A vitória de Dilma Rousseff (PT) para mais quatro anos no comando do Brasil não significou apenas a manutenção do partido no poder, mas também a continuidade do período democrático mais amplo de nossa história, partindo do pleito presidencial de 1989, quando Fernando Collor de Mello foi eleito presidente da República. Naquele ano, beneficiado pela Constituinte de um ano antes, o povo (com restrição de idade, apenas) teve acesso ao voto direto para presidente e viu garantido direitos e liberdades que antes não eram determinados pelas instituições.
Neste mês de outubro, 141.824.606 milhões de brasileiros alistados no sistema da Justiça Eleitoral puderam participar da sétima eleição para o maior cargo político do Brasil, condição rara em um País que, mesmo sendo independente há 192 anos e tendo sua República proclamada há 124, jamais conseguiu manter um período democrático com participação relevante do povo nas decisões políticas e com liberdades significativas por mais de duas décadas.
Os eleitores brasileiros viram – nas duas datas eleitorais deste mês, 5 e 26 de outubro – eleições que seguiram os padrões internacionais (que determinam que o processo seja justo, competitivo, regular e aberto à participação de todos os segmentos da comunidade política, independentemente de ideologias e de suas raízes culturais, étnicas, religiosas ou socioeconômicas) e um sistema de votação reconhecido por entidades mundiais e sem possibilidades de grandes reviravoltas.
Prova disso é a divisão das escolhas no País: Dilma foi reeleita porque a maioria real a escolheu, ainda que de forma equilibrada: a presidenta teve exatos 3.459.963 de votos a mais que o seu adversário, Aécio Neves (PSDB), na eleição presidencial mais apertada da história, superando o duelo entre Lula e Collor, em 89. Naquele ano, a diferença em favor do candidato do PTN foi de 4.013.634 no segundo turno.
“Nesses últimos anos, tivemos uma democracia política melhor do que uma democracia econômica. Enquanto no plano político da democracia, o Brasil avançou e continua avançando, no plano econômico, a gente está andando muito devagar”, avalia Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda do governo Sarney, ex-ministro da Ciência e Tecnologia de Fernando Henrique e um dos fundadores do PSDB. Bresser-Pereira, que, inclusive, votou em Dilma Rousseff. “O crescimento foi pequeno, mas especialmente no quesito da desigualdade, ainda que nós não tenhamos sido grandemente bem-sucedidos, conseguimos alguns avanços, com relevância maior para os últimos 12 anos. É claro que o Brasil continua com diferenças sociais e a diminuição desse desequilíbrio ainda é a prioridade absoluta, porque a democracia depende do cidadão se sentir parte da sociedade, parte do sistema político, e é muito difícil isso acontecer quando a desigualdade econômica é grande. As boas democracias não têm uma distinção entre classes aos níveis da brasileira”, completa ele.
A desigualdade – fruto da lentidão da democracia econômica analisada por Bresser – também é um problema na visão de Rodrigo Patto Sá Motta, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, pesquisador da história brasileira e editor do site Culturas Políticas, que aborda aspectos da nossa democracia. Para ele, este é um fenômeno presente no Brasil desde a sua formação como sociedade. “Desde o século 19, quando as instituições liberais começaram a se desenhar, já se excluía uma massa de pessoas dos processos decisórios. A desigualdade sempre foi um problema, porque era e é uma exclusão social, cultural e política, e porque a participação demanda a presença da sociedade nas decisões, a divisão dos espaços públicos, e esse desequilíbrio sempre foi uma trava, colaborando para a desigualdade cultural também. Nesse ponto, o legado da escravidão continua sendo enorme. A herança da escravidão está na exclusão da maior parte da população negra, e tem muita gente no Brasil que ainda não foi incluída socialmente, mesmo com os meios legais de participação política”, diz.
Ao contrário de Bresser e Patto, o doutor em História pela Unicamp e analista da Assembleia Legislativa de São Paulo, Dainis Karepovs, acredita que a ascensão econômica de uma parcela relevante do País determina a qualidade da democracia.“Para a população, especificamente, a imagem forte das instituições e a periodicidade com que se realizam eleições são importantes. Associado a isso, há ainda uma solidez econômica que alcançamos porque, por mais que exista a tentativa de desatrelar uma coisa da outra, a economia mexe com o dia a dia das pessoas e, se elas não têm uma estabilidade material, não vão conseguir desassociar o insucesso financeiro da política, ainda mais em um mundo globalizado como o que vivemos. Assim, tendem a considerar muito suas situações materiais quando vão observar os rumos do País em qualquer sentido. Acho que a democracia brasileira conseguiu, nesses últimos 15, 20 anos, fazer isso acontecer”, finaliza.
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