A manhã da segunda-feira (29) foi confusa no Senado Federal em Brasília. Antes das 7h30 já havia filas de jornalistas na entrada da Casa, que buscavam credenciais para acompanhar a defesa da presidenta Dilma Rousseff. Nem todos tinham autorização para acompanhar a discussão no plenário. Mas o cercadinho destinado aos profissionais de imprensa estava abarrotado de gente. Aguardavam a chegada da presidenta afastada.
Às 9h01, em ponto, ela entrou no Congresso Nacional. Visitou a sala do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com sua comitiva de convidados, enquanto o ministro Ricardo Lewandowiski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), abria a sessão para o momento mais importante da defesa de Dilma no processo de impeachment.
Antes, porém, jornalistas teciam comentários sobre os parlamentares presentes. Falou-se da morte da sogra do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), do vestido em petit pois gigante da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), da self tirada pela senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-MA) com o compositor Chico Buarque. Nada do que importasse à democracia. Enquanto isso, o senador Jorge Viana (PT-AC), em entrevista para uma rádio, indagava: “Por que não convidaram o Eduardo Cunha pra cá? Ele é o heroi do golpe.”
Rapidamente as galerias do senado se encheram de fotógrafos, cinegrafistas e alguns repórteres, que se posicionaram no andar de cima. Também ocuparam esses espaços os convidados de defesa e de acusação de Dilma. Ficaram frente a frente na tribuna. Dilma trouxe o ex-presidente Lula, o compositor Chico Buarque, o coordenador do MTST, Guilherme Boulos, ex-ministras como Tereza Campello, Eleonora Menicucci e Nilma Lino Gomes e ex-ministros como Aldo Rebelo, Aloizio Mercadante e Eugênio Aragão, entre outros. Do lado oposto, entre as 30 pessoas convidadas pela acusação, as presenças ilustres foram Rogério Chequer, líder do Vem pra Rua, Nilton Junior, integrante da loja maçônica Grande Oriente Paulista, Joice Hasselmann, jornalista, Fernando Holiday, do Movimento Brasil Livre, e seu líder, Kim Kataguiri. Até gente da família real brasileira foi convidada.
Silêncio no plenário. A presidenta Dilma chegou e cumprimentou a mesa em um ritual solene. Ao fazer sua defesa, foi contundente mas se emocionou ao lembrar que sobreviveu a um câncer linfático e a seguidos dias de tortura. “Por duas vezes vi de perto a face da morte: quando fui torturada por dias seguidos, submetida a sevícias que nos fazem duvidar da humanidade e do próprio sentido da vida; e quando uma doença grave e extremamente dolorosa poderia ter abreviado minha existência. Hoje eu só temo a morte da democracia”, disse, com a voz embargada e os olhos marejados. E agradeceu às mulheres brasileiras: “me cobriram de flores e me protegeram com sua solidariedade.” Afirmou que, caso consiga passar pela sabatina desta semana e manter seu governo, convocará um plebiscito para consultar a população sobre o desejo de novas eleições.
A partir daí seguiram-se 40 perguntas dos senadores. A presidenta respondeu uma a uma com a força, a resiliência e a coragem de quem sobreviveu à tortura – e a outros golpes. Entre as principais indagações, a questão econômica foi central, chamada por alguns senadores de “mágica fiscal”. Faz sentido. A presidenta está sendo julgada por supostos crimes de responsabilidade. No pano de fundo, a constante queixa pela falta de diálogo com diversos setores da sociedade. Dilma reconheceu a escuta rara. E se desculpou. Disse, entre muitas outras afirmações, que Michel Temer, o presidente interino, sempre foi “um coadjuvante”. Segundo ela, “o líder é Eduardo Cunha”. Os que defendem Dilma declararam estar honrados pela trajetória e firmeza da presidenta.
As previsões para o desfecho do interrogatório variaram. A princípio parecia que a única saída seria o impedimento se consolidar. Mas à medida em que a presidenta Dilma seguia respondendo com clareza a cada pergunta, a balança foi mudando. Ao mesmo tempo, outros indícios mostraram que o jogo não está definido: o Palácio do Planalto continuou se movimentando para garantir os votos necessários, convidou indecisos como José Maranhão, Edison Lobão e João Alberto, todos do PMDB, para conversas privadas, barganhou cargos para agradar senadores, fez manobras para garantir que o julgamento de Cunha aconteça depois do processo de impeachment. Os aliados de Temer não estavam relaxados.
Por outro lado, na contagem dos senadores simpáticos à presidenta, o impeachment não passará. O motivo seria o fato de não ter havido crime de responsabilidade, o que justificaria o impedimento. Ao senador Telmário Mota (PDT-RR), um dos indecisos que se mostrou favorável à Dilma, a presidenta disse: “Deus me livre do que o senhor chamou do ‘PMDB do mal’.” Ela sabe do que são capazes.
Ainda não se sabe se o desfecho do processo de impeachment será nesta terça-feira (30), como era o desejo do presidente provisório, Michel Temer, para que pudesse viajar à China – caso se torne presidente de fato – ou se segue até a madrugada de quarta-feira (31). Na próxima etapa, haverá argumentações da defesa e da acusação e em seguida os 81 senadores deverão votar. Para que o impeachment se consolide, pelo menos 54 senadores precisam votar a favor.
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