Para viver poeticamente a cidade

* Evaristo Martins de Azevedo é crítico de teatro;  conselheiro da APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte; e,  jurado do Prêmio Shell de Teatro.

Depois de curtíssima temporada experimental no finalzinho de 2013, eis a notícia boa para este início de 2015: finalmente, (re) estreia o espetáculo Tareias, com a direção de Rudifran Pompeu, do Grupo Redimunho de Investigação Teatral. Contemplado com o Programa de Fomento ao Teatro da Cidade de São Paulo, o grupo realizou uma longa pesquisa cênica (que incluiu algumas apresentações) e, assim, conseguiu os recursos necessários para a montagem definitiva, tão aguardada. O espetáculo é um cortejo pelas ruas do centro velho de São Paulo. Tudo começa na sede do grupo, na Rua Álvaro de Carvalho. Ali, a história a ser contada é revelada ao público que, então, passa a seguir os personagens pelas ruas da cidade, por entre um grande entorno fora do teatro… Por meio de narradores, o drama de Maria, ou de muitas Marias, vai sendo conduzido: o conflito-paradoxo da mulher sertaneja do universo de Guimarães Rosa trazida para a cidade grande. E o que se observa é que os problemas dessa mulher, a violência contra ela, o machismo, o preconceito e a necessidade da sobrevivência são praticamente os mesmos. O que se vê é que o sofrimento da Maria da metrópole não é muito diferente da Maria do sertão.

 

Mas a sensibilidade com a qual o espetáculo mostra essas realidades é fascinante. São mais de 20 artistas em cena, percorrendo e levando o público por entre a velha arquitetura da Ladeira da Memória, pela abandonada passagem subterrânea no Viaduto do Chá, pelo misterioso e igualmente abandonado Museu do Teatro Municipal, onde o público é esperado com uma recepção sertaneja emocionante – plateia come e bebe com os artistas, conversa com eles e se descobre parte do espetáculo, fascinado e, ao mesmo tempo, consternado com aquele maravilhoso espaço cultural de São Paulo tão sujo e esquecido quanto os mendigos que por ali passam invisíveis…

Depois desse impacto, a procissão até o vão sob o Viaduto do Chá, onde uma Maria, numa singela, porém gigantesca balança, pendurada no alto do viaduto, faz uma das cenas mais incrivelmente belas já criadas na cidade. Tudo isso ao som de cantigas de roda e de ritmos folclóricos da melhor brasilidade, com sanfonas, violas e bumbos inseridos, delicada e contundentemente, pelo diretor musical Luiz Aranha. Até a ciranda final, na velha Rua Formosa, onde o cortejo termina, com o público emocionado, cantando e dançando numa grande roda.

Neste espetáculo, em que o público deixa o conforto da poltrona do teatro dito “convencional” para, efetivamente, vivenciá-lo andando pelas ruas sujas, desocupadas ou mal ocupadas, sentindo seus cheiros ruins e aflições, e percebendo a tensão com aqueles que estão ali apenas de passagem, mas observando a ocupação de seus espaços, ainda que de forma aparentemente efêmera, pela arte, é tudo extraordinário.

Tareias
Estreia:
dia 18 de janeiro
Telefone para reservas: 11-3101-9645 e 3237-4898.
Início do espetáculo: Espaço Redimunho de Teatro (Rua Álvaro de Carvalho, 75, Anhangabaú, Centro de São Paulo, perto da estação Anhangabaú do Metrô). Domingos e segundas-feiras, às 20h.
Ingressos: 120 minutos
Temporada: até 25 de maio
Em caso de chuva, não haverá espetáculo. É recomendado usar calçados e roupas confortáveis devido ao trajeto do espetáculo

* Evaristo Martins de Azevedo é crítico de teatro;  conselheiro da APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte; e,  jurado do Prêmio Shell de Teatro.

 


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