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A morte de Luiz Melodia e a “morte” da indústria fonográfica brasileira

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A morte de Luiz Melodia e a “morte” da indústria fonográfica brasileira
O cantor e compositor Luiz Melodia em foto da contracapa de "Maravilhas Contemporâneas", seu segundo álbum, de 1976. Foto: Divulgação / Som Livre

O cantor e compositor Luiz Melodia em foto da contracapa de "Maravilhas Contemporâneas", seu segundo álbum, de 1976. Foto: Divulgação / Som Livre
O cantor e compositor Luiz Melodia em foto da contracapa de “Maravilhas Contemporâneas”, seu segundo álbum, de 1976. Foto: Divulgação / Som Livre

A poesia lancinante de Belchior. A voz imortal de Cauby Peixoto. As melodias agrestes das canções e da sanfona de Dominguinhos. A maestria irreverente de Jair Rodrigues. O canto sublime de Marlene e Cybele (Quarteto em Cy). A malemolência do Rei do Sambalanço, Orlandivo. A malícia da forrozeira Clemilda e do Rei do Brega pernambucano, Reginaldo Rossi. A excelência das composições de Paulo Vanzolini, acadêmico do samba. O indizível talento de Marku Ribas. A voz de veludo de Emílio Santiago. A guitarra de ouro de Zé Menezes. A malandragem irresistível do sambista Dicró. A faceta de grande compositor de Chico Anysio.

Nesta sexta-feira (4) melancólica em que Luiz Melodia nos deixou orfãos de sua poética única e de seu canto iluminado, não custa lembrar que esses outros grandes artistas mencionados no parágrafo anterior também partiram nos últimos cinco anos.

Em diferentes proporções, a saída de cena de cada um deles tornou monotemáticas redes sociais como o Facebook e o Twitter. A dor da perda de cada um deles, no decorrer das horas, foi suplantada, no entanto, pela lembrança do legado que eles deixaram, seja por meio de fotos, canções avulsas, álbuns completos ou antigos vídeos que nos teletransportam para um passado que, sabemos, seguirá atemporal.

Infeliz coincidência, há exatos 30 anos partia também, aos 65 anos, um dos artistas mais influentes para a música popular do País, o cantor e compositor Dick Farney, um dos arquitetos da miríade harmônica da bossa nova. Seu piano requintado, de elegância jazzística, sua emissão vocal meticulosamente calculada, que rendeu a ele alcunha de “Frank Sinatra Brasileiro”, da mesma forma, jamais serão esquecidos pelos amantes da boa música do País.

Dito tudo isso, cabe aqui uma reflexão aos cartolas da indústria fonográfica brasileira. Não restam dúvidas, a perenidade da memória e do trabalho desses artistas foi assegurada pela qualidade intrínseca de suas criações ou da escolha de seus repertórios de intérprete. Algo que nada tem a ver com erudição ou academicismo. Não por acaso, Clemilda e Reginaldo estão aqui citados ao lado de grandes teóricos de nossa música, seja no aspecto lírico ou harmônico, como Belchior e Marku.

Em entrevista a este repórter (leia), publicada na edição 43 de Brasileiros, de fevereiro de 2011, o maestro Julio Medaglia alfinetou: “O povo brasileiro não é imbecil nem anti-musical. A indústria é que não está sabendo manipular a sensibilidade e a inteligência musical do brasileiro. A música saiu da mão dos criadores e passou para a mão dos produtores. As grandes gravadoras não apostam mais em diretores artísticos. Gostam mesmo é dos diretores de marketing.”

Não é segredo para a maioria dos brasileiros que há mais de duas décadas a produção de música popular de maior êxito comercial no País é sofrivelmente rasa e perecível. A pergunta que não quer calar é: o que restará da música brasileira produzida hoje para o grande público (como foi o caso da maioria dos artistas aqui citados) nos próximos 40 anos, 50 anos?

Daqui a quatro, cinco décadas, as despedidas de alguns dos protagonistas milionários dos chamados “arrocha” e “sertanejo universitário” causarão comoção equivalente à vista hoje com a partida do Poeta do Estácio? Provavelmente não. E esse balanço lamentável, 99% vagabundo e 1% anjo, ficará na conta dos manda-chuvas da indústria fonográfica do País, que, em detrimento de muitos talentos que ainda habitam o subterrâneo da cena musical, elegem o descartável, quando não o indigente, como trilha sonora dos nossos tempos.   

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