Não, nada de tolerância.
Não precisamos que o outro “aceite” o que não é parecido com o que vive. Não precisamos que você “suporte” o fato de que as pessoas têm cores diferentes, ou que pensam diferente. Não precisamos que você “aceite” que uns rezam de um jeito e outros não acreditam em nada estabelecido.
Precisamos de respeito.
Olhar para o outro, olhar outra vez e ouvir. Precisamos de ouvidos. De convivência, de partilhar oportunidades, informações.
O indivíduo é diferente um do outro – ainda bem.
As pessoas têm maneiras diferentes de se expressar, de viver, de amar (…) diferentes – independentes.
Na época da faculdade, tive um professor de análise do discurso que reforçava em suas aulas a ideia que o indivíduo só faz sentido por causa do outro. Uma vez, exemplificou essa premissa da alteridade com um filme bem pop para deixar claro para a turma relutante:
No filme Náufrago (2000), Tom Hanks fazia o papel de um inspetor da FedEx, multinacional encarregada de enviar cargas e correspondências. O cidadão sofria um acidente de avião e ficava preso em uma ilha completamente deserta por 4 anos. Tom Hanks eternizou cenas em que convivia com uma bola “humanizada” (o eterno “Wilson”), para sobreviver.
É esta a chave do pensamento: Não existimos sem o outro. Somos um ser social.
Numa cultura da tolerância, da meritocracia – onde “se faz por onde”, onde não se releva a história e a conexão dos fatos – muitas distorções ocorrem.
Há espaço para a agressão televisionada de Levy Fidelix (PRTB) – homofobia, desinformação e aparelho excretor- mas não há espaço para ouvir, para o diálogo e para o direito. O goleiro Aranha foi julgado por ter reclamado do racismo dentro de um estádio. Atrocidades são justificadas no pressuposto da liberdade de expressão. Não há tempo para a interpretação de texto, não há espaço para a concertação, o senso comum vira chave do preguiçoso. Pronto falei.
“Candidata, falta um minuto”.
Neste período de campanha eleitoral, foram três episódios em que o jornalismo – cuja raiz e motivo de existência é ouvir o outro e contar histórias – foi colocado de lado, em prol da ZOEIRA. Aliás, não vamos usar este termo, já que ele consolidou uma das expressões mais genuínas em tempos de campanha e militância na internet. Adoramos aqui memes, questionamentos nonsense da velha política que tem preguiça de ver como a comunicação se dá nesses tempos. Vamos falar de lobby, de interesses, de linha editorial.
Não existe imparcialidade, você já deve saber disso.
Existe sociedade, real política, interesses representados. Existe esquerda, existe direita, existe grupos discrepantes dentro dessas linhas ideológicas. Por esta razão vimos a imprensa – representada pelo o jornal O Globo, o programa Bom Dia Brasil (Globo) e a coletiva de imprensa após o debate da TV Globo – interromper a fala da presidenta Dilma Rousseff, enquanto candidata. Tática para desestabilizar.
Dilma respondeu com humor. Como responderia Dilma Bolada. Afetiva, eficiente na comunicação.
Em geral, sabatinas com candidatos a presidência visam obrigar o entrevistado a sair da zona de conforto – deixar de falar de suas propostas e deixar de atacar os escândalos dos adversários. Na sabatina que ocorreu n’O Globo, que aconteceu no dia 12 de setembro, Ricardo Noblat (jornalista do Globo) deu a ela, a certa altura, uma ordem: “Fale um pouquinho menos senão a gente não consegue fazer mais perguntas.” Dilma respondeu com humor: “Gente, vamos esclarecer aqui de quem que é a sabatina”.
Na entrevista Dilma deu no Bom dia Brasil, no dia 22 de setembro, a presidenta foi interrompida 82 vezes em menos de 30 minutos. “Só um pouquinho, Miriam, o raciocínio”. “Deixa eu continuar, porque se não é impossível”. “Não, não é isso. Pera lá.” “Minha querida, deixa eu acabar de responder, pelo amor de Deus, porque o debate é comigo, né? Então vamos embora.” A dificuldade de diálogo, especial com Miriam Leitão, ficou evidente durante a sabatina. Ouça.
Ontem, dia 2 de outubro, outra cena de interrupção marcou a noite do último debate entre os presidenciáveis. Foi durante a coletiva de imprensa com Dilma, veja:
Dilma reagiu com muito humor. Tirou onda. Mostrou que é boladona também. Que é afetiva. Que sabe responder.
Mas estamos falando aqui da forma que abordam a candidata, da falta de respeito e do medo do diálogo – já que só existe a interrupção, o manchetismo.
Não estamos falando de posicionamento político. Estamos falando também de jornalismo e dos preconceitos institucionalizados. Dilma é mulher. Dilma é “fortinha”, como ressaltou Marina Silva, em declaração infeliz. Dilma não tem um carisma “level Lula”. Dilma é “gestora”, é “dura”, em terras machistas. Isso fez que em 2010, fosse espalhado o boato de que ela era lésbica. Ou como vinha nos emails maldosos, “sapatão”. Isso faz que ela receba críticas recorrentes sobre o seu jeito de articular – o jornal Folha de S.Paulo decidiu falar recentemente do dialeto “Dilmês“. Um “idioma próprio”.
Não é sobre o politicamente correto. É sobre a necessidade da maturidade da nossa imprensa, que não leva em conta os novos processos midiáticos, os novos canais de comunicação, de circulação de informações públicas e de formação intelectual – SIM, nós jovens, bobocas que rimos de piadas e memes na internet curtimos ler também! É preciso ouvir, se interromper autoridades, representações políticas – seja qual for a linha ideológica do cidadão (tucanos, petistas, psolistas, marinistas, viva a diversidade) – vira tendência, estamos perdidos. HEHE.
Por isso, Luciana Genro (PSOL) é tão fundamental e teve papel protagonista nessas eleições. As verdades inconvenientes que ela levou a tona – sobre Aécio Neves e os casos de corrupção do PSDB; os questionamentos incisivos sobre a busca de poder de Marina Silva agora no PSB; o confronto ideológico com o obscurantismo de Levy Fidelix e Pastor Everaldo; e o bate-papo com Eduardo Jorge, enquanto lado carismático do debate. Ela forçou um debate menos confortável, mais questionador.
Sabemos, é fácil falar de peito aberto quando não precisa lidar com a real política representada por grupos tão consolidados no poder. Quando não precisa lidar com a governabilidade, quando não precisa lidar com instâncias internacionais – Dilma enfrentou casos de espionagem norte-americana, se posicionou forntemente quando Israel bombardeou Gaza. Dilma enfrenta, faz, tem posicionamento afirmativo sobre a criminalização da homofobia. Só que Luciana Genro representa a vontade da juventude. O crescimento – de 1% que seja – nos números de intenções de voto nela dão esperança ao debate mais firme na política petista, para o futuro.
Apelamos: É necessário ouvir, conviver, encarar de frente, discutir com fatos, investigar.
Jornalista escuta, vive, sente.
Não podemos mais fomentar a interrupção. Também isso não é sobre a “ditadura do politicamente correto”.
Hoje existem vozes ativas que não eram ouvidas – mulheres, negros, gays, povo, classe C, D e E (A MAIORIA).
Talvez esta seja a última eleição que a boataria e a briga ideológica por vias do desrespeito colem – a internet salva (e destrói) os processos. A internet revela e vai formar uma nova política – mais ligadinha nas informações, manipulações e ocultações de informações.
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