Vale a pena ouvir de novo

Foto: Divulgação
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Primeira novela a ser exibida no País, Sua Vida Me Pertence, de Walter Forster, foi ao ar em 1951. À época, como ainda não havia o recurso do videoteipe, os 15 capítulos, exibidos as terças e quintas-feiras, foram encenados ao vivo. Entre outras produções, o primeiro folhetim a, enfim, ganhar grade diária foi exibido somente 12 anos mais tarde, em 1963, na extinta TV Excelsior. Dirigida por Tito Di Miglio, 2-5499 Ocupado foi também pioneira em reunir no elenco os atores Glória Menezes e Tarcísio Meira, protagonistas de um romance tão longevo quanto o dos brasileiros com as telenovelas.

Naquele início dos 1960, com a crescente democratização do acesso aos aparelhos de TV, a indústria televisiva passou a invadir os lares do País e acompanhar as tramas folhetinescas tornou-se compromisso diário para milhões de brasileiros. Consequentemente, a telenovela foi conquistando aos poucos o status de agente de transformações comportamentais, lançando tendências e inspirando adoção de gírias, bordões, indumentária e, principalmente, de novos ídolos musicais, com o advento das trilhas sonoras originais que embalavam as tramas vividas pelas personagens.

Criada pelo sonoplasta paraibano Salatihel Coelho, a primeira trilha sonora original – uma compilação de diversos temas veiculados em novelas da extinta TV Tupi – foi lançada em 1964, com o genérico título Salathiel Coelho Apresenta Temas de Novelas. Cinquenta anos mais tarde, o caminho aberto por ele foi perseguido por mais de sete centenas de títulos, entre trilhas nacionais e internacionais de novelas, minisséries e seriados. Tamanha produção jamais havia sido objeto de estudo, mas acaba de chegar às livrarias do País o primeiro volume de um projeto iniciado em 2000, que promete um final feliz para essa lacuna histórica. Lançado pela editora Dash, Teletema – A História de Música Popular Através da Teledramaturgia Brasileira compila todas as trilhas lançadas no País entre 1964 e 1989 e começou a ser esboçado a quatro mãos por Guilherme Bryan e Vincent Villari, quando ambos cursavam Jornalismo na faculdade Cásper Líbero, em São Paulo.

A aproximação entre os dois remete às reviravoltas do acaso, tão comuns nos roteiros das telenovelas. Bryan estava um ano à frente na graduação e jamais teria se aproximado de Villari – apesar de, à época, o curso de Jornalismo ocupar apenas um andar do prédio sede da Cásper Líbero – não fossem eles apresentados pela amiga Maristella Mattos, que reprovou e foi parar na classe de Villari. Maristella sabia que Bryan estava empenhado nas pesquisas de seu primeiro livro, Quem Tem um Sonho Não Dança (Record, 2004), sobre a explosão da cultura jovem no Brasil dos anos 1980, e recomendou que ele consultasse Villari para esclarecer dúvidas sobre algumas trilhas de novelas lançadas no período, uma vez que ela sabia que o novo amigo detinha uma generosa coleção – depois, Villari conseguiu reunir todos os títulos lançados no País, acervo este que serviu de fonte para a pesquisa do livro.

Convicto de que o tema trilhas de telenovela também renderia projeto editorial dos mais oportunos, dada à bibliografia nula, Bryan não hesitou em, já no primeiro encontro dos dois, convidar Villari para tocar o projeto a quatro mãos. “Quando estava realizando a pesquisa, percebi o quanto as novelas e séries como Armação Ilimitada foram importantes para consolidar o BRock. Cito apenas três exemplos: a Blitz, que fez enorme sucesso com a abertura da novela Sol de Verão, o Ira!, que ganhou projeção nacional com a trilha de O Outro e o Ultraje a Rigor, que  fez a abertura de Brega e Chique. Se os festivais da Record foram uma vitrine fundamental para a geração dos anos 1960, nos anos 1980, a grande vitrine para o rock brasileiro foi  a telenovela”, defende Bryan.

Para Villari, os LP’s, fitas-cassete e CD’s derivados de folhetins constituem um produto cultural e uma vitrine sem análogos no exterior: “A trilha sonora de telenovela é um cruzamento de mídias tipicamente brasileiro. Da parte dos entrevistados do livro, foi unânime a percepção de que a teledramaturgia ajudou canções e artistas a entrarem no imaginário coletivo e na memória afetiva do brasileiro. Algo bem diferente de uma execução em rádio que, às vezes, leva meses para atingir ouvintes do País, de Norte a Sul. A associação da música com uma imagem marcante é imbatível para atingir o gosto popular”, acredita ele.

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A força desse novo formato serviu de vitrine para muitos artistas em início de carreira, mas, nos anos 1970, também contou com o auxílio luxuoso de campeões de vendagem, que compunham material exclusivo, como Roberto e Erasmo Carlos (O Bofe, 1972), Raul Seixas e Paulo Coelho (O Rebú, 1974), a dupla baiana Antonio Carlos e Jocafi (O Primeiro Amor, 1972), os irmãos Paulo Sergio e Marcos Valle (O Cafona, 1971) e os parceiros Vinicius de Moraes e Toquinho (O Bem Amado, 1973). Além de reunir artistas consagrados, as trilhas sonoras nacionais também contavam com a participação de grandes arranjadores, como os maestros Waltel Branco, Arthur Verocai e Julio Medaglia. Já as trilhas internacionais, lançadas via Som Livre, gravadora da Rede Globo criada em 1969, também beneficiaram a carreira de muitos artistas estrangeiros no País, como esclarece Bryan: “Rock n’ Roll Lullaby do B.J. Thomas, por exemplo, fez mais sucesso no Brasil do que no exterior. A música estourou em todo o País depois de entrara para a trilha de Selva de Pedra (1972)”. 

A obsessão de Villari pelo tema é compreensível se considerarmos que, além de jornalista, ele também é teledramaturgo – trabalha para a Rede Globo e é coautor, com Maria Adelaide Amaral, das novelas Ti-Ti-Ti e Sangue Bom. Ao longo dos 14 anos de produção do livro, ele e Bryan entrevistaram cerca de 140 personagens, que revelaram suas impressões sobre as trilhas das quais participaram e detalhar aspectos técnicos. A dupla também teve o cuidado de apresentar resumos das tramas e destacar, inclusive, personagens que inspiraram algumas das canções. O segundo volume de Teletema segue em produção, mas ainda não tem previsão de lançamento. O livro apresentará um recorte que vai de 1989 até os dias atuais. Período de grandes transformações na indústria cultural, como enfatiza Villari: “A partir da década de 1990, houve uma explosão da música sertaneja e do pagode romântico. Surgiu também a MTV que passou a divulgar novas bandas e novos artistas, algo que era privilégio da teledramaturgia. Com essa nova relação, o cenário mudou gradativamente, mas eu creio que as trilhas sempre existirão, pois  sempre haverá algum tipo de teledramaturgia e sempre haverá música”.


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