Fundos influenciam empresas

Fenômenos relativamente recentes, como a globalização – e algumas crises internacionais dela decorrentes –, impulsionaram a busca de novos métodos de gestão e monitoramento empresariais. Em meio a um mundo de incertezas mercadológicas, a governança corporativa surgiu como uma ferramenta essencial na construção de um mercado mais saudável, responsável, seguro e, principalmente, estável.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), em consequência de tais mudanças, velhos personagens – como acionistas minoritários passivos e conselhos de administração figurativos – deram lugar a investidores atuantes, acompanhados de novos atores, como os conselheiros profissionais e independentes. Ao mesmo tempo, os investidores institucionais – como fundos de pensão e investimentos – precisaram adequar-se aos novos tempos, assumindo uma postura mais ativa, tanto na participação em assembleias quanto na fiscalização das companhias alvo de investimentos. Paralelamente, regras e normas foram incorporadas ao ambiente corporativo, com o objetivo de buscar uma maior estabilidade do mercado.

Como reflexo da crescente valorização das boas práticas de governança, hoje, pouco mais de uma década depois do surgimento do nível Novo Mercado de governança corporativa, 31 empresas, quase metade das 64 empresas que compõem o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) são integrantes desse segmento especial da bolsa. Estudos recentes mostram que, antes de decidir investir em suas ações, parte dos investidores estrangeiros já exigem que as empresas estejam listadas neste segmento, criado em 2000, que abriga as companhias com maior grau máximo de governança do mercado de capitais nacional.

<b>Impondo boas práticas</b>
Nesse ambiente, os fundos de pensão vêm desempenhando papel essencial, ao impor boas práticas de governança nas empresas onde mantêm investimentos. Segundo Carlos Eduardo Lessa Brandão, especialista em governança corporativa e sustentabilidade e vice-presidente do Conselho de Stakeholders da Global Reporting Initiative (GRI), um bom exemplo foi a adesão de vários deles aos Princípios para o Investimento Responsável (PRI), iniciativa das Nações Unidas visando a integrar critérios ESG – ambientais (E), sociais (S) e de governança corporativa (g) – à lógica dos investimentos.

Outra evidência, segundo ele, é o grande interesse na certificação dos conselheiros de administração e fiscais que atuam nas empresas investidas pelo programa de CCI (Certificação de Conselheiros IBGC). “Os investidores institucionais, não apenas no Brasil, têm apresentado um grande crescimento nos últimos anos”, afirma Brandão. “Dependendo do foco que derem aos seus investimentos, poderão estar na origem de futuras instabilidades econômicas, caso privilegiem o curto prazo, ou poderão imprimir nos mercados e nas empresas horizontes de prazo mais longo e a busca pela sustentabilidade.”

Em artigo publicado no primeiro semestre deste ao no jornal Valor Econômico, o então presidente da Fundação dos Economiários Federais (Funcef), Guilherme Lacerda, e o ex-diretor de participações da entidade, Jorge Arraes, explicam que a própria natureza de um fundo – diferente de uma empresa – faz com que a sua visão de gestão e de mercado seja diferente de outros grupos de investimento. “Os fundos de pensão brasileiros, como investidores institucionais, não atuam no mercado com posições frenéticas de comprar e vender”, argumentam Lacerda e Arraes. “Eles têm dado uma grande contribuição para o aprimoramento do ambiente regulatório corporativo e para o fortalecimento de padrões salutares de governança.”

Já o diretor da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), José Maria Rabelo, acredita que algumas mudanças no marco regulatório ocorridas durante a última década (leia o texto a seguir) contribuíram para a consolidação dos fundos e, por consequência, do sistema e de seus métodos de gestão e fiscalização. “Os anos 1990 e 2000 foram de ajustes importantes”, avaliou o ex-vice-presidente de Negócios Internacionais do Banco do Brasil, após ser empossado como diretor-superintendente da Previc, em março deste ano. “Hoje, o sistema está bem. Os fundos têm maior maturidade de gestão e de governança”, diz.

<b>Confiança em alta</b>
Entre os fundos de pensão, a disseminação das melhores práticas em governança vem crescendo exponencialmente nos últimos anos. Conforme a segunda edição da pesquisa Governança Corporativa em Fundos de Pensão, realizada pela consultoria Deloitte Touche Tohmatsu, com apoio da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), os níveis de confiança em relação à eficácia dos procedimentos relacionados à governança corporativa saltaram de 36% (ótimo e excelente) em 2009 para 58% em 2010.

O estudo tem como objetivos compreender a visão e as práticas das entidades fechadas de previdência complementar (EFPCs) com relação à governança corporativa, identificar possíveis preocupações dos fundos com relação ao seu ambiente regulatório e aos temas atuariais e contábeis, conhecer o atual estágio de governança destas entidades e obter um indicativo das práticas de governança no cenário empresarial brasileiro. O levantamento, realizado por meio de questionário eletrônico, enviado aos representantes dos fundos entre outubro e novembro, contou com a participação de 51 EFPCs, todas associadas à Abrapp.

A primeira edição da pesquisa, em 2009, contou com a participação de 68 entidades, que representavam 57% dos ativos totais das entidades de previdência complementar naquele ano. No primeiro ano do estudo, 5% dos fundos consultados acreditavam que deveriam melhorar suas práticas (avaliação regular). Na edição de 2010, o índice caiu para zero.

A resolução nº 13 do Conselho de Gestão de Previdência Complementar (CGPC), de 1º de outubro de 2004, foi um marco para a instituição formal da governança corporativa nos fundos de pensão nacionais. Por meio da medida, a Secretaria de Previdência Complementar, órgão do Ministério da Previdência Social, estabeleceu princípios, regras e práticas de governança, gestão e controles internos a serem observados pelas entidades fechadas de previdência complementar.

As novas normas que se sucederam estabeleceram, por exemplo, a obrigatoriedade da contratação de serviços de auditoria externa por parte das entidades. Outra alteração foi a obrigatoriedade da submissão das contas das entidades fechadas a auditores independentes, determinada pela Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001.

Na opinião de Renato Chaves, coordenador da Comissão Gestora de Cartas Diretrizes do IBGC, o aperfeiçoamento da legislação e da fiscalização trouxe melhorias aos sistemas de governança aos fundos de pensão. “A maior transparência e qualidade das informações, especialmente a partir da criação dos níveis diferenciados de governança corporativa da bolsa (níveis 1, 2 e Novo Mercado) e da Instrução CVM nº 480, refletem em um contexto que oferece maior segurança para os investidores”, afirma Chaves.

“Definições do regulador quanto a questões relacionadas com poder de fiscalização dos investidores (conselho fiscal e monitoramento de empresas controladas, por exemplo) e de relacionamento entre investidores (seus direitos e deveres) também contribuíram para reforçar esse sentimento de melhoria.”

Apesar de algumas exigências terem sido estabelecidas por mecanismos legais, porém, determinadas normas encontraram resistência junto aos gestores dos fundos. No caso da auditoria interna, na primeira edição da pesquisa sobre governança em fundos de pensão realizada pela Deloitte, em 2009, grande parte dos respondentes declarou a inaplicabilidade da exigência à entidade.

Mesmo com a contrariedade apontada naquela ocasião, no entanto, o índice de adesão à norma do CGPC cresceu consideravelmente nos últimos dois anos. No estudo de 2009 da Deloitte, 93% dos respondentes afirmaram não contar com um comitê de auditoria interna. Já em 2010, o índice caiu para 23%.

<b>Renda variável</b>
Outro importante ponto afetado pelo marco regulatório diz respeito às políticas de investimento dos fundos. A resolução nº 3.456, de 2007, do Conselho Monetário Nacional (CMN), permite que os fundos de pensão apliquem recursos em renda fixa, renda variável, no setor imobiliário e no segmento de empréstimos e financiamentos, impondo limites percentuais para cada um deles, com o objetivo de resguardar os interesses dosmutuários, considerando o risco envolvido no investimento.

Um dos casos mais debatidos é o da renda variável, cujo teto a ser investido não deve ser superior a 50% dos recursos do fundo, de acordo com a regulamentação. No entanto, parte dos fundos de pensão nacionais ainda não conseguiu adaptar-se à norma do CMN e prossegue aplicando mais da metade de seus recursos em investimentos desse gênero.

<b>Os grandes dão exemplo</b>

Desde que se tornaram temas recorrentes na agenda corporativa mundial, as questões relativas à governança têm recebido especial atenção dos grandes fundos de pensão brasileiros. A Previ, por exemplo, criou um conjunto de normas e diretrizes para nortear as relações entre todos os agentes que atuam nas empresas participadas.

O documento, denominado “Melhores Práticas”, conta com 60 páginas. Com base no tripé transparência, divulgação e responsabilidade, o manual aborda temas que vão desde o direito dos acionistas à composição da administração, passando por tratamento equânime, ética empresarial, órgãos de governança e auditoria independente, entre outros.

Já a Petros elaborou o “Manual de Governança dos Investimentos”. De acordo com o fundo, a peça é fundamental na busca constante por instrumentos que estimulem boas práticas de governança corporativa nas empresas em que a entidade tem participação. Entre outros tópicos, o manual defende a indicação de conselheiros independentes e bem informados, a transparência nos processos de gestão e a prestação de contas dos administradores das empresas.

De acordo com o presidente da Petros, Luís Carlos Fernandes Afonso, o incremento nas políticas de governança é uma das principais contribuições que os fundos podem oferecer às empresas às quais se associam. “Participamos de várias empresas de diferentes setores da economia. Obviamente, não vamos entender de cada um dos negócios dos quais somos investidores”, comenta Afonso. “Mas oferecemos aos parceiros, além de nossos recursos, um valor agregado que é a melhoria da governança, a busca da transparência das informações das empresas.”

<b>Case Mudanças na JBS-Friboi</b>

Empresa de origem familiar, a JBS-Friboi precisou adequar-se às exigências de um fundo de investimentos em participações, responsável pelo financiamento das aquisições realizadas pela companhia no exterior, em 2008. O fundo, que tinha como cotistas o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e os fundos de pensão Petros e Funcef, além do JP Morgan, viabilizou parte das últimas compras feitas pela empresa, no total de US$ 1,7 bilhão.

O novo fundo entrou na JBS em uma operação de aumento de capital, na qual foram ofertadas – em emissão para subscrição privada – 360,68 milhões de novas ações, o equivalente a R$ 2,55 bilhões. A emissão foi o meio encontrado pela companhia para pagar pelas três novas empresas adquiridas no exterior, a National Beef e a Smithfield Beef, nos Estados Unidos, e o Tasman Group, na Austrália.

Para contar com a participação do novo fundo em seu capital, a JBS, comandada pelos irmãos Joesley, Wesley e Júnior, se comprometeu com melhorias em sua governança corporativa. O fundo ganhou, por exemplo, o direito a manter um representante no Conselho de Administração, que passou a ter Comitês de Finanças e de Auditoria. Além disso, a JBS-Friboi passou a contar com um Conselho Fiscal, comprometendo-se a publicar periodicamente um balanço socioambiental.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.