Nasci pobre nos EUA. Sei que a imagem propagada por Hollywood dava a impressão, para o resto do mundo, que até o pobre norte-americano era relativamente rico. Balela! Ser pobre em qualquer lugar é um saco. Mas fazer o quê? Confesso que levei uma vida cheia de maravilhas, pois não tinha consciência de que era pobre. Em parte era, porque todos na minha vizinhança também eram pobres. Meu avô materno foi mineiro de carvão aos 9 anos, após ter ficado órfão. Ele tinha mais seis irmãos. Ele lutou na França na Primeira Grande Guerra. Um irmão dele virou comunista e lutou contra Franco, na Espanha, com a Brigada Lincoln. Meu avô paterno tinha uma barbearia. Os dois bebiam bem e, desde pequeno, acompanhei o meu avô materno nos bares. O meu avô paterno ia ao bar do Sr. Garbini com um bode que bebia cerveja. Eu sentava junto com o meu avô materno em um banco do Royal Bar e tomava Coca-Cola numa taça de servir whisky. Sentia-me grande.
Fui criado em uma das melhores épocas dos EUA. A Segunda Guerra havia terminado e as pessoas estavam reconstruindo as suas vidas após terem lutado na Europa e no Pacífico. Meu pai, os meus tios e quase todos os nossos vizinhos haviam servido durante a Segunda Guerra, embora nenhum deles falasse das suas experiências em combate. Eram todos homens severos e trabalhadores. Ralavam mesmo para sustentar as suas famílias. Eram todos operários de fábrica. Alguns trabalhavam de colarinho branco como técnicos de laboratório, mas eram apenas operários um pouco mais bem vestidos.
Para o pobre nos EUA, o país é uma plutocracia com traços de democracia. Os meus primeiros heróis na juventude eram os wise guys da máfia. Fui até “olheiro” de um cassino clandestino da máfia na minha cidade. Eu fingia que pescava no rio ao lado do cassino, e tinha um apito para soprar caso chegasse a polícia. Se a polícia chegasse devagar, não tinha de apitar, pois estava indo receber a propina. Porém, se chegassem com visível pressa, era para apitar bem alto, jogar o apito e a vara de pesca no rio e sair correndo. Os mafiosi da cidade frequentavam o cassino e, quando ganhavam bem, me davam gorjetas polpudas. Eu admirava os wise guys, até o dia que apitei e vi aqueles caras bem vestidos, com roupas caras, sapatos italianos e gravatas de seda pulando dentro do rio para escapar do “rapa”. Humilhante! Decidi que ser um wise guy não era boa ideia. De qualquer forma, o meu nome não tinha vogais suficientes para ser membro pleno do mob. Teria de achar outra coisa na vida.
Tinha dois tios que eram militantes de sindicato. Esse contato familiar com operários e com o meu tio-avô comunista foi de grande valia, quando nos anos 1980 escrevi uma monografia sobre como lidar com os novos sindicatos no Brasil e um artigo para a revista Quality Britain, no qual fui um dos poucos (se não o único) a prever que o Lula não faria um governo radical da esquerda. Eu tinha ouvido papo de sindicalista na mesa da cozinha a minha vida inteira. (Está vendo como a vida ensina as coisas?)
A ascensão socioeconômica nos EUA naquela época era por meio da educação (hoje, é um pouco mais limitada como “porta para o paraíso”) e ralei bastante para fazer faculdade. Dirigi caminhão, fui garçom, cozinheiro, vendedor em loja de roupa, instalador de carpetes e fanfarrão nas horas vagas. Como dizia o W.C. Fields (um dos meus maiores heróis após a fase de wise guy): “Eu gastei metade do meu dinheiro em whisky e mulheres, a outra metade simplesmente desperdicei!”. Meu avô materno havia me dito que pobre vota nos democratas, nem que o candidato seja um macaco. Mas, após subir na hierarquia da plutocracia do meu país, tornei-me republicano por algum tempo. Ô gente chata! Careta mesmo! Não aguentei. Os democratas bebiam melhor e faziam farras legais. Republicano dá pasta 007 como presente de aniversário para um filho de 7 anos – e o filho gosta! Realmente, eu gostava mais do Royal Bar e dos seus fregueses proletários. Pelo menos, até o quarto whisky, eu entendia o que eles falavam. Uma vez ouvi um republicano discursar por mais de uma hora sobre os problemas que tinha com erva daninha no gramado da sua casa. Haja saco! E haja whisky para aguentar! O que não ia aguentar frequentar a sociedade dos republicanos eram o meu fígado e meu saco.
Fui convocado para o exército, servi e depois vim para o Brasil com o Peace Corps, período áureo da minha vida e assunto do meu primeiro artigo na revista Brasileiros (edição 13). Morei na favela de Jacarezinho no Rio e visitei mais umas duzentas nos anos seguintes. Saí com a escola de samba do Jacarezinho e tiramos o quinto lugar na Avenida. Naquela época, não tinha sambódromo construído por gaúcho, não. Morar no Rio de Janeiro nos anos 1960 foi inesquecível e a cidade continua sendo a minha favorita em todo o mundo, apesar dos seus problemas atuais. A minha vida de pobre nos EUA ajudou um bocado naquela época. Porém, por ser americano (hoje considerado “amerioca”), eu gozava de um prestígio não merecido, mas bem aproveitado no Brasil dos “anos dourados”. Em suma, tinha condições de frequentar tanto a alta sociedade (como curiosidade, “gringo que mora em favela”) quanto a periferia (como dizia o Ibrahim Sued).
Nessa trajetória de vida, aprendi um bocado de coisas que nos parágrafos seguintes divido com você, caro leitor. Nem tudo que aprendi deve ser considerado conselho, pois muito do que falo só serve para a minha vida. Mas, eis as conclusões das lições que a vida me deu:
Você pode confiar nas pessoas – para seguir as suas próprias vontades e nada mais. Machiavelli e Shakespeare articulam esse princípio melhor, mas é isto mesmo.
Pode-se confiar nas instituições – para sempre procurar ascensão sobre o indivíduo. Nunca deposite a sua confiança em uma instituição e sempre questione as regras. Talvez elas tenham sido escritas por idiotas!
Jazz é a melhor forma de música já inventada. Isso é indisputável e nem Beethoven nem Bach iriam discordar. Nem questione essa afirmação, pois é a mais significativa contribuição da sociedade americana ao mundo.
Nunca espere gratidão. Você sempre sofrerá decepções se fizer qualquer coisa com o intuito de receber a gratidão de outrem. Lembre-se de que a raiz da palavra é “grátis”, que significa sem preço, livre. Deve ser assim sempre em suas ações.
Nunca espere nada em troca (corolário da conclusão número 4, acima), ao menos que o assunto seja dinheiro. Quando o assunto é dinheiro, a questão de gratidão não se aplica. Nada é gratuito no mundo do dinheiro e sempre haverá uma recompensa.
Dê o melhor de si – somente para você mesmo e às pessoas que você realmente ama. As únicas pessoas que merecem o melhor de você são os que você realmente ama (incluindo você próprio). Para os outros, é uma questão de pérolas diante dos porcos.
Confie em Deus – todos os outros têm de pagar em espécie. A única pessoa em quem você pode confiar em uma transação financeira é Deus, porque Ele não precisa de dinheiro!
Fique sempre calado – especialmente quando sente vontade de falar. G. Bernard Shaw (creio) disse que é melhor ficar calado e deixar que todos pensem que é burro, do que abrir a boca e tirar qualquer sombra de dúvida.
Dinheiro faz o mundo girar. E é por isso que andamos sempre em círculos.
Sempre exija o melhor para você mesmo. Se exigir menos que o melhor, é o que receberá. Porém, convém lembrar-se de que o melhor, às vezes, vem disfarçado como outra coisa. Atenção!
Nunca fique em hotel barato. Conforto é muito importante.
Algumas mulheres são “minas” e gostam de ser assim. Sinatra tinha razão. Eu amei todas as “minas” da minha vida. Contudo, sempre trate uma mulher como rainha e talvez ela se revele como tal. E sempre trate uma rainha como mulher, pois talvez ela se revele como tal.
O pior que já tive foi maravilhoso. Não necessita de comentário!
Seja cético para se divertir mais. Nunca confie em zelosos. Sempre são perigosos e tentarão fazer de você um herói para que possam erguer uma estátua em sua honra depois de matá-lo. Não aceite nada na vida no valor de face. Tudo ou vale mais ou vale menos que aparenta.
Um cético é um otimista que foi assaltado pela realidade. Bem-vindo ao clube!
Nunca beba whisky barato. Beber whisky barato é um sinal de falta de autoestima. Se não puder beber do melhor, diz que é alcoólatra e não pode tocar em bebida.
Nunca julgue ninguém – talvez a pessoa saiba alguma coisa que você desconheça. Você descobrirá que a sua avaliação do outro sempre será aquém da verdade. Não se pode entrar na cabeça do outrem e, se pudesse, não iria querer.
A diferença entre AIDS e um verdadeiro amor é que AIDS é para sempre. Dispensa comentário.
Casamento é como um submarino. Com esforço, pode mantê-lo em cima, mas foi feito mesmo para afundar.
Se tiver alguma razão para beber, não beba. Você nunca, mas nunca mesmo, deve precisar de uma razão para beber. Se tiver, o álcool não resolverá o problema.
Pois bem, caro leitor. Essas são as lições que a vida me deu. A vida, com todas as suas desavenças, é para ser vivida, não simplesmente tolerada e, certamente, não sofrida. Carpe diem!
*Jim Wygand é consultor nas áreas de investigação de fraudes e gestão de risco e diretor para o Brasil da empresa norte-americana 1st West Mergers & Acquisitions Llc
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