Apesar de ser literalmente comido pelos índios, o Bispo Sardinha não perdeu o humor

De qualquer maneira, o português Pero Fernandes Sardinha (Évora, Portugal, 1496 – Bahia, Brasil, 1556) iria entrar para a história do Brasil. Foi o primeiro bispo brasileiro.

Nomeado em 1552, exerceu suas funções até 1556 quando, depois de naufragar nas costas do Brasil, foi aprisionado e deglutido pelos índios caetés. Ele e mais de 90 ilustres brasileiros que não entraram para a História, talvez por não terem um sobrenome tão rico. Tão rico quanto o do seu sucessor em Salvador, Dom Pedro Leitão. Que, aliás, ninguém comeu. Que se saiba.

O bispo Sardinha, como era chamado pelas ruas do Pelourinho e na Baixa do Sapateiro, era um estudioso das anedotas (piadas) lusitanas e brasileiras. Estava, quando naufragou, levando para Lisboa os originais do seu livro Anedotarum et in parabolam, et in missa de Portugal-Brazilia. As mais de 300 piadas e anedotas foram para o fundo do mar. Mas nesta conversa franca e bem-humorada com a Brasileiros, ele nos contou algumas.

Não era apenas para levar seus originais que ele viajava na nau – vejam a ironia – Nossa Senhora da Ajuda. O que o levava para Lisboa era justamente um pedido de ajuda ao rei D. João III. Iria relatar como estavam sendo tratados os índios pelos colonizadores. Enfim, ia em defesa dos nativos. E estava recebendo ameaças por aqui.

Nossa conversa com o bispo Sardinha aconteceu há pouco mais de um mês, quando o sol já estava começando a castigar Trancoso, perto do local onde foi comido pelos caetés. De bermuda, sandália havaiana e óculos escuros, revelou-se um piadista de primeira.

Brasileiros – O senhor sabia que um grande escritor do século 20, Oswald de Andrade, fez um manifesto antropofágico onde, indiretamente, cita o senhor?

Bispo Sardinha – Já ouvi falar. Mas dele só conheço O Rei da Vela. Muito doido!

Brasileiros – Oswald dizia que só a antropofagia une os brasileiros, porque a formação da identidade brasileira só aconteceu depois de ter devorado e deglutido as culturas europeias, indígenas e africanas.

Bispo Sardinha – Pelo que eu entendi em O Rei da Vela, o Oswald era meio detraqué, não era não? Não entendi nada!

Brasileiros – Deixa pra lá. Há quem diga que o senhor não foi devorado pelos índios. Que foi o governador Duarte da Costa que mandou matá-lo e inventou a história da antropofagia, para poder mandar matar os índios. Como foi que começou a sua briga com o governador Duarte da Costa em Salvador?

Bispo Sardinha – Acho engraçada essa versão. Um pena que ainda não existia nem cinema nem televisão para filmar o banquete, que é como ficou chamada a minha deglutição. E por falar em índios, o senhor conhece aquela do casal de índios que só faziam sexo no escuro?

Brasileiros – Caetés?

Bispo Sardinha – Serve para qualquer índio. Um dia, um jovem nativo foi até a minha cela na aldeia. Eles estavam me engordando para o banquete. Eu era muito esquálido e pálido. Fiquei num regime de engorda uns três meses. Acabei ficando amigo deles, entende? Então, um jovem índio, eu dizia, foi me procurar porque estava com um problema muito sério. Ele e a sua indiazinha se casaram sem conhecer muito bem o sexo. E só tinham relação dentro da oca e no escuro. Acontece que o índio andava desconfiado que às vezes, sem querer, eles estavam praticando coito anal, está acompanhando?

Brasileiros – Sim, prossiga.

Bispo Sardinha – E ele sabia que os portugueses diziam que fazer sexo anal levava para o inferno, onde era muito mais quente que a Bahia. O coitadinho queria saber como poderia descobrir, no escuro, se a coisa estava penetrando na frente ou atrás. Aí, eu disse para ele: “Na hora de tirar, se for na frente faz shaaaaff. Se for atrás, na hora de tirar faz ploc”. Aí, ele disse que sempre fazia ploc. E eu disse: “É cu. E dos bons”.

E caiu na gargalhada.

Bispo Sardinha – Conhece a do papa que precisava trepar?

Brasileiros – Por favor, Dom Sardinha. Vamos voltar ao Duarte Correia.

Bispo Sardinha – Sim, sim. O problema era que os portugueses abusavam das jovens nativas. Maltratavam e abusavam. Escravizavam, sabe? E um deles era o Dom Álvaro, jovem filho do Duarte da Costa, um moleque completamente tarado. Um dia, num sermão, com a igreja lotada, eu contei o que o filho do homem andava fazendo e mais: que eu já havia escrito três cartas à Corte e elas nunca chegaram a seu destino. Infelizmente, não tínhamos e-mail, nem mesmo telefone. Juntei umas cem pessoas importantes em Salvador e partimos para Lisboa. Mas a porra do navio naufragou.

Brasileiros – Naquela época, quantos índios viviam no Brasil?

Bispo Sardinha – Estima-se em 5 milhões. E hoje não passam de 300 mil.

Brasileiros – Voltando, o navio naufragou mesmo ou foi sabotagem do governador?

Bispo Sardinha – Jamais saberemos. Porque nunca mais voltei para Salvador. A maioria conseguiu nadar e chegamos na praia onde nos esperavam os caetés que eram canibais. E odiavam os portugueses. Fudeu, né? Era do interesse das autoridades que os índios me comessem. Seria o motivo para o massacre que a minha morte provocou.

Brasileiros – As indiazinhas gostavam de sexo?
Bispo Sardinha – Isso era o de menos. Os caetés já haviam sido expulsos de Olinda por eles. Nos odiavam. Sabe quantos índios caetés existiam no Nordeste?

Brasileiros – Não faço a menor ideia, Sardinha.

Bispo Sardinha – Dizem 60 mil, 60 mil canibais. E a gente era 90 presos depois do naufrágio. Era pouca carne pra muito índio, né? Isso me lembra da história do papa que ia morrer e só tinha uma maneira de ele se salvar: se fizesse sexo.

Brasileiros – Por favor, Sarda.

Bispo Sardinha – É rápida. Uma transada bastava. Ele foi contra. Ele era importante para a igreja naquele momento. Depois de muita conversa, o papa concordou, mas fez algumas exigências: a mulher tinha de ser cega, para não ver com quem fazia sexo; tinha de ser surda e muda, para não ouvir nada caso ele falasse alguma coisa durante o ato; e que tivesse seios fartos e rijos. Os cardeais se reuniram. Voltaram a falar com ele. Santidade, a gente entendeu o fato de ela ser cega, surda e muda. Mas por que os seios fartos e rijos? E o papa respondeu na lata: “Quia unus erit et quia placet, uai”.

Brasileiros – E o que quer dizer isso?

Bispo Sardinha – Mais ou menos: “Porque vai ser uma só e eu gosto, uai”.

Gargalha.

Brasileiros – Voltemos à aldeia dos caetés.
Bispo Sardinha – O que importa é que, para justificar o que fizeram conosco, os portugueses aprontaram um verdadeiro genocídio. Durante cinco anos mataram todos – todos! – os caetés e quem mais tentou ajudar. Um holocausto, como diria Hitler.

Brasileiros – Nunca soube disso.
Bispo Sardinha – Tá no Google. Mas tem uma coisa que ninguém sabe e vou te contar em primeira mão aqui: no período de engorda, engravidei três indiazinhas. Mas que fique claro que fui procurado por elas. Não houve abuso, os pais consentiram. Eu dava bala de coco para elas e contava piadas para os pais. Dizem que um ex-governador baiano – recente – vem a ser descendente de uma delas. Mas não posso dizer o nome dele. Ainda tem uma família poderosa e grande.

Brasileiros – Fale do que o senhor se lembra do banquete.

Bispo Sardinha – Posso dizer que não sofri. Durante o período de engorda, ajudamos na confecção de um grande forno coletivo, uma churrasqueira coberta, digamos assim. Muito bonita, a Arena Caetés. Padrão FIFA mesmo. No dia marcado para a inauguração (dois operários índios morreram na obra), eles davam uma cacetada, a gente desacordava e eles enfiavam lá dentro. Não sei se alguém acordou quando estava sendo assado. Ninguém voltou para contar. O cheiro de churrasco era muito forte. E o escroto do Duarte da Costa acabou sendo nomeado Presidente do Senado da Câmara de Lisboa. Me lembrei de uma piada de um frade. Do Frei Coutinho. Conhece?

Brasileiros – Não. A última, tá?

Bispo Sardinha – Tá. Um dia uma senhora foi se confessar comigo em Salvador e estava arrependida porque tinha traído o marido. Eu disse que isso era normal no Brasil. Ela retrucou – apavorada – que tinha sido com um padre. Aí, me interessei e quis saber quem era. E ela disse que foi o Frei Coutinho. E eu exclamei: “Mas eu nem sabia que o Frei Coutinho tinha largado a batina!”. E ela: “Não largou não, segurou com os dentes!”.

Gargalhou. Eu ri.

Bispo Sardinha – Segurou com os dentes, entendeu?

Brasileiros – Sim, entendi.

Bispo Sardinha – Pois essas piadas todas foram para o fundo do mar com os originais de Anedotarum et in parabolam, et in missa de Portugal-Brazilia.

Brasileiros – Muito obrigado.

Bispo Sardinha – Foi um prazer. Só mais uma coisa.

Brasileiros – Outra piada, não!

Bispo Sardinha – Não é piada, não. Me comeram em 1556. E sabe quem morreu no mesmo ano? O Dom Álvaro da Costa, o filhinho de papai e playboy que barbarizava as índias.

Brasileiros – Morreu do quê?

Bispo Sardinha – Isso o Google não diz. Deve ter sido de gonorreia mesmo. Porco daquele jeito! Aliás, por falar em porco, conhece a do porco na sacristia? Com o papagaio?

Brasileiros – Chega, Sarda. Que papel é este aí?

Bispo Sardinha – Deu na Folha:

“Igreja cobra taxa na região onde
bispo Sardinha
foi devorado”
ARI CIPOLA, da Agência Folha,
em Coruripe

A Igreja Católica recebe taxas dos moradores do pequeno município de Coruripe, em Alagoas. O local foi terra dos índios caetés, lembrados por terem promovido o mais conhecido “banquete antropofágico” do país.

Segundo o pároco local, Pedro Silva, atualmente o valor arrecadado com os “impostos territoriais” é de cerca de R$ 1,2 mil por ano. “É pouco. A miséria que o governo deixou crescer na cidade é maldade maior que a que os caetés fizeram com o bispo Sardinha”, disse o padre.


Comentários

Uma resposta para “Apesar de ser literalmente comido pelos índios, o Bispo Sardinha não perdeu o humor”

  1. Avatar de rosa brandão
    rosa brandão

    Como eu queria ser comida.. Será que sardinha faria apertadinho Discarado deve ex
    comungado pelo francisquinho anda que póstuma praga.

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