, de Pérola Negra, com guitarra marcante de Hyldon). “Sou grande fã do Melodia. Estava escrevendo os arranjos de Presente Cotidiano (veja o clipe feito pelo Fantástico), aquela que diz assim: ‘Tá tudo solto na plataforma do ar/tá tudo aí…’. Essa música é uma marchinha em compassos de três tempos, mas ele cantava um compasso em três e outro em quatro: ‘Quem vai querer comprar banana…’. Daí eu me perguntava: ‘Essa música é em três ou em quatro? Se eu fizer assim, da maneira que está, nego vai dizer que eu sou doido!’. Mas ele não estava nem aí se eram três, quatro ou sete. Fazia isso sem pensar. Não tinha essa de dizer: ‘Vou fazer uma música em três por quatro!’. Simplesmente acontecia, pela força intuitiva do cara.”

O mais recente álbum do artista foi  Zérima. Lançado em 2014, o trabalho rendeu a Luiz Melodia o título de Melhor Cantor de MPB no Prêmio da Música Brasileira. Absolutismos a parte, não resta dúvidas que perdemos hoje um dos maiores tesouros de nossa música popular.   

MAIS
Leia também a análise A Morte de Luiz Melodia e a “Morte” da Indústria Fonográfica Brasileira
Leia resenha de Maravilhas Contemporâneas, o segundo álbum do artista

“Sintetizamor”, a usina dançante de Donato e Donatinho, ativa os reatores no Sesc Belenzinho

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Foto: Renato Pagliacci
O compositor, cantor e arranjador João Donato e seu filho, o também compositor, multi-instrumentista e produtor Donatinho: Foto: Renato Pagliacci

“Em instantes dancem, sim?”. O convite irrecusável, expresso na voz sussurrada e inconfundível de João Donato e seguido por um hilário “nightclub”, serve de abre-alas para as dez composições reunidas em Sintetizamor. Recém-lançado, o álbum resulta da parceria entre o veterano artista acriano, um dos maiores tesouros de nossa música, e seu filho, o compositor, produtor e multi-instrumentista Donatinho, 33, que, egresso da cena de live PAs da música eletrônica da segunda metade da década de 2000, lançou, em 2014, seu primeiro trabalho solo, Zambê, título que, no ano seguinte, conquistou o Prêmio da Música Brasileira na categoria Melhor Álbum Eletrônico.

Escrita por Donato, Donatinho e Davi Moraes, De Toda Maneira, a canção citada no início deste texto, dá pistas de sobra do que virá depois. Além de contar com uma feliz profusão de parcerias nas vozes e nas letras (Domenico Lancelotti, Gabriela Riley, Jonas Sá, Ronaldo Bastos, Jean Kuperman, João Capdeville, Rogê e Julia Bosco, esposa de Donatinho), Sintetizamor é também impregnado de texturas eletrônicas e beats capazes de exterminar qualquer possibilidade de inércia humana. Uma usina dançante equipada com “reatores” polifônicos revestidos de timbres analógicos e osciloscópicos de sintetizadores, synth-basses e programações eletrônicas; talkboxes e vocoders que remetem ao saudoso Zapp de Roger Troutman; além de um manancial de acordes e solos de piano elétrico (claro, o clássico Fender Rhodes, consagrado em terras brasileiras em Quem é Quem, a obra-prima de 1973 que revelou o canto sereno e suave de João).

Infalível, em meio às melodias e letras que imediatamente grudam na cabeça, a receita processada por Donatão e Donatinho remete a uma fase solar da música popular mundial, iniciada com a utilização de recursos elétricos e eletrônicos no período de ascensão dos chamados jazz-funk e jazz-fusion. Transição escancarada em um sem-número de álbuns produzidos pela dupla Mizell Brothers e títulos divisores como Headhunters (1973), de Herbie Hancock – álbum que, aliás 1., despertou a paixão de Donatinho pelas teclas pretas e brancas quando ele era um garoto de 12 anos de idade; Hancock que, aliás 2., é homenageado na segunda faixa, Surreal. Com pequenas variações climáticas – sobretudo nas três últimas faixas, Vamos Fugir à Francesa, Ilusão de Nós e Hao Chi, mais intimistas – Sintetizamor persegue também estéticas consagradas no decênio 1975-1985 para reprocessar elementos do melhor da disco music, do disco funk, do synth-pop e do boogie.

Sobre esse último gênero citado no parágrafo anterior, aliás, é inegável a associação da usina sintética de Donatão e Donatinho com certa produção brasileira do primeiro quinquênio dos anos 1980 hoje cultuada nos Estados Unidos e na Europa como “Brazilian Boogie”. Faixas como Quem é Quem, Interstellar e A Lei do Amor (carro-chefe do álbum, que imediatamente arrebatou o público assim que foi divulgada no começo de junho último) dialogam diretamente com certo imaginário musical daquele Brasil às vésperas da redemocratização, uma nação, impregnada de espírito jovem e entusiasmada com seu futuro, que foi tomada de assalto nas rádios FM do eixo Sudeste com hits como Estrelar, de Marcos Valle (outro gigante de nossa música, que havia recém-voltado ao País depois de cinco anos radicado em Los Angeles), Aleluia, da onipresente dupla Robson Jorge e Lincoln Olivetti, Festa Funk, de Almir Ricardi, Rio, Sinal Verde, de Junior Mendes, e Olhos Coloridos, de Sandra de Sá.

A capa e o poster com as letras do álbum Sintetizamor foram criadas pelo quadrinista Allan Jeff, brasileiro de prestígio internacional. Foto: Divulgação / Deck
A capa e o poster que contém as letras e a ficha técnica do álbum Sintetizamor foram criadas por Allan Jeff, brasileiro de prestígio internacional no universo das HQs. Foto: Divulgação / Deckdisc

Com capa e ilustrações especialmente produzidas pelo brasileiro Allan Jeff, ás das HQs que brilha no exterior em publicações de gigantes como a DC Comics, Sintetizamor foi integralmente gravado no estúdio Synth Love, de Donatinho. Além dos já citados Davi Moraes e Rogê (guitarras), Julia Bosco e Gabriela Riley (vocais), os arranjos também contaram com os seguintes músicos e intérpretes: Marcelo Amaro (shaker e afoxé), Marlon Sette (trombone), Diego Gomes (trompete), Ricardo Pontes (flauta), Pedro Dantas (baixo), Leonardo Vieira (guitarra), Felipe Pinaud (guitarra), Maria Joana (vocais) e Fernanda Sung, que recita Hao Chi (em tradução livre “delicioso”), poema de Julia Bosco que foi vertido para o chinês.

Também no início de junho, quando foi divulgada a faixa Quem é Quem, o DJ nova-iorquino Greg Caz, notório apaixonado por nossa música, repercutiu a novidade com um comentário divertido – e ao mesmo tempo sintético – em sua página pessoal no Facebook: “Quando um lançamento brasileiro é anunciado, há uma tendência em muitos lugares, particularmente no Reino Unido, de o texto começar com as seguintes palavras ‘em tempo para o Verão, aqui está o novo álbum de…’. É um clichê engraçado, mas, neste caso, não poderia ser mais apropriado. Senhoras e senhores, em tempo para o Verão: The Donatos!!!”. No encerramento da apresentação de Sintetizamor, trabalho aventado havia anos por ele e seu pai, Donatinho esclarece alguns aspectos do álbum: “Este é um disco de pai para filho, de filho para pai, de nós para vocês. Sintetizamor é isso: música feita com sintetizador, que, ao invés de sintetizar dor, sintetiza o amor”, conclui.

Neste Brasil sombrio e rachado de 2017, o hedonismo dançante, luminar e festivo registrado em Sintetizamor tem certa força involuntária de servir como válvula-de-escape mais que bem-vinda para atenuar a atmosfera de melancolia vigente. O baile no palco da comedoria do Sesc Belenzinho, capitaneado por Donatão – que no próximo dia 17 completará 83 anos, pleno de juventude e vigor criativo – e Donatinho, não deve deixar dúvidas desse potencial.

SERVIÇO
Lançamento do álbum Sintetizamor, de João Donato e Donatinho
Sesc Belenzinho
Sexta-feira (4), às 21h30
Classificação: 18 anos

MAIS
– Leia entrevista com João Donato, publicada na ocasião em que o artista completou 80 anos
– Leia resenha de Donato Elétrico, o mais recente álbum solo do músico

Ouça A Lei do Amor, a quinta faixa do álbum, que pode ser comprado aqui 

 

A crônica da sobrevivência anunciada: deputados salvam a pele de Temer

Só 5%. A popularidade do presidente Michel Temer atingiu seu nível mais baixo em julho, segundo a pesquisa Ibope de avaliação do governo. Em dezembro, 13% dos entrevistados consideravam o governo Temer ótimo ou bom. Em março, 10% e agora, apenas cinco a cada 100 pessoas têm coragem de defender o peemedebista. O irônico é que muitas delas estavam ontem na Câmara dos Deputados, eleitas pela população, porém contrariando seus anseios.

Os números chamam atenção e são ótimos para compreender a distorção representativa que existe no Congresso Nacional. Na última quarta-feira (2), o plenário da Câmara rejeitou por 263 votos a 227 a denúncia contra Temer. Salvaram a pele de um presidente que cometeu, ao autorizar a compra do silêncio de Eduardo Cunha, o mais grave crime da história da República feito por um chefe de Estado. Essa é a opinião do historiador Lincoln Secco, colunista da Revista Brasileiros:

“Nem Collor, nem Dilma caíram por um crime deste nível, gravado. Talvez seja comparável ao caso das cartas falsas atribuídas ao presidente Artur Bernardes na República Velha e que provocaram uma crise militar e o início do movimento tenentista. Mas elas eram falsas”, afirmou em junho, na mesma semana do vazamento dos áudios. o professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP).

A denúncia sem precedentes que se abriu com a divulgação dos áudios, ainda antes do recesso parlamentar de julho, no entanto, foi neutralizada. Bem como no livro de Gabriel García Márquez, Crônica de uma Morte Anunciada, todos nós sabíamos que o período da noite reservaria um assassinato: mais uma morte da esperança que os brasileiros tinham em livrar-se de um governo que não foi submetido às eleições e que leva todos os dias o País ao caminho do desemprego, dos cortes, do desespero.

A obra de García Márquez conta, na forma de uma reconstrução jornalística, a história do assassinato de Santiago Nasar pelos irmãos Vicário. Acusado por Ângela Vicário de tê-la desonrado, o jovem Nasar foi morto a facadas pelos irmãos de Ângela, os gêmeos Pedro e Pablo. Toda a vizinhança fica sabendo antes da vingança, mas nada salva Santiago do trágico destino, anunciado logo na primeira linha do romance.

Um romance, uma ficção. Foi isso que aconteceu a cada depoimento proferido pelos deputados que negaram a admissibilidade da investigação contra Temer. O incrível trabalho de fact-checking que a Agência Lupa fez em tempo real no Twitter deu conta de desnudar algumas mentiras. Enquanto acontecia a votação de arquivamento da denúncia de Temer, a cada voto proferido, a Lupa postou o valor liberado por Temer em emendas para o parlamentar.

A língua portuguesa ainda não deu conta de definir o sentimento que é não ter esperanças, nem expectativas, e mesmo assim ficar decepcionado. Mais de 40% dos votos em Temer foram feitos por parlamentares investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). É por isso que todos já sabiam: as cartas estavam marcadas, as emendas acertadas e o nosso futuro, negociado.

Agosto, mês sinistro para presidentes do Brasil

Embarque do corpo de Getúlio Vargas para São Borja (RS) - Foto: Reprodução
Embarque do corpo de Getúlio Vargas para São Borja (RS) – Foto: Reprodução

Coincidência ou não, agosto é o mês mais nefasto para presidentes, ex-presidentes e até para ditadores e presidenciáveis brasileiros. A sequência trágica começou às 8h30 da terça-feira 24 de agosto de 1954, quando um tiro de um revólver Cold calibre 32 ecoou pelo Palácio do Catete, a sede do governo federal no Rio de Janeiro, então capital do País.

Com um disparo certeiro no coração, Getúlio agonizava no momento em que sua filha e assessora Alzira entrou no quarto, no terceiro andar do palácio. Poucos minutos depois, Getúlio morreu. No auge de uma crise política sem precedentes, ele preferiu se matar a renunciar, como queriam as Forças Armadas. Anunciada pelas emissoras de rádio, a morte abalou o País.

Não demorou para uma multidão ocupar as imediações do palácio, em homenagem ao presidente que tinha modernizado o Brasil e ganhado fama como “pai dos pobres”. Ao mesmo tempo, redações de jornais e emissoras que faziam campanha contra ele foram atacadas. E mais: com o suicídio de Getúlio, o golpe militar em andamento acabou adiado.

Sete anos depois, na sexta-feira 25 de agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros surpreendeu meio mundo ao despachar para o Congresso Nacional uma carta de renúncia, afirmando que “forças terríveis” haviam se levantado contra ele. Até hoje suspeita-se que Jânio esperava grande reação à sua renúncia para voltar ao poder mais forte, aclamado pelo povo.

Juscelino Kubitschek, que presidiu o Brasil depois de Getúlio e antes de Jânio, morreu no domingo 22 de agosto de 1976, em acidente de carro na rodovia Dutra, entre São Paulo e Rio de Janeiro. Ao volante do Opala ocupado por Juscelino estava Geraldo Ribeiro, seu motorista havia 36 anos. Os dois morreram na hora. Há dúvidas sobre a causa do acidente.

A suspeita de que o desastre teria sido provocado deve-se ao fato de Juscelino estar na mira dos militares que tomaram o poder em 1964. Defensor da redemocratização, o ex-presidente era monitorado por agentes de segurança. Eram tempos da Operação Condor, a aliança clandestina das ditaduras militares do Cone Sul para monitorar e eliminar seus adversários.

Trinta e um anos depois da redemocratização, Dilma Rousseff foi afastada do Palácio do Planalto na quarta-feira 31 de agosto de 2016, depois de uma nova modalidade de golpe, desfechado pelo Congresso Nacional. A arquitetura desse golpe parlamentar envolveu um processo de impeachment, aprovado no Senado por 61 votos contra 20.

Agosto é trágico até para candidatos a presidente e ditadores. O presidenciável Eduardo Campos morreu na quinta-feira 13 de agosto de 2014, em plena campanha eleitoral, em um acidente aéreo. Já o general-ditador Artur da Costa e Silva sofreu uma trombose no domingo 31 de agosto de 1969. Afastado do poder, foi substituído por uma junta militar que entrou para a história como Os Três Patetas.

 

Basta!

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O sociólogo Laymert Garcia dos Santos, professor titular do departamento de Sociologia/IFCH da Universidade Estadual de Campinas. Foto: Reprodução / Facebook
O sociólogo Laymert Garcia dos Santos, professor titular do departamento de Sociologia/IFCH da Universidade Estadual de Campinas. Foto: Reprodução / Facebook

Como nos tempos do fascismo, o intolerável se infiltra aos poucos. Mas já está nos nossos bairros, na nossa porta (na periferia do Rio, de São Paulo e outras grandes cidades faz tempo que ele enegrece e enluta a vida dentro das casas).  Foi essa pulsão de morte, explodindo na nossa cara, que levou um grupo de moradores de Pinheiros a reagir à execução à queima-roupa do catador Ricardo Nascimento pela Polícia Militar, sem razão alguma.

O que esse acontecimento nos ensina? Que a política de extermínio dos pobres no Brasil se intensificou e que, a partir de agora, a “limpeza” étnica e social passa a ser feita abertamente, à luz do dia, com requintes de sadismo.  “Cidade Linda” quer dizer especificamente isso: extermínio dos pobres, de todos os que “sujam” a beleza da paisagem da capital. “Cidade Linda” é a eliminação de tudo o que não se identifica com a Berrini, a Avenida Paulista e a Faria Lima, e os mafiosos projetos de privatização e venda dos “ativos” da metrópole.

Nessa estratégia, governo Dória e governo Alckmin mais do que convergem: há conluio e intensa cooperação (apesar da briga de foice entre os “líderes” pela candidatura à Presidência). Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana são os braços armados para a execução da “limpeza” – contando com o endosso do Judiciário e do Ministério Público, é claro.

Mas não são só eles os executantes: desde que Dória assumiu a Prefeitura, multiplicam-se as ações sádicas contra os pobres – da violência explícita na Cracolândia aos jatos de água nos moradores de rua, nas noites geladas de São Paulo, da invocação da “lei” para proibir a distribuição de sopa às intervenções constantes do rapa, tirando os míseros pertences para inviabilizar o povo de rua, passando pelo enlamear sistemático da praça que os craqueiros ocupavam…

À execução de Ricardo Nascimento, como sempre impune e acobertada pelas autoridades, seguiu-se a morte, por AVC, de Piauí, companheiro de rua do catador. No dia seguinte à morte de outros três moradores de rua mortos de frio, um deles, ironicamente, na frente da Faculdade de Saúde Pública, na avenida Doutor Arnaldo.

Têm razão os militantes do movimento que protesta contra o genocídio dos jovens negros – é política de extermínio, mesmo! Assim como no Brasil rural, proliferam os assassinatos de líderes camponeses, quilombolas e indígenas (nesta mesma semana, o “Presidente” Temer entregou aos ruralistas, na bandeja, a inviabilização de novas demarcações de terras indígenas, caracterizando, além de mais uma violação da Constituição de 1988, um crime humanitário e ambiental que já está sendo avaliado no exterior).

Não é mais possível tolerar o intolerável. A corda rompeu-se, a paciência acabou. Desde a deslegitimação programada do governo Dilma Rousseff assistimos diariamente à escalada da violência fascista em todos os níveis e esferas – a começar pelo Judiciário, que viola as leis, acoberta os desmandos e colabora na instauração do Estado de Exceção em nome de uma suposta luta “contra a corrupção”.

Não há mais o que esperar. É preciso reagir a partir de onde estamos, com as armas de que dispomos. É preciso fazer proliferar as iniciativas, mesmo que no plano micro, para afirmar que não aceitamos a investida criminosa contra o povo brasileiro e o próprio País. É preciso articular tais iniciativas até que elas se tornem um tsunami que estoure a muralha de impunidade a proteger governos ilegítimos, elites corruptas e corruptoras, juízes produtores de injustiça – pulsão de morte a sugar a vida de brasileiros como a do catador Ricardo Nascimento, cujo único “crime” foi exercer uma profissão que, segundo a BBC, é responsável pela parcela mais decisiva da reciclagem do lixo urbano, e que seria extremamente cara se fosse remunerada como deveria.

Ricardo Nascimento foi executado porque sua vida de brasileiro super-explorado não valia nada, mesmo sendo ele extremamente produtivo.

*Laymert Garcia dos Santos é professor titular do departamento de Sociologia/IFCH da Universidade Estadual de Campinas, bacharel em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Sociologia das Sociedades Industriais pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) da França e doutor em Ciências da Informação pela Universite de Paris VII – Universite Denis Diderot.

MAIS
Leia também Democracia de Extermínio?, artigo do psicanalista Tales Ab’Sáber sobre o episódio do assassinato de Ricardo Nascimento 

Democracia de extermínio?

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Na rua Mourato Coelho, na Vila Madalena, em São Paulo, integrantes da corporação são flagrados no local onde, minutos antes, o carroceiro e reciclador Ricardo Silva Nascimento foi morto por um policial militar. Foto: Reprodução / Facebook
Na rua Mourato Coelho, na Vila Madalena, em São Paulo, integrantes da corporação são flagrados no local onde, minutos antes, o carroceiro e reciclador Ricardo Silva Nascimento foi morto por um policial militar. Foto: Reprodução / Facebook

Há poucos dias Ricardo Silva Nascimento, um carroceiro reciclador de lixo, negro, foi friamente assassinado pela polícia militar paulista, com um tiro no corpo e dois na cabeça, ao pedir comida em um restaurante do bairro de classe média de Pinheiros.

A mesma polícia que o matou alterou as provas materiais do local, na frente de todos, retirou o corpo ilegalmente e apagou a força celulares de quem filmou o crime. Quando a tragédia de incompetência e desumanidade aconteceu, uma mulher que estava no supermercado em frente à cena gritou: “Tem que matar mesmo”, legitimando como opinião o assassinato e revelando o nosso mal geral como um universo de problemas muito amplo.

Não é possível negar que o Brasil passa por um momento grave. Um dos aspectos que vai se tornando claro de nossa crise que se aprofunda é o incremento de violência social, e de Estado, sustentada por um espírito extremado que ganhou nova representação e estranha presença pública dita democrática nos últimos tempos.

O processo político e social brasileiro dos últimos três anos, que determinou a atual composição insólita do poder entre nós, tem vínculo com o grau de dissolução e de negação de princípios civilizatórios fundamentais, de fato básicos, de que nos aproximamos, e passamos a viver cotidianamente.

O modo com que se produziu no Brasil a tomada do poder executivo por um grupo muito duvidoso, sem o ato real de legitimidade das urnas, através da construção de um impeachment, que também pode ser lido como um golpe de novo tipo no processo institucional democrático, liberou e se utilizou de forças sociais arcaicas brasileiras, abertamente comprometidas com a violência como prática social aceitável, forças que se imaginava terem sido superadas na busca de consensos médios da sempre defeituosa democracia nacional.

Os processos da política pública e do incremento da violência social como política estão ligados. Na representação social dos interesses que chegaram ao poder em 2016, na construção da opinião pública anti-governo Dilma e na mobilização popular de grandes estratos da população brasileira no ano que antecedeu o impeachment foi possível observar um movimento político estratégico importante, que restaurou e usou posições políticas extremadas, simplesmente falsas e irracionais, da tradicional direita autoritária brasileira, trazendo-a à cena de um momento de contemporaneidade no qual, de fato, ela tem pouco a dizer, mas, de fato, bastante a atuar, como ação direta de violência social primitiva, sacrificial, tendente à exceção.

Tal movimento, falsamente democrático, de condescendência com o autoritarismo antissocial brasileiro, reintroduziu e se utilizou abertamente da força do ódio na política, que foi cinicamente tolerado como meio de interesse mais amplo, como todos pudemos claramente ver desde então.

A democracia que se viu abalada politicamente, com a falsa solução parcial anti-petista para a crise do sistema geral de corrupção da política brasileira, se viu abalada novamente na construção de um ataque forte a direitos firmados na constituição de 1988 a partir de um pacto de alinhamento pró capital, produzindo uma nova recusa dos direitos que determinavam o horizonte e os parâmetros civilizatórios a serem buscados pelos governos brasileiros, os parâmetros da lei simbólica coletiva, que diziam respeito ao que se deveria sonhar como sociedade.

E, em um movimento contínuo, a democracia também se vê abalada constantemente pela ampla emergência de violência social real de tipo tradicional e conservadora, cada vez maior, que atua diretamente no mundo da vida contra princípios de humanidade e de direito vigentes.

Ataques a espaços de direitos, como o direito de tradição iluminista da liberdade de cátedra ou o direito indígena, constituição de milícias autoritárias, ações cotidianas de constrangimento, afirmação de racismo, homofobia e demofobia, ataques policiais gratuitos ou forjados à manifestações democráticas de direito contra o estado do poder, tolerância com graves ilegalidades policiais, em geral antipopulares, se tornam práticas políticas presentes na vida brasileira de uma democracia que, vista daí, apenas se degrada.

Este tipo de vida política, que tende à ação sacrificial que retorna em momento de crise aguda, que marca a vítima para reintegrar a comunidade imaginária na afirmação do poder direto, tendente a exceção, é um dos subprodutos da saída às ruas de massas brasileiras à direita, para a derrubada do governo eleito em 2014.

De fato, nas manifestações pró impeachment vimos moralistas políticos, falsos moralistas seletivos, liberais verdadeiros, neo-liberais autoritários e tradicionais autoritários antissociais brasileiros caminharam de mãos dadas, espetacularmente, em nome de causa mais nobre do que as próprias diferenças.

O processo de força social à direita, que para muitos produziu uma real violência institucional, foi acompanhado desde sempre de modo grave da afirmação e da legitimação de práticas de violência real como alternativa à crise do sistema da política e da economia mundial que envolve o Brasil.

Não é estranho que agora, no momento de máxima descaracterização da legitimidade de um governo que, tomando o poder contra a corrupção da política – mesmo que em um jogo movido por homens sabidamente corruptos –, se revelou completamente enredado em corrupção como não poderia deixar de ser, há ainda um aumento da pressão social conservadora pelo direito à violência anti-cidadã e antipopular.

Tratou-se, em termos amplos, como fitas vazadas na televisão já disseram claramente, da produção de um espaço politico real orientado por aquilo que os psicanalistas chamam de lógica perversa, que diz que a lei que vale para o outro não vale para mim, no qual se manipula e se constitui poder por esta diferença. Esta é também a fonte de todo movimento contemporâneo da construção de pós-verdades, da real e satisfeita cultura política da mentira, que é igualmente ato radical de violência contra a ordem de sentidos acordados, em nome do desejo exclusivo do poder. Assim, do mesmo modo, no mesmo campo, é coerente que já se fale agora em alterar as regras do jogo institucional, duplicando e configurando o golpe antidemocrático em definitivo.

Desta perspectiva mais radical, a crise estabelecida pelas próprias elites brasileiras na gestão de um país destruído por elas próprias deve ser paga pelo sacrifício social dos pobres e dos excluídos, em uma espécie de solução para-fascista para a nossa real incompetência histórica.

Um sacrifício que se dá tanto na exclusão da produção de direitos, na qual os pobres não se representam, quanto na exclusão real no mundo da vida, onde violências ilegais, de Estado ou não, acontecem mesmo com liberdade.

Não podemos nos esquecer nunca do tradicional e não regatado fundo de cisões sociais e do direito ao sadismo antipopular de nossa formação de quatrocentos anos de espaço social escravocrata, colonial e nacional, que, como fantasia política de fundo, ainda modula o desejo de extermínio, tortura e suspensão dos fundamentos da democracia próprio de nossos autoritários, ressuscitados hoje pelo que há de pior no Brasil, que também estão no poder.

Os atos de violência de Estado, covardia e incompetência técnica e social, como a morte banal de Ricardo Nascimento, ou a água fria jogada em miseráveis em um dia gelado em São Paulo, realizados por agentes públicos e a serviço do público, representam a tomada do poder e a guinada do Estado para a visão bárbara, ilegal e abertamente contra os direitos humanos universais firmados pelo país, de setores da nova velha direita nacional. É também o mesmo movimento de mentalidade que multiplica de fato as ameaças aos direitos democráticos com o sonho, pesadelo, da eleição de um ex-militar de extrema direita, defensor declarado de ditadura, de tortura, de armamento da população e de assassinato de adversários políticos.

Assim faz sentido que ao final do ato de reação democrática e cidadã contra a violência de Estado, quando da missa de sétimo dia do carroceiro Ricardo na Catedral da Sé, que estava cheia, na qual os bispos auxiliares do Cardeal de São Paulo denunciaram a real política de execução do brasileiro pobre que acontece hoje no Brasil, durante as manifestações dos vários grupos de direitos humanos que lá estiveram em conjunto com o povo da rua que acorreu à cerimonia tenha surgido um grito popular espontâneo, de chamada à responsabilidade e de nomeação de algum responsável pelo que de fato está ocorrendo entre nós em relação aos direitos fundamentais à vida. A população ali presente gritou, para quem quisesse ouvir: “Geraldo assassino”, sinalizando com clareza o nível de barbárie com que a política social brasileira está se confundindo.

Não haverá pós-verdade que possa apagar o sentido dos atos de crueldade que a tomada do poder pelo vínculo de neoliberalismo e autoritarismo brasileiro estão produzindo no País hoje, na degradação real da democracia em um campo de liberdade para a força direta e para o mal, regressivo e incapaz de dar conta verdadeiramente da vida contemporânea.

* Tales Ab´Sáber, psicanalista, professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo, autor de, entre outros Dilma Roussef e o ódio político (editora Hedra, 2015)  

MAIS
– Leia também o depoimento da jornalista e documentarista Paula Sacchetta sobre o episódio do extermínio do reciclador Ricardo Silva Nascimento.
– Dia após a morte de Ricardo, Gilvan Artur Leal, amigo do carroceiro morto pela PM paulistana, que testemunhou o crime, também veio a falecer em decorrência de um AVC. Barbicha, cão de estimação de Piauí, como Gilvan era conhecido, está a espera de uma adoção e pode encontrar um novo dono por meio do e-mail: adoteobarbicha@gmail.com
– Tales Ab’Sáber foi capa de nossa edição 105, em entrevista à repórter-especial Luiza Villaméa. Leia.    

1961, o ano que atocharam o parlamentarismo no Brasil

 A manchete sobre o sistema de governo implantado a toque de caixa – Foto: Reprodução

A manchete sobre o sistema de governo implantado a toque de caixa – Foto: Reprodução

Na falta de termo melhor, chamaram de “solução de compromisso”. Da noite para o dia, o sistema de governo parlamentarista foi adotado para permitir o desembarque de João Goulart, o Jango, no Brasil, e sua posse na presidência da República. Vice de Jânio Quadros, Jango fazia escala em Singapura, voltando de viagem à China, quando o presidente renunciou.

Se as regras do jogo democrático estivessem valendo, Jango assumiria o governo e ponto final. Os ministros militares, no entanto, viram em sua ausência momentânea a brecha para impedir a posse de um político nacionalista, de esquerda, próximo dos sindicatos. Com o apoio de setores conservadores da sociedade, anunciaram sua posição e tentaram o golpe.

A resistência foi liderada pelo governador gaúcho Leonel Brizola, que deflagrou uma bem-sucedida campanha pela legalidade, escudado pelo III Exército, do Rio Grande do Sul. Temendo que o conflito se degenerasse em guerra civil, Jango aceitou assumir só como chefe de Estado, impedido de elaborar leis e orientar a política externa, entre outras restrições.

Jango tomou posse no Palácio do Planalto em 7 de setembro de 1961, 13 dias depois da renúncia de Jânio Quadros. Naquela altura, havia sido aprovada a emenda constitucional que instalava o sistema parlamentarista no Brasil. Nos 17 meses de duração do regime, o Brasil teve três primeiros-ministros: Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima.

Só que a emenda à Constituição que implantou o parlamentarismo também previa a realização de um plebiscito em 1965 para decidir pela manutenção ou não do sistema político imposto pelo conservadorismo. Jango, que desde o primeiro dia como presidente trabalhou pela volta do presidencialismo, conseguiu que o Congresso antecipasse o plebiscito para janeiro de 1963.

“Libertado o presidente, as reformas vão pra frente”, foi um dos lemas da campanha pelo “Não” ao parlamentarismo. Com 82% dos votos válidos, a consulta popular restaurou o presidencialismo. Trinta anos depois, em abril de 1993, a pergunta sobre o regime político que deveria reger o País foi repetida aos brasileiros. De novo, deu presidencialismo, com 55% dos votos, contra 25% para o parlamentarismo e 10% para a monarquia.

Cartaz da campanha pelo fim do parlamentarismo – Foto: Reprodução
Cartaz da campanha pelo fim do parlamentarismo – Foto: Reprodução

Bienal de Istambul anuncia lista de artistas participantes

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Os curadores da Bienal de Istambul Ingar Dragset e Michael Elmgreen. Foto:Elmar Vestner.
Os curadores da Bienal de Istambul Ingar Dragset e Michael Elmgreen. Foto:Elmar Vestner.

Um dos mais importantes eventos da arte contemporânea, a Bienal de Istambul acaba de divulgar os artistas e coletivos escolhidos para a sua 15a edição. A mostra, que será realizada de 16/09 a 12/11, contará com 55 artistas de diversos países, como a francesa Louise Borgeois (1911-2010) e o norte-americano Mark Dion. O Brasil será representado pelo paulistano Victor Leguy. 

Em sua obra, Leguy investiga os processos históricos, propondo novos significados para as narrativas oficiais. Recentemente, o artista apresentou o projeto O Museu Inexistente No 1 na Funarte de São Paulo. A exposição discutia o imaginário construído em torno dos Enawenê-Nawê, povo indígena residente no estado do Mato Grosso.

Pela primeira vez em sua história, a Bienal de Istambul será comandada por dois artistas e não por um time de curadores, como se dá tradicionalmente. A dupla europeia Elmgreen & Dragset será a responsável pela mostra.  O dois já participaram, como artistas, da própria Bienal de Istambul , além de outras Bienais como a de Veneza e a de São Paulo. 

O tema desta edição, anunciado em dezembro do ano passado, será A Good Neighbour (Um Bom Vizinho).Segundo os curadores, a mostra abordará os múltiplos significados dos conceitos de casa e vizinhança, explorando como as formas de convivência se modificaram ao longo das últimas décadas. A bienal será realizada em diversos locais de Istambul e, além da exibição, contará com uma série de intervenção e um programa de filmes.

Confira abaixo a lista de artistas selecionados, de acordo com os locais da cidade.

Galata Greek Primary School

Heba Y. Amin
Nascido no Cairo, vive em Berlim

Mark Dion
Nascido em New Bedford, Massachusetts, vive em Nova York

Jonah Freeman & Justin Lowe
Nascido em Santa Fe, Novo México, e Dayton, Ohio. Ambos vivem em Nova York

Kasia Fudakowski
Nascida em Londres, vive em Berlim

Pedro Gómez-Egaña
Nascido em Bucaramanga, mora entre Bergen e Copenhague 

Lungiswa Gqunta
Nascida em Port Elizabeth, mora em Cape Town

Andrea Joyce Heimer
Nascida em Great Falls, Montana, mora em Ferndale, Washington

Morag Keil & Georgie Nettell
Nascido em Edimburgo e Bedford, ambos vivem em Londres

Olaf Metzel
Nascido em Berlim, vive em Munique

Mahmoud Obaidi
Nascido em Bagdá, vive em Burlington, Ontario

Henrik Olesen
Nascido em Esbjerg, vive em Berlim

Erkan Özgen
Nascido em Mardin, vive em Diarbaquir 

Leander Schönweger
Nascido em Merano, vive em Viena

Dan Stockholm
Nascido em Thisted, vive em Copenhague

Ali Taptık
Nascido em Istambul, vive em Istambul

Bilal Yılmaz
Nascido em Manisa, vive em Istambul

Istanbul Modern

Volkan Aslan
Nascido em Ankara,vive em Istambul

Alper Aydın
Nascido em Ordu, vive entre Ordu, Ankara, Konya e Istambul

Monica Bonvicini
Nascida em Veneza, vive em Berlim

Louise Bourgeois
Nascida em Paris, morreu em Nova York

Latifa Echakhch
Nascida em Al-Khnansa, vive em Martigny

Candeğer Fürtun
Nascida em Istambul, vive em Istambul

Kim Heecheon
Nascido em Seul, vive em Seul

Mirak Jamal
Nascido em Teerã, vive em Berlim

Fernando Lanhas
Nascido no Porto, vive no Porto

Victor Leguy
Nascido em São Paulo, vive em São Paulo

Klara Lidén
Nascida em Estocolmo, vive em Berlim

Mahmoud Obaidi
Nascido em Bagdá, vive em Burlington, Ontario

Lydia Ourahmane
Nascida em Saida vive em Londres

Rayyane Tabet
Nascida em Ashquot, vive em Beirute

Young-Jun Tak
Nascido em Seul,vive em Berlim

Kaari Upson
Nascido em San Bernadino, California, vive em Los Angeles, Califórnia

Kemang Wa Lehulere
Nascido em Cape Town, vive em Cape Town

Yonamine
Nascida em Luanda, vive em Harare

Xiao Yu
Nascido no interior da Mongólia, vive em Beiji

ARK Kültür

Mahmoud Khaled
Nascido em Alexandria, vive em Trondheim

Pera Museum

Adel Abdessemed
Nascido em Constantinopla, vive em Londres

Njideka Akunyili Crosby
Nascido em Enugu, vive em Los Angeles, Califórnia

Alejandro Almanza Pereda
Nascido na Cidade do México, vive em Guadalajara

Berlinde De Bruyckere
Nascido em Gante, vive em Gante

Vajiko Chachkhiani
Nascido em Tbilisi, vive em Berlim

Gözde İlkin
Nascido em Istambul, vive em Istambul

Liliana Maresca
Nascida em Buenos Aires, vive em Buenos Aires

Lee Miller
Nascido em Nova York, morreu em Chiddingly, East Sussex

Aude Pariset
Nascido em Versalhes, vive em Berlim

Sim Chi Yin
Nascido em Cingapura,vive em Beiji

Dayanita Singh
Nascida em Nova Deli, vive em Nova Deli

Tatiana Trouvé
Nascida em Cosença, vive em Pari

Tsang Kin-Wah
Nascido em Shantou, vive em Hong Kong

Andra Ursuta
Nascida em Salonta, vive em Nova York

Fred Wilson
Nascido em Nova York, vive em Nova York

Yoğunluk Atelier

Yoğunluk
Coletivo fundado em Istambul, vive em Istambul

Küçük Mustafa Paşa Hammam

Monica Bonvicini
Nascido em Veneza, vive em Berlim

Stephen G. Rhodes
Nascido em Houston, Texas, vive em Berlim

Tuğçe Tuna
Nascido em Mons, vive em Istambul

Outside all venues

Burçak Bingöl
Nascido em Giresun, vive em Istambul

Lukas Wassmann
Nascido em Zurique, vive em Berlim

Agenda: Novo filme de Matthew Barney é exibido no CCBB de São Paulo

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Frame do filme " River of Fundament" de Matthew Barney. Foto: Reprodução Youtube
Frame do filme ” River of Fundament” de Matthew Barney. Foto: Reprodução Youtube

Música.Performance, festival em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, até 28/08

Em sua quinta edição, o evento reúne múltiplas linguagens, passando pelas artes visuais, o cinema e a dança. O que une as produções é o foco social e político. Localizado no subsolo do CCBB, a mostra Vão da artista paraense Berna Reale faz parte do festival. Também será exibido o filme River of Fundament do estadunidense Matthew Barney. Com duração de mais de cinco horas, o longa-metragem faz um retrato sombrio das contradições da América. Inédito no Brasil, o filme será projetado nos dias 21, 22 e 23/7. O grupo Mamba Negra encerra o evento com a apresentação de um happening no dia 27/8.

"The Physical Mind", Teun Vonk. Foto: Luuk Smits.
“The Physical Mind”, Teun Vonk. Foto: Luuk Smits.

FILE São Paulo 2017, festival em cartaz no Centro Cultural Fiesp até 3/9

Em sua 18ª edição,  o Festival Internacional de Linguagem Eletrônica continua promovendo a interação entre arte e tecnologia. Neste ano, serão apresentados 370 trabalhos – desde instalações interativas, jogos eletrônicos e animações, até gifs e videoartes – produzidos por 339 artistas estrangeiros e 18 brasileiros. Um dos destaques da mostra é a obra Physical Mind do holandês Teun Vonk.  No trabalho, uma pessoa será convidada a se deitar entre dois objetos infláveis, sendo erguida e depois suavemente comprimida entre as curvas dos dois objetos. 

"Fuan", Kengo Kuma. Foto: Divulgação
“Fuan”, Kengo Kuma. Foto: Divulgação

Kengo Kuma – Eterno Efêmero, individual do artista na Japan House, em São Paulo, até 10/9

A segunda mostra organizada no espaço da Japan House apresenta o trabalho do arquiteto japonês Kengo Kuma. Responsável pela reforma do prédio que abriga o centro cultural na Avenida Paulista, Kuma é conhecido por se basear na tradição construtiva japonesa para criar seus desenhos. Seus projetos poderão ser conferidos na mostra, com destaque para as plantas do Estádio Olímpico de Tóquio e a Fuan, uma casa de chá feita a partir de um enorme balão flutuante, coberto por um tecido extremamente leve..
 

"O anjo exterminador", Nelson Leirner. Foto: Divulgação
“O anjo exterminador”, Nelson Leirner. Foto: Divulgação

O anjo exterminador, instalação de Nelson Leirner, em cartaz na Pinacoteca de São Paulo, até 31/7

Feita em 1984 pelo artista paulista Nelson Leirner, a instalação é remontada no Octógono da Pinacoteca. A obra reúne um grande número de estatuetas e bibelôs, alinhados de frente para o outro e separados por uma ponte. O título da obra é uma referência ao filme homônimo do cineasta Luis Buñuel. Segundo o curador da exposição, José Augusto Ribeiro, Leirner é um dos pioneiros a se apropriar do procedimento de acúmulo e distribuição de pequenos objetos, em uma cena que lembra uma procissão.

 

 

Sem patrocínio, Prêmio da Música Brasileira dribla a crise e chega a 28ª edição

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A cantora Elza Soares, vencedora da categoria Melhor Álbum com "Elza Canta e Chora Lupi", um tributo a Lupicínio Rodrigues. Foto: Patricia Lino / Divulgação
A cantora Elza Soares, vencedora da categoria Melhor Álbum com Elza Canta e Chora Lupi, um tributo a Lupicínio Rodrigues. Foto: Patricia Lino / Divulgação

Realizado na noite desta quarta-feira (19) em cerimônia no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o Prêmio da Música Brasileira chegou a vigésima oitava edição driblando sobressaltos. Sem patrocinador, pela primeira vez em sua história, desde que foi criado pelo empresário e produtor cultural José Maurício Machline em 1988, a organização do evento teve de cobrar ingressos, de R$ 100 a R$ 300, e negociar com os artistas para que as apresentações da cerimônia fossem feitas de forma colaborativa, sem cachê. Com apresentação de Maitê Proença e Zélia Duncan, a cerimônia contou com shows de Ney, Alice Caymmi, Baiana System, Ivete Sangalo, Karol Conka, Laila Garin e Lenine, Pedro Luís.

Escassez financeira a parte, a premiação celebrou trabalhos que evidenciam um bom momento para a música popular do País. Entre os vencedores, veteranos, como Elza Soares, aplaudida de pé pela plateia que lotou o Municipal, Tom Zé, Odair José e talentos contemporâneos como os soteropolitanos do BaianaSystem e o paraense Saulo Duarte e sua banda, A Unidade. Único artista a conquistar três prêmios, o maestro baiano Letieres Leite, regente e compositor da Orkestra Rumpilezz, venceu, com A Saga da Travessia, as categorias Melhor Grupo Instrumental, Melhor Álbum Instrumental e Melhor Arranjo.

Oito dos vencedores e finalistas da premiação, a mais importante de nossa música popular, foram destaque em edições das revistas Brasileiros e CULTURA!Brasileiros. Confira, a seguir, uma seleção de entrevistas e perfis, além da lista completa dos vencedores do Prêmio da Música Brasileira.

Alceu Valença, Elza Soares, Letieres Leite, Maria Bethânia, Martinho da Vila, Metá Metá, Odair José, Tom Zé.

OS VENCEDORES
Melhor Grupo: MPB4
Melhor Álbum: Lenine e Martin Fondse
Melhor Cantor: Lenine
Melhor Cantora: Maria Bethânia
Melhor Arranjador: Letieres Leite (Letieres Leite e Orkestra Rumpilezz – A Saga da Travessia)
Melhor Álbum em língua estrangeira: Alessandra Maestrini
Melhor Álbum Infantil: Orquestra Petrobras Sinfônica – Os Saltimbancos Sinfônico (produzido por: Orquestra Petrobras Sinfônica)

Regional
Melhor Grupo: Grupo Rodeio
Melhor Dupla: Zé Mulato & Cassiano – Bem Humorados
Melhor Álbum: Cabaça D’Água
Melhor Cantor: Alceu Valença
Melhor Cantora: Ana Paula da Silva – Raiz Forte

Pop / Rock / Reggae / Hip-Hop / Funk
Melhor álbum: Canções Eróticas de Ninar – Tom Zé
Melhor Cantor: Rael – Coisas do Meu Imaginário
Melhor Cantora: Maria Gadu
Melhor Grupo: BaianaSystem
Revelação: BaianaSystem
Melhor Canção: Descaração familiar – Tom Zé
Melhor DVD: Alice Caymmi – Rainha dos Raios Ao Vivo
Projeto Especial: Delírio de um Romance a Céu Aberto – Zé Manoel (produzido por: Thiago Marques Luiz)
Melhor Projeto visual: Amor Geral – Fernanda Abreu (Giovanni Bianco)

Canção Popular
Melhor Grupo: Saulo Duarte e a Unidade
Melhor Dupla: Zezé de Camargo e Luciano
Melhor Álbum: Elza Canta e Chora Lupi (produzido por: Eduardo Neves)
Melhor Cantor: Odair José
Melhor Cantora: Ivete Sangalo

Instrumental
Melhor Grupo: Letieres Leite e Orkestra Rumpilezz
Melhor Álbum: A Saga da Travessia
Melhor Solista: Toninho Ferragutti

Samba
Melhor Grupo: Casuarina
Melhor Album: Pedro Miranda – Samba Original
Melhor Cantor: Zeca Pagodinho – O Quintal do Pagodinho, ao vivo – Volume 3
Melhor Cantora: Roberta Sá – Delírio no Circo

Trienalle di Milano recebe mostra sobre migrações que vai além da arte

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No alto, "Mapa Mundial" de Alighiero Boetti, abaixo "Mar Morto" , de Kader Attia. Foto: Gianluca-Di-Ioia
No alto, “Mapa Mundial” de Alighiero Boetti, abaixo “Mar Morto” , de Kader Attia. Foto: Gianluca-Di-Ioia

Enquanto a 57a. edição da Bienal de Veneza evita questões atuais, não muito distante de lá, um dos ex-curadores da mostra, o italiano Massimiliano Gioni, apresenta, em Milão, La Terra Inquieta, uma ampla investigação sobre artistas e trabalhos que abordam a problemática dos refugiados, um dos pontos nevrálgicos dos países europeus e dos Estados Unidos há décadas.

A exposição, em cartaz no edifício da Triennale di Milano, reúne 70 participantes, em sua maioria artistas, mas também trabalhos afins, como dos quatro fotógrafos que receberam o prêmio Pulitzer em 2016 por imagens feitas para o The New York Times, caso de Daniel Etter, Tyler Hicks, Sergey Ponomarev e do brasileiro Mauricio Lima.

A presença de fotojornalistas aumenta a temperatura da exposição, já que seus autores retratam cenas atuais, como na imagem de centenas de imigrantes acompanhados pela polícia para o registro em um acampamento na Eslovênia, em 2015, realizada pelo russo Ponomarev. Naquele ano, 764 mil migrantes da Síria, Iraque e Afeganistão atravessaram a chama rota dos Balcãs Ocidentais, um recorde até então, acompanhado de perto por Ponomarev e Lima, em um projeto conjunto.

Por outro lado, Gioni selecionou também fotógrafos hoje vistos como “históricos”, caso dos norte-americanos Augustus Sherman (1865 – 1925), Lewis Wickes Hine (1874 – 1940) e Dorothea Lange (1895 – 1965), todos trabalhando no registro documental. Sherman retratava imigrantes que chegavam aos Estados Unidos, Hine destacou-se por denunciar o trabalho infantil e Lange por abordar migrantes durante a Grande Depressão, nos anos 1930.

Vista da exposição. Foto: Gianluca-Di-Ioia
Vista da exposição. Foto: Gianluca-Di-Ioia

Com isso, o curador dá um caráter perspectivo à crise dos refugiados, relembrando que fluxos migratórios são constantes na história humana, como se vê também na série de capas do jornal italiano La Domenica del Corrieri que, em 1901, retratava em ilustração a migração italiana rumo aos EUA, tema constante da edição de domingo do diário.

La Terra Inquieta chega ainda a ganhar um tom dramático quando se vê o acervo reunido pelo Comitato 3 Ottobre, uma associação sem fins lucrativos de Lampedusa, a ilha italiana ao sul da Sicília. Foi lá que, em outubro de 2013, uma embarcação com 520 imigrantes afundou, provocando a morte de 368 pessoas.  

Criado para dar suporte legal e humanitário aos imigrantes que buscam entrar na Europa, o Comitato exibe em Milão objetos dos refugiados mortos no naufrágio, assim como os pertencentes a outras 52 vítimas de sufocamento em um barco que saiu do Egito, em 2015. Dispostas em vitrines como peças de arte, contudo, esses objetos – celulares, bolsas, documentos – tornam-se por demais museificados, sendo evidente que outro dispositivo expositivo poderia ser menos fetichizante.

Mas o display não compromete a mostra, que reúne muitas obras de arte que abordam a questão das migrações e fronteiras tanto em trabalhos recentes, como em peças já emblemáticas, caso do Mapa Mundial de Alighiero Boetti (1940 – 1994), realizado por tecelões afegãos a seu pedido, com o seguinte texto bordado na margem: “Paquistão no outono de 1992 este novo mundo instável e ainda mais racionado e pulverizado”.

A obra histórica torna-se mais eloquente com a instalação Mar Morto (2015), de Kader Attia, exibida à sua frente e composta por dezenas de roupas dispostas, como a lembrar os corpos mortos no Mediterrâneo nas últimas décadas.Assim sucedem-se os trabalhos de arte, alguns mais explícitos em relação à temática da mostra, outros mais poéticos, como Static (2009), de Steve McQueen, um curta realizado em torno da Estátua da Liberdade, o local onde milhares de migrantes chegaram aos Estados Unidos, ou então Western Union: Small Boats (2007), uma videoinstalação de Isaac Julien que já há dez anos atrás abordava a Sicília como porto de imigração.

Outro dos trabalhos mais sensíveis da mostra é a instalação de Francis Alys, Don’t cross the Bridge Before You Get to the River (2008), uma colaboração com crianças dos dois lados do estreito de Gibraltar, o canal que separa África e Europa por apenas 13 quilômetros em seu ponto mais curto. Na obra, crianças de Tanger, no Marrocos, e Tarifa, na Espanha, criam barcos de sandália de plástico com o objetivo de criar uma ponte humana entre os dois continentes, uma ação que trata mais de esperança do que realidade.

Enquanto tragédias como as mortes do naufrágio em Lampedusa se sucedem, ao menos obras de arte são capazes de permitir algum tipo de otimismo no meio do caos do começo do século 21.

O crime da mala

A mala de madeira, com o corpo de Maria Féa, no Porto de Santos – Foto: Reprodução
A mala de madeira, com o corpo de Maria Féa, no Porto de Santos – Foto: Reprodução

Maria Mercedes Féa tinha apenas 20 anos, cabelos cortados à la garçonne e viajava da Itália para a Argentina, quando conheceu Giuseppe Pistone, italiano como ela, a bordo do navio Conte Biancamano. Três anos depois, em outubro de 1928, o corpo de Maria Féa foi embarcado em um baú, no Porto de Santos, para fazer o percurso de volta no vapor Massila.

Junto com o corpo, estavam objetos pessoais da garota italiana, como almofadas, roupas e maquiagem. Só foram descobertos porque a corda que içava a bagagem para o navio se rompeu. Com a queda, o baú se abriu. O comandante do Massila logo constatou que a etiqueta da mala registrava um nome que não constava da lista de passageiro – Ferrero, Francesco.

O crime deixou o País em polvorosa. Afinal, 20 anos antes, uma outra mala havia estarrecido os passageiros de um navio que zarpara para a Europa, com escala no Rio. Na ocasião, o sírio Michel Trad fora flagrado arrastando a mala para a amurada, com a intenção de jogá-la ao mar. Nela estava o corpo do comerciante Elias Farhat, para quem Trad trabalhava.

No caso da garota italiana, que só tarde seria identificada, existia ainda um agravante: Maria Féa estava grávida. Para chegar a ela, a polícia montou um quebra-cabeças que começava com a descrição do homem que entregara a mala aos carregadores, passava pelo vagão de primeira classe de um trem que partia de São Paulo e chegou até a um motorista de praça.

Depois de ver a fotografia do baú estampada nos jornais, o motorista Vicente Caruso procurou a polícia. Contou que retirara a bagagem do terceiro andar de um prédio do centro da cidade, para levar, junto com o passageiro, até a estação de trem. Tinha prestado atenção, pois achara muito pesada para conter apenas roupas, como enfatizara o passageiro. 

Naquela altura, o passageiro tinha se mudado do prédio. Na São Paulo repleta de imigrantes saídos da Europa devastada pela guerra, a polícia acionou a comunidade italiana. Não demorou a encontrar o homem que havia despachado a mala de forma clandestina: Giuseppe Pistone, o italiano que Maria Féa conhecera na viagem de vinda e com quem se casara.

O sujeito tentou emplacar a versão de que sufocara a mulher em momento de desatino, depois de surpreendê-la com um amante. Na verdade, Pistone era um golpista, que depois de saques ao cofre da mãe na Itália, preparava novos botes nesta parte do mundo. Maria Féa estava prestes a denunciá-lo. Mesmo sem empurrar a mala ele próprio, o golpista foi desmascarado.

Giuseppe Pistone e Maria Féa, no navio onde se conheceram – Foto: Reprodução
Giuseppe Pistone e Maria Féa, quando se conheceram – Foto: Reprodução