Já faz meses que o estado do Rio de Janeiro sofre com falta de dinheiro. Em junho do ano passado, o governo decretou, às vésperas dos Jogos Olímpicos, estado de calamidade financeira. Em outras palavras, esse ato político e formal permite que o estado possa receber do governo federal transferência extraordinária de dinheiro, passe por cima da lei de responsabilidade fiscal e fique sem pagar dívidas públicas. Por outro lado, o estado não pode fazer novas despesas com recursos próprios. Nada de obras, investimentos e contratações durante a validade do decreto. O estado ficará praticamente parado aguardando ajuda e reestruturação enquanto a população sofre drasticamente com a falta dos serviços públicos e os funcionários têm seus salários parcelados.
Alegando um rombo de mais de R$ 17 bilhões nas contas, os salários dos servidores e o pagamento de fornecedores estão atrasados, os serviços públicos estão em situação precária, obras estão paradas, empresas públicas estão sendo privatizadas e uma universidade está prestes a fechar. Greves e ex-governadores presos ou processados aumentam o tamanho do caos.
Mas, o que levou o Rio à calamidade? Especialistas em gestão pública ouvidos pela Brasileiros acreditam que o desastre fiscal, público e administrativo é um problema ainda maior do que o financeiro, alegado pelo governo. Para muitos, a situação é resultado de anos de governos corruptos e sem técnicas eficazes de gestão. A luz no fim do túnel é fraca, segundo eles, já que as propostas para a retomada das contas são medidas paliativas e de curto prazo.
Istvan Karoly Kasznar, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, da Fundação Getulio Vargas, acredita que um conjunto de situações propiciou a depressão econômica fluminense. Ele lista: “Um sistema político libertino que não investiga devidamente e nem pune verdadeiramente os corruptos. Um complexo agrupamento de políticos que criam e mantêm interesses para se perpetuar no poder e usufruir de dinheiro público. Funcionários e consultores financeiros subornados. Licitações e investimentos entre governo e empresários do tipo toma lá dá cá. Falta de capacidade de penetração de um grupo honesto no poder. E, finalmente, ausência de uma equipe qualificada para assumir e desenvolver atividades que representem a racionalidade econômica e do direito constitucional”.
Gustavo Andrey de Almeida Lopes Fernandes, professor de Gestão Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, ressalta “que nos últimos dez anos, o Rio desenvolveu uma política irresponsável, usando recursos extraordinários, como commodities de petróleo, para pagar despesas fixas. Durante o boom do petróleo foi gasta uma fortuna e não se pensou no futuro. Nenhum fundo de reserva foi criado”.
Para os especialistas, devido à falta de planejamento a longo prazo e à irresponsabilidade fiscal, a situação só poderá ser solucionada caso seja feita uma reestruturação profunda. “É necessária uma brutal reforma fiscal e administrativa feita por profissionais competentes em gestão pública. Estamos carentes de administradores que possam criar controladorias e fazer auditorias para, eventualmente, aplicar punições. Precisamos de pessoas capacitadas que não estejam interessadas em extrair vantagens pessoais por meio de cargos”, diz Kasznar.
Jerson Carneiro, professor de Gestão e Direito da Ibmec do Rio de Janeiro, afirma existir incoerência entre o discurso de propostas e medidas feito pelo governo estadual e os desperdícios e o mau uso do dinheiro público com privilégios para a elite dos servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário. “As medidas de reforma administrativa, previdenciária e tributária deveriam atingir principalmente os altos salários, além de minuciosa revisão de licitações e contratos de fornecedores. Para que o Rio volte a ser viável são necessários profissionais técnicos.” Segundo o governo, a queda de arrecadação fiscal, do preço das commodities do petróleo e a crise econômica no País são os fatores que levaram o estado ao desastre.
Diante de todos esses problemas, servidores públicos protestam desde o final do ano passado em frente a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) a cada reunião dos deputados para discutição do pacote de medidas de austeridade enviadas pelo governador do estado. O resultado acaba sendo sempre bombas de gás lacrimogêneo, tiros de balas de borracha, spray de pimenta, confusão, correria.
Enquanto isso, na Alerj são decididas medidas drásticas para a população e pouco eficazes para os problemas enfrentados, de acordo com os especialistas: corte dos valores de gratificação dos funcionários, aumento da alíquota previdenciária dos servidores, cobrança de desconto previdenciário para aposentados e pensionistas isentos, fechamento dos restaurantes cidadãos, fim do programa de aluguel social para desabrigados, reajuste no bilhete único, privatização de serviços públicos, adiamento de reajustes salariais e fim de secretarias e autarquias estaduais.
As votações desse pacote ainda não foram finalizadas e mesmo sem maioria na assembléia e ao contrários do que os especialistas dizem, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) acredita que o equilíbrio virá por meio da aprovação dessas medidas e do acordo de prolongamento do pagamento da
divida de R$ 6,5 bilhões em dividas que o estado tem com o Governo Federal.
A chapa de Pezão foi cassada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. A Justiça viu abuso de poder econômico e indícios de que empresas doadoras de campanha foram beneficiadas em contratos com o governo. Pezão permanece no cargo até que seu recurso seja julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral, o que não tem data para acontecer. Além disso, a Polícia Federal apontou indícios de que Pezão recebeu propina no esquema de corrupção que levou Sergio Cabral para a prisão. O juiz responsável pelo caso em primeira instância, encaminhou o relatório à Procuradoria-Geral da União.
Na mesma situação encontram-se os estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Em calamidade financeira com déficits de cerca de R$ 8 bilhões e R$ 2 bilhões, respectivamente, os estados devem ser os próximos a receber alguma ajuda do governo federal. Os motivos do fracasso são semelhantes: desequilíbrio entre receita e despesa, dificuldades com pagamento de funcionários e serviços essenciais, como saúde e educação, e problemas de administração.
Uma explicação destacada pelo professor Gustavo Andrey para essa crise financeira e administrativa no país é a dinâmica da política brasileira. “Para muitos políticos, é desinteressante fazer políticas, principalmente econômicas, que vão gerar resultados depois de dez anos e não depois dos quatro anos de mandato. Eles querem fazer algo rápido para ter resultados e poderem ser reeleitos. Essa estrutura de certa forma inibe o planejamento de longo prazo e premia o planejamento de curto prazo. Muitas dificuldades, como a que estamos vivendo atualmente, existem porque não se faz planejamento. Qualificar melhor os quadros de planejamento e ter uma atenção permanente com contas e os investimentos é o ponto base. Quando você planeja, você consegue reduzir os erros e reduzir os gastos. Por falta de coordenação, você não consegue aproveitar melhor as estruturas administrativas que você tem. São coisas que tendem a ter resultados muito bons, mas que demoram. Então se essa cultura de planejamento a curto prazo não terminar, os repasses para os decretos continuarão sendo um alívio passageiro e todos os problemas financeiros voltarão novamente”, conclui o professor Gustavo Andrey.
Diante de tantos chamados de socorro financeiro, o governo federal provavelmente não terá como ajudar a todos. É importante salientar que a União também tem um déficit primário alto. Sem um plano eficiente de resgate dos caixas aliado à economia nacional em crise, o futuro anda incerto e, provavelmente, cenas como as que ocorreram em frente à Alerj, serão cada vez mais frequentes.
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