Aos 27 anos, a mineira Tatianna Mello Pereira da Silva acaba de entrar para um grupo seleto de cientistas. Seu projeto de pesquisa, com foco na Política Nacional de Resíduos Sólidos no Brasil (PNRS), foi um dos 25 selecionados pelo Green Talents Award, visto como um dos mais importantes prêmios na área de sustentabilidade. Em sua sexta edição, o prêmio é promovido anualmente pelo governo alemão e tem como objetivo promover o intercâmbio internacional de ideias relativas à soluções ecológicas.
Especialista em Direito Ambiental, Tatianna tem uma longa missão pela frente. Ela acaba de concluir um Mestrado em Políticas Públicas na Universidade de Oxford e seu projeto de Doutorado, que deu a ela o Green Talents, tem grandes ambições: cobrir todo o território nacional. A expectativa é que ele seja concluído em 2017.
“A realidade socioeconômica dos catadores, assim como o desempenho em reciclagem oscila consideravelmente entre as cinco regiões do país. Para oferecer conclusões que sejam representativas da realidade brasileira, será necessário coletar dados em todo o território”, afirma em entrevista ao iNOVA!Br.
Em vigor desde 2010, a PNRS propõe um instrumento importante, o da responsabilidade compartilhada. Por meio dela, fica instituído que o destino do lixo envolve uma ampla cadeia de personagens, que vai desde o fabricante ao Estado e o cidadão. Neste ciclo, o catador de material reciclável tem papel fundamental. O projeto de Tatianna tem como objetivo testar e avaliar se a lei tem contribuído para a inclusão social e emancipação das cooperativas de catadores.
A pesquisa visa, ainda, produzir recomendações sobre como governo, empresas, sociedade civil e catadores podem atuar de forma coordenada e eficiente na busca da tríade inclusão-emancipação-reciclagem. Como pano de fundo, Tatianna pretende trazer para o Brasil o debate acerca da economia circular, que vem ganhando força na Europa, conjugando os princípios promovidos pelo modelo com a ideia de economia social e solidária.
A cerimônia do “Green Talents” será realizada no dia 7 de novembro, em Berlim. Como parte do prêmio, Tatianna receberá uma bolsa integral para estudar durante três meses na universidade de sua escolha na Alemanha, além de ter acesso à uma exclusiva rede de “talentos verdes”, composta por mais de 100 iniciativas de alto potencial em desenvolvimento sustentável, que engloba mais de 35 países.
“O fato de ser a única brasileira ganhadora de 2014 faz aumentar meu já reafirmado compromisso de aproveitar essa oportunidade ao máximo e tentar revertê-la em ações positivas que possam beneficiar nosso país. Esse é meu maior desejo”, afirma.
A seguir, confira a entrevista que a brasileira concedeu ao iNOVA!Br.
iNOVA!Br – O que levou você a se dedicar a um projeto com foco na Política Nacional de Resíduos Sólidos?
Tatianna – O lixo é um elemento fundamental para que possamos avançar rumo a um modelo de desenvolvimento sustentável. A natureza desconhece a ideia de resíduos; tudo é reaproveitado e reutilizado nos ecossistemas, por exemplo. Não há perdas. Em contrapartida, a forma como nosso sistema econômico é organizado pauta-se em um sistema linear (extrair-consumir-descartar) que encara recursos como resíduos sem valor. Além de ambientalmente insustentável, esse modelo é economicamente inviável, pois esbarra na escassez de matérias-primas, problema que já assombra mercados ao redor do mundo. No Brasil, por exemplo, as perdas desencadeadas pela baixa taxa de reciclagem de materiais pós-consumo (aproximadamente 4%) são estimadas em R$ 8 bilhões anuais.
No contexto brasileiro, o lixo tem ainda um aspecto social de extrema relevância. Cerca de um milhão de brasileiros depende dos materiais que extraem do lixo para sobreviver. A Política Nacional de Resíduos Sólidos apresenta uma abordagem bastante holística para a questão do lixo estando alerta para as suas dimensões ambientais, econômicas e sociais. A minha pesquisa pretende avaliar criticamente os efeitos dela na inclusão social e emancipação econômica dos catadores de material reciclável concomitantemente à promoção do aumento das taxas de reciclagem. A partir dos dados quantitativos e qualitativos levantados durante a pesquisa pretendo desenvolver recomendações sobre como alcançar de forma mais eficiente os objetivos que a PNRS busca.
O projeto terá amplitude nacional. Ele envolve outros colaboradores, pesquisadores?
Pretendo contar com colaboradores em universidades federais ao redor do país. Como a pesquisa integra meu doutorado, o qual pretendo cursar em uma instituição de ponta no Reino Unido, acredito que o envolvimento de colaboradores no Brasil seria uma excelente oportunidade para estabelecimento de parcerias entre universidades brasileiras e instituições de ponta no exterior. A quantidade de pessoas envolvidas, bem como o escopo dos dados a serem coletados dependerá do financiamento levantado para realização do projeto.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos prevê boas expectativas econômicas e sociais para catadores e cooperativas. Como você a avalia?
De forma geral a lei guarda semelhança com a Diretiva Europeia de Gerenciamento de Lixo publicada em 2008. É uma lei bastante avançada, embora contenha somente princípios e objetivos abstratos que dependem de regulamentação para que tenham um sentido mais concreto. A lei menciona a necessidade de redução da quantidade de lixo produzida no país, assim como da urgência da promoção da reciclagem, por exemplo, no entanto não fixa qualquer meta específica. Tais metas deveriam ser estabelecidas pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos que, embora finalizado em versão preliminar em 2011, ainda não foi aprovado pelo Ministério do Meio Ambiente. Enquanto o governo federal não traçar metas concretas, como fez a União Europeia que atualmente discute o aumento da taxa mínima de reciclagem de resíduos sólidos municipais para 70% até 2030, a efetividade da Política Nacional de Resíduos Sólidos estará comprometida.
Segundo o júri do Green Talents, o seu projeto tem potencial para alcance global. Ampliar o projeto está entre suas expectativas, metas?
Embora o meu foco de pesquisa seja o Brasil, outros países certamente poderão ser beneficiados pelas conclusões a serem apresentadas pelo estudo. Mais de metade da população mundial vive em cidades e um dos maiores subprodutos da urbanização é, sem dúvida, o lixo. Aspectos ambientais relacionados ao lixo já são velhos conhecidos de governos ao redor do globo. Exatamente em virtude dos danos ambientais e à saúde sabidamente causados pelo lixo a questão historicamente ganhou uma conotação negativa, de um problema. O que muitos países ainda não se deram conta, especialmente países emergentes e em desenvolvimento, é de que o lixo tem uma faceta econômica de extrema relevância. Um estudo publicado pelo IPEA em 2010, por exemplo, estimou que o Brasil perde R$8 bilhões por ano por deixar de reciclar resíduos jogados no lixo. Com a escassez de matérias-primas no mercado global ocasionada pela crescente demanda, a tendência é de que o valor dos recursos que descartamos no lixo como resíduos seja cada vez maior. Espero com a minha pesquisa poder contribuir para que um número crescente de países esteja alerta para as oportunidades trazidas pelo lixo.
Além do mais, considerando que mais de 1% da população mundial depende do lixo como fonte de renda e subsistência, acredito que as conclusões alcançadas pelo projeto quanto à avaliação dos efeitos da PNRS sobre a inclusão social e emancipação econômica dos catadores possam ser úteis não só para o Brasil, mas igualmente para outros países emergentes que certamente enfrentam questões semelhantes.
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