Plantas como grafite

Com formação de artista plástico, no início dos anos 1990 Jean Paul Ganem deixa as telas de lado e parte para a Land Art, movimento que pressupõe que o artista imprima sua marca na natureza. Desde 1992, cria obras que se confundem com projetos de intervenções paisagísticas por meio do plantio de vegetação em larga escala em metrópoles. Agora chega ao Brasil para realizar uma grande obra na cidade de São Paulo.

Sua intervenção urbana mais significativa é a construção do Le Jardin des Capteurs, uma região onde a cidade de Montreal, no Canadá, despejou seu lixo por mais de 30 anos e que o artista transformou em um canteiro vivo, uma experiência efêmera que durou de 2000 a 2002. “No Canadá, Jean Paul tem uma primeira aproximação com o caráter social, um trabalho que envolvia uma equipe enorme, com interação com uma comunidade e questões ambientais”, conta Mozart Mesquita, produtor cultural da agência Brazimage que, desde 2007, está ao lado do artista na tentativa de engatar um projeto seu em solo brasileiro. O pontapé inicial da obra no Brasil se deu a partir da vontade do artista, que vem ao país já há mais de 20 anos e fala o português, por ter sido casado com uma brasileira e ter amigos aqui, de interagir com os centros urbanos mais subdesenvolvidos.

A dupla, Jean Paul e Mozart, saiu de motocicleta pela cidade em busca do lugar ideal. Depois de rodarem pelos diferentes cantos da capital, encontraram, com a ajuda do Secretário Municipal do Verde e do Meio Ambiente, Eduardo Jorge, a região da então Favela Aldeinha – que em janeiro de 2009 foi totalmente removida pela Prefeitura para implantação de uma alça de acesso da marginal Tietê à ponte Júlio de Mesquita. As mais de 500 famílias foram transferidas para um conjunto habitacional no distante bairro do Itaim Paulista, ou preferiram ganhar sua quantia em dinheiro e encontrar um espaço entre os barracos da favela mais próxima, a da Água Branca.

“Quando decidi fazer uma obra em São Paulo, fomos em busca de um dos lugares mais feios da cidade, percebi como havia aqui uma segregação natural de mundos dentro de uma mesma região, todos pareciam invisíveis uns aos outros.”

São Paulo é uma metrópole em constante crescimento, uma metamorfose diferente de Paris, que já é bela, funciona e pouco se transforma. São Paulo também vibra essa feiúra, essa mudança incessante de espaços e arquiteturas mais diversas que se sobrepõem. Carece de verde e de espaços públicos saudáveis, carece de vida nas ruas e de contato entre os habitantes.

Nada como um observador de fora para sugerir transformação estética em um ambiente desprovido desse olhar.

Antes de ser um projeto social, é uma obra de arte que cria relações de interferência com todos os aspectos do social. “Essa favela teve de sair dali, mas as pessoas que moravam lá encontrarão o espaço da sua antiga moradia preenchido com flores e plantas. De qualquer forma, é um projeto de aproximação entre extremos da sociedade”, analisa Jean Paul.

A aproximação e interação não teriam sido possíveis se não fosse a figura de Brito Knight, um morador da favela de 48 anos, que está cursando Direito e é dotado de uma articulação especial. Ganem relata que para fazer entrar arte dentro da vida das pessoas que vivem no limite do humano é delicado, pois as noções de estéticas não tem espaço e por isso se apropria dos espaços e trabalha dentro do lugar delas.

“Tem um público muito importante que não vai para museu ou galeria”, completa Ganem.

A escolha das plantas, flores e mudas está sendo pensada por George Sakay, paisagista brasileiro responsável pelo projeto, um dos principais seguidores de Burle Marx. Aldeinha já passou pelas aprovações de leis de incentivo como a Rouanet e a Proac, além de ter se associado à verba de capital público e privado e ONGs, como Design Possível, Instituto Romã e Arrastão.

As cores de gramados diferentes, divididos em retângulos diversos são para que as pessoas possam compreender o espaço físico em que essa parte invisível da sociedade vive. Ganem crê que o que faz hoje está muito mais próximo do grafite do que da pintura. “É um grafite com as plantas”, diz. “O agricultor faz a paisagem, o artista pinta a paisagem. Fazer uma Land Art com composições agrícolas aproxima os dois.”

Por ser um imigrante nascido na Tunísia, Ganem rapidamente criou, em Paris, o seu link com a cidade por meio da linguagem urbana dos guetos.

A essência do Projeto Aldeinha está em sua efemeridade. “A experiência com a energia do efêmero é algo muito mais tocante e forte, faz com que todos queiram aproveitar o lugar que logo deixará de existir”, declara o artista.

O projeto busca a utilização de materiais reaproveitáveis e da capacitação de mão de obra dos jovens da comunidade local, como jardineiros e marceneiros.

A abertura para o público está prevista para fevereiro de 2010, o local provavelmente contará com uma programação cultural ligada ao Sesc.

“As obras que eu realizo estão situadas em lugares onde o artista não é esperado”, conclui Jean Paul Ganem.


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