Primeiro pararam as reedições, depois as citações, e por fim foi como se ele sequer tivesse existido. Como foi possível que um escritor do calibre de José Geraldo Vieira tenha mergulhado em tamanho ostracismo? Entre o romance de estreia, A Mulher que Fugiu de Sodoma (1931), e seu último “grande” livro, Terreno Baldio (1961), José Geraldo esteve no centro da cena cultural brasileira, conseguindo a rara proeza de fazer sucesso com o público, a crítica e com os seus pares. Foi louvado por gente como Jorge Amado (“Poucos romancistas contribuíram com tanta coisa nova para a novelística brasileira”), Érico Veríssimo (“Aqui está o grande mestre do romance brasileiro de hoje”), Manuel Bandeira (“… esse mestre da prosa de língua portuguesa”) e Oswald de Andrade (“… quatrocentos anos de inteligência”), e o horizonte de vendas de seus livros chegou, com A Ladeira da Memória (1950), à casa dos 50.000 exemplares.
Cosmopolita e erudita, a literatura de José Geraldo caminhou na contramão do que se fazia no Brasil daqueles anos: olhava para a Europa, a vida urbana e os dramas da civilização do século XX, num período em que o romance brasileiro buscava entrar, cada vez mais, na alma e nas casas dos sertanejos. De infância rica, educado entre o Brasil e a Europa, José Geraldo descreveu, em seus romances, um universo que conhecia intimamente. Um deles, A Quadragésima Porta (1943), chega ao extremo, para a época, de ter protagonistas europeus e se passar integralmente fora do Brasil. Formado em medicina no Rio, fez especialização em Paris, quando se aproximou de um bom número de artistas de vanguarda, Picasso entre eles, levando ao desenvolvimento de outra faceta de sua vida, a de crítico de arte. José Geraldo dirigiu a icônica revista Habitat e atuou decisivamente nas primeiras edições da Bienal de Arte de São Paulo.
Não se pense, com tudo isso, que a obra literária de José Geraldo seja difícil. É verdade que seus romances não têm didatismos e que vez por outra levarão, ora a um dicionário, ora a uma enciclopédia. Mas são livros envolventes, atravessados por dilemas existenciais e que, como em toda obra de arte digna deste nome, proporcionam uma intensa experiência estética e, depois de lidos, reverberam, para sempre, no imaginário do leitor.
Voltando à questão inicial, a verdade é que ninguém explicou por que José Geraldo Vieira e sua literatura mergulharam no esquecimento. Mas o que ninguém haverá de negar é que o resgate duma obra dessa magnitude (dez romances e um volume de contos), que se inicia agora, com a publicação em e-book, pela Editora Descaminhos, de Terreno Baldio (1961), O Albatroz (1952) e Território Humano (1936), é algo que já deveria ter sido feito há muito tempo.
*André Caramuru Aubert é autor do romance Cemitérios, entre outros, colunista da revista Trip e diretor da Editora Descaminhos.
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