Nesta segunda-feira, 5 de janeiro, completam-se cem anos do nascimento de um personagem esquecido, mas central para a música popular brasileira no Século 20, o compositor e letrista cearense Humberto Teixeira. Anônimo para muitos, ele foi parceiro de Luiz Gonzaga (1912 – 1989) em clássicos que povoam o imaginário de sucessivas gerações de brasileiros, como Asa Branca, Assum Preto, Juazeiro, Respeita Januário e No Meu Pé de Serra, e ajudou a colocar o trio sanfona, zabumba e triângulo no mapa de nossa música.
Iniciada em agosto de 1945, quando se tornaram amigos, a parceria entre os dois culminou na criação de um gênero musical de irresistível apelo dançante e genuinamente brasileiro, o Baião. Em entrevista à Rede Globo, de 1974, Gonzagão e Teixeira relembraram o encontro, que resultou no esboço de duas obras-primas da música nordestina: “Quando conheci Humberto Teixeira e começamos a conversar, foi rápido, em menos de uma hora Humberto resolveu meu problema. E parece que ele estava gostando também da minha cooperação”, recordou Gonzaga. “Naquele mesmo dia, começamos a ‘sanfonizar’ os primeiros acordes e a primeira linha mestra não só de Baião, como de Asa Branca, essa música que, hoje, é um hino. Uma música que diz muito, a muitos brasileiros”, complementou Teixeira.
A alcunha “Doutor do Baião” foi atribuída a ele por ter sido advogado. Morto no Rio de Janeiro, em 3 de outubro de 1979, aos 64 anos, Humberto Cavalcanti Teixeira nasceu em 05 de janeiro de 1915 na pequena Iguatu, cidade do centro-sul do Ceará que, além de ter sido o principal polo de fornecimento de algodão do País entre as décadas de 1960 e 1980, também deu ao Brasil outro gigante de nossa cultura, o maestro Eleazar de Carvalho (1912 – 1996). O despertar do menino Humberto para a música veio aos seis anos de idade, por influência do tio Lafaiete Teixeira, regente que o introduziu aos primeiros instrumentos – flauta, bandolim e musete, versão francesa da gaita de fole.
Aos 13 anos, tocando flauta, ele passou a integrar a orquestra que musicava filmes mudos no Cine Majetic, em Fortaleza. Dois anos mais tarde, mudou-se para o Rio de Janeiro, fugindo de mais uma seca que assolava o Nordeste, tão severa quanto aquela do ano em que ele nasceu. Em 1934, aos 18 anos, foi premiado em um concurso carnavalesco da revista O Malho com a marchinha Meu Pecadinho. Ao longo de quase uma década, Teixeira compôs dezenas de marchas, xotes, sambas-canções e toadas. Em 1943, formou-se em Direito, pela UFRJ, e teve, no ano seguinte, sua primeira composição gravada, Sinfonia do Café, um samba interpretado por Déo e composto a quatro mãos com o maestro Lyrio Panicalli (leia sobre o álbum Nova Dimensão, de Panicalli). Naquele mesmo ano, em parceria com Sivuca, Teixeira escreveu para Carmélia Alves outro clássico de seu repertório Adeus, Maria Fulô (ouça a releitura d’Os Mutantes)
Embora breve, aprofundada ao longo de nove anos até que o letrista enveredasse pela política como deputado-federal, a parceria com Luiz Gonzaga também atribuiu à Humberto Teixeira o status de teórico da música popular. À força intuitiva do genial Mestre Lua, o Doutor do Baião acrescentou um pensamento evolutivo fundamental para a valorização da cultura nordestina em todo o País, como ele mesmo enfatizou na entrevista de 1974: “Depois de resolvermos que o ritmo que nós queríamos lidar como saída para a implantação da música nordestina no Sul do País era o Baião, tratamos de urbanizar, de dar características nacionais a esse ritmo eminentemente telúrico e a esse tipo de música tão ligada às coisas do Norte.”
Lado A do disco de 78 rpm lançado pela RCA Victor que continha, no lado B, o Baião Paraíba, Asa Branca foi gravada em 1947 e, desde então, soma centenas de releituras (ouça a versão jazzística do quarteto do baterista Edison Machado). O sucesso das duas músicas, como pretendia Teixeira, impulsionou o novo gênero em todo o País e, por meio do forte conteúdo social de suas letras, transformou o Baião em porta-voz de muitas das agruras vividas pelo povo nordestino.
A faceta de defensor da música popular ganhou dimensão ainda mais importante quando da atuação política do compositor. Em 1958, ele conseguiu aprovar a Lei Humberto Teixeira que, a partir daquele ano até 1964, criou caravanas de divulgação de artistas brasileiros no exterior. Entre os músicos beneficiados estão Waldir Azevedo, Trio Irakitan, Leonel do Trombone, Abel Ferreira, os acordeonistas Orlando Silveira e Sivuca, as cantoras Carmélia Alves e Vilma Valéria, e os maestros Guio de Morais, Radamés Gnatalli e Léo Peracchi. Em 1971, Teixeira foi eleito vice-diretor da União Brasileira de Compositores – UBC e ampliou a defesa por direitos autorais.
Cantado por intérpretes de diversas gerações – entre eles, Emilinha Borba, Cyro Monteiro, Ivon Curi, Gal Costa, Caetano Veloso, Alceu Valença, Zé Ramalho, Ney Matogrosso, Gilberto Gil e Dominguinhos – Humberto Teixeira foi autor prolífico, deixou mais de 400 composições (saiba mais sobre ele no perfil do Dicionário Cravo Albin). Em sua homenagem, a rodovia CE-060, que liga Iguatu a capital Fortaleza, foi batizada com seu nome.
Casado com Margarida Teixeira, ele é pai da atriz Denise Dummont que, desde início dos anos 2000, tem se empenhado em manter viva a memória do Doutor do Baião. Em 2009, sugerido pela atriz Leandra Leal, o cineasta pernambucano Lírio Ferreira foi convidado a dirigir o documentário O Homem que Engarrafava Nuvens, idealizado e produzido por Denise. A íntegra do filme encontra-se disponível na internet. Assista abaixo:
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