Além da realidade

O realismo agigantado ou reduzido de Ron Mueck não tem meios-tons. Ama-se ou odeia­-se. Museus de ponta – como a Tate Gallery, de Londres, a Fundação Cartier, de Paris – abriram as portas para ele. O ProA, em Buenos Aires, ficou pequeno para receber um público curioso e ao mesmo tempo aliviado por estar finalmente diante de obras contemporâneas “compreensíveis”. No MAM do Rio de Janeiro, a situação não foi diferente. A fila quilométrica que se formou no vão livre do Museu confirma o quanto o artista australiano, autor de formas perfeitas e realistas, encanta o grande público.

Ron Mueck, australiano de 56 anos, se insere na corrente de artistas obsessivos pela realidade. A indústria de brinquedos também alimenta essa obsessão, colocando no mercado bonecos impressionantemente semelhantes a recém-nascidos.
Entre as nove esculturas que compõem a exposição, uma atrai o público que não se cansa de rodeá-la. Em local de destaque, um casal de idosos, em escala monumental, se esparrama na areia de uma praia. Tão reais quanto aqueles que os cariocas costumam ver diariamente. Mueck já é um marco no realismo contemporâneo ao reproduzir fielmente todos os detalhes da anatomia humana, dando alma e vida aos seus personagens.

Como chegar a essa perfeição? Mueck “fotografa” seus personagens do ângulo do espectador. Não esconde a forte influência de Stanley Spencer, o famoso pintor inglês realista dos anos 1930. Outros artistas do movimento também beberam da mesma fonte, como os contemporâneos Jenny Saville, Duane Hanson, John de Andrea, Ralph Goings e Chuck Close. Os personagens de Mueck navegam na contramão do modismo atual e causam estranhamento com suas gorduras e feiúras. No conjunto, evocam um universo desconfortável, plasmado por atmosfera carregada de questões psicológicas, como a impossibilidade, o desconforto, a rejeição.

Ao contrário do que se noticia, a obra de Mueck, segundo a curadora italiana Grazia Quaroni, não é ligada ao hiper-realismo. O argumento da crítica é que: “O hiper-realismo é uma corrente que contém informação sobre o contexto dos personagens, enquanto a obra de Mueck faz todo o contrário. São neutras e os títulos não acrescentam nada do personagem, o espectador não tem informação sobre a pessoa retratada – como é, para onde vai e o que está fazendo”. Segundo a estudiosa da obra de Mueck, ela não sugere narrativa, nem se envolve com a psique dos personagens.

O universo estético de Mueck foi moldado ainda na infância vivida em Londres, quando ajudava os pais, artesãos alemães rígidos e perfeccionistas a confeccionarem marionetes. Na arte, Mueck começou pela indústria do espetáculo, fazendo bonecos para a televisão e cinema, tanto na Austrália como nos Estados Unidos, onde se tornou famoso em Los Angeles. O sucesso fez com que ele trabalhasse para o filme Labyrinth, além de colaborar para a série Muppet Show.

Com o sucesso que vem obtendo nos últimos anos, nada mais natural que Mueck homenageasse o pai, personagem transformador de sua vida e que aparece na mostra dentro de um barco à deriva, episódio que faz parte das histórias familiares. As esculturas são carregadas de tensão e parecem, assim como o autor, não gostarem de multidões.

RON MUECK
Até 1 de junho
Museu de Arte Moderna – MAM-Rio
Av. Infante Dom Henrique, 85 – Parque do Flamengo
Rio de Janeiro – RJ – www.mamrio.com.br


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.