O DNA “podre” do Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos

RENOVAÇÃO - O ex-líder do Garotos Podres, Mao (de luvas),  e os integrantes  de sua nova banda, (da esq. para a dir) o baterista Shu, o baixista Uel e o guitarrista Cacá Saffiotti. Foto: Guilherme Diniz
RENOVAÇÃO – O ex-líder do Garotos Podres, Mao (de luvas),
e os integrantes
de sua nova banda, o baterista Shu, o baixista Uel e o guitarrista Cacá Saffiotti. Foto: Guilherme Diniz

“O crescimento da repressão policial é uma coisa brutal. Pinheirinho, a prisão do Fábio Hideki, o ambulante que foi morto… Isso é absolutamente pavoroso. E há um discurso coxinha, fascista, que dá sustentação a isso.” Quem diz é o cantor e compositor José Rodrigues Mao Junior, mais conhecido como Mao. De outro lado, em um post na internet, o baixista Michel Stamatopoulos, o Sukata, celebra uma homenagem feita pela Câmara Municipal à atuação da Rota na ditadura militar: “Parabéns pela lembrança do coronel Telhada, parabéns Rota”.

Surpreendentemente, essas duas cabeças, com visões de mundo hoje radicalmente opostas, conviveram por 25 anos juntas em uma das mais célebres bandas da história do punk nacional, a Garotos Podres. Isso até o quadro se tornar insustentável e, em 2012, o grupo rachar em dois: de um lado, ficaram Mao e o guitarrista Cacá Saffiotti, que formaram a banda O Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos, que está prestes a lançar disco. De outro, Sukata e o baterista Leandro Ferreira, o Caverna, que seguem se autodenominando Garotos Podres, mesmo com o nome da banda em disputa judicial.

“Eles insistem em usar o nome ilegalmente”, afirma Mao, 51, em conversa com a Brasileiros, em um estúdio na zona leste de São Paulo, ao lado de Cacá e de outros membros da nova banda. “E acaba depondo contra o grupo, quando eles começam a assumir umas posturas estranhas, de direita. Estão depreciando a história do Garotos Podres.” De fato, os posts que circulam nas redes sociais assinados por Sukata, Caverna e Gildo Constantino – este convidado pelos dois para assumir os vocais do atual Garotos – em nada lembram a banda que se consagrou, desde os anos 1980, com as letras engajadas de Papai Noel Velho Batuta, Anarquia Oi!, Aos Fuzilados da CSN ou ainda a versão da Internacional Socialista.

Além do comentário em defesa da Rota, há posts dos integrantes da atual formação, defendendo golpistas da Venezuela, citando frases de Olavo de Carvalho contra o governo Dilma, criticando as manifestações de rua ou apoiando a polêmica jornalista Rachel Sheherazade (aquela que disse compreender as pessoas que amarram um ladrão de 15 anos a um poste). “Hoje, eles são os Coxinhas Podres”, define Mao.

Segundo o vocalista, único membro da formação original da banda (de 1982) que permanecia até o rompimento – Sukata entrou em 1984, Caverna em 1997 e Cacá em 2008 –, os conflitos ideológicos se davam há muito tempo, mas de algum modo os outros integrantes toleravam suas letras engajadas, principalmente quando elas caíam no gosto do público. Além disso, foi a partir da divisão, há pouco mais de dois anos, que Sukata e Caverna passaram a assumir com mais força as posturas direitistas. Na versão do cantor, o rompimento se deu após um problema em um show do grupo em Araraquara, quando Mao pediu explicações para o empresário sobre a emissão de notas, e os outros membros se posicionaram contra Mao e largaram o vocalista na cidade, sem transporte e dinheiro.

Mas aquilo foi apenas a gota d’água de uma situação que já estava insustentável. “Toda banda tem seus problemas, que podem ocorrer por motivos variados. Os mais comuns são por dinheiro ou choques de egos. Curiosamente, no nosso caso não foi nem um nem outro. O problema maior foi uma questão política”, diz Mao.

Ainda em 2012, por ser fundador da banda e autor da maioria das músicas, Mao decidiu registrar o nome Garotos Podres no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), em um pedido que ainda não foi concedido. O vocalista podia imaginar que conflitos se seguiriam, mas não até que ponto eles iriam chegar. “Em 2013 começaram problemas maiores, com ameaças de processos e tal. Um deles (Michel) é advogado e se aproveita dessa situação. Depois a coisa complica mais, porque as ameaças deixam de ser apenas jurídicas, passam a ser físicas”, diz Mao, que está sendo processado por calúnia e injúria, entre outras coisas. “É uma coisa maluca, um caso grave, que eu jamais imaginaria.”

Com o nome Garotos Podres em disputa, Mao e Cacá decidiram formar outra banda, O Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos, e começaram a produção do novo disco, junto à dupla Uel, baixista, e Shu, baterista. “Criamos uma banda nova, que na verdade é a identidade secreta dos Garotos Podres, e assim ninguém pode criar nenhum empecilho. Infelizmente, a outra metade não teve o mesmo comportamento, que seria mais bacana. Enquanto está havendo disputa, você cria outra banda qualquer”, diz Mao. “Eles estão preocupados em viver em cima de um nome. Nós somos preocupados em fazer música.” A notar pelas três faixas já divulgadas do novo álbum, o DNA do Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos é aquele mesmo que o público dos Garotos Podres conhece: sonoridade pesada, guitarras sujas, um canto quase gritado e letras engajadas. “Queremos marcar posição. A gente apoia as lutas sociais, cantamos o Avante, o hino do Partido Comunista Português, e por aí vai. São temas absolutamente anticoxinhas”, diz o guitarrista Cacá. “Temos clareza de que lado estamos.” 

Onda coxinha

O lado em que estão, ressaltam, é o oposto daquele defendido atualmente por Sukata, Caverna, Gildo e por outros roqueiros como Lobão e Roger, do Ultraje a Rigor. Doutor em História e professor do Instituto Federal de São Paulo, Mao vê com perigo o fortalecimento dessas visões de mundo. “Existe uma onda coxinha que é terrível, porque não é a direita liberal clássica. A direita liberal não nega sua origem no iluminismo. Ou seja, desde o mais radical dos comunistas até o mais conservador dos liberais, ambos se advogam uma origem comum que é o iluminismo. Já esse discurso coxinha, essa direita pervertida de que estamos falando, é fascista. É a defesa de ditadura, tortura, execução de bandido… É um discurso anti-humanista, que precisa ser desmascarado.” Segundo ele, o problema é que essa visão de mundo tem ganhado espaço nas redes sociais e na mídia, inclusive em programas de humor da TV aberta.

Sobre a “mudança de lado” de artistas antes engajados com causas de esquerda e humanitárias, principalmente nos anos 1980, os membros do Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos também tentam, um tanto perplexos, achar explicações. “O punk foi vanguarda de toda uma geração”, diz Cacá. “Em São Paulo e no ABC, o punk apareceu no fim dos anos 1970, e influenciou esses grupos de rock que surgiram na década seguinte. Eles incorporaram parte do discurso, que era conveniente naquele momento do Brasil”, diz ele sobre Camisa de Vênus, Ultraje a Rigor, Titãs, Ira! e outras, sem negar a importância dessas bandas. “Mas essa era passou e eles abandonaram esse discurso. E o punk, movimento de rua, sempre existiu, sempre teve sua força, nunca parou, continua existindo.” Mao, com suas referências teóricas, segue mesma linha: “Como disse Eric Hobsbawm, para as famílias burguesas é aceitável que os seus filhos, durante um determinado período da juventude, cometam as suas loucuras políticas, sexuais e tal, desde que quando cresçam retornem, preferencialmente para administrar os negócios do papai”. E conclui: “Talvez eles apenas tenham retornado ao pensamento da classe a da qual são originários”.

Seja como for, a Garotos Podres que o público conheceu por quase 30 anos segue rompida, e ainda não se sabe quem terá o direito legal de utilizar o nome. Se ganharem a disputa, Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos devem voltar a usá-lo. Mas como não pretendem ficar dependendo disso, colocam no mundo ainda este ano o novo álbum, que conta com participação de João Gordo em uma das faixas. “Quem tem a perder mais são eles”, diz Mao sobre Sukata e Caverna, que seguem se chamando de Garotos Podres e podem ter que deixar de fazê-lo. “Mas será resolvido ao devido tempo, algum dia. Daqui a cem anos isso não terá a menor importância”, brinca o vocalista. Por enquanto, Mao se preocupa em dar aula, levantar suas bandeiras políticas e fazer a música de DNA verdadeiramente “podre” que sempre fez. 


Comentários

2 respostas para “O DNA “podre” do Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos”

  1. Mao hoje se concentra em rondar pelo campus onde “leciona” chamando alunos de facistas e os seguindo como se isso assustasse alguém

  2. Avatar de marcio gibi
    marcio gibi

    Mao,suas musicas fazem parte da minha vida para sempre

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