“O sucesso da pesquisa científica depende do acesso à educação”

Existe um grande projeto de astrofísica em desenvolvimento chamado European Southern Observatory (ESO) com a instalação de um superobservatório astronômico no deserto do norte do Chile, e existe a possibilidade de o Brasil participar do consórcio responsável pela sua construção. Para isso, o País precisará investir 250 milhões de euros no projeto, ao longo de dez anos.

Ao ser questionado sobre o ESO na abertura do seminário, o ministro Aloizio Mercadante reconheceu a importância de o Brasil fazer parte do projeto. “É um equipamento de alto nível, que permite ao País estar na fronteira da astrofísica”, poderá o ministro, para depois explicar que o Brasil, para se associar, fez duas exigências: a participação da indústria brasileira de tecnologia na construção do ESO e a perspectiva de formação de recursos humanos. E salienta que “precisamos ter equilíbrio entre esses grandes projetos internacionais e os projetos nacionais em áreas estratégicas que precisam ser desenvolvidas”.

É um tema que interessa muito à astrofísica Thaisa Storchi-Bergmann, professora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), dedicada à pesquisa científica nessa área, e que também foi palestrante no seminário. A cientista se dedica a estudar buracos negros supermassivos. “O ESO vai ter quatro telescópios com espelho de oito metros. E tem um projeto que me interessa muito: observar o horizonte de eventos dos buracos negros usando os quatro telescópios juntos para fazer interferometria”, diz.

Segundo ela, se o Brasil participar do consórcio do ESO, os astrofísicos brasileiros terão acesso ao Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (Alma), o maior arranjo de rádiotelescópios do mundo, que permite observar os confins do universo, em regiões de formações de novas estrelas e novos planetas. E também poderão usar o Extremely Large Telescope (E-ELT), o maior telescópio em desenvolvimento, com espelho de 40 metros de diâmetro.

Em sua área de pesquisa – os buracos negros supermassivos existentes nos núcleos das galáxias –, Thaisa Storchi-Bergmann é a cientista brasileira mais citada no exterior. Ela trabalhou muito para obter esse reconhecimento. Em 1997, para não interromper seu trabalho, teve de levar seu filho, ainda bebê, para o observatório de Cerro Tololo, no Chile. “Foi um problema me deixarem observar com o bebê. Mas encontraram um local mais afastado para eu deixar meu filho, um local onde ele não perturbasse os demais astrônomos, que dormem durante o dia”, conta.

Para realizar suas observações, Thaisa e outros astrofísicos brasileiros contam hoje com um telescópio de 1,60 metro, instalado no Laboratório Nacional de Astrofísica, em Itajubá/Brazópolis, no Estado de Minas Gerais. O Brasil também detém 30% do telescópio Soar, no Chile, próximo a Cerro Tololo. E faz parte do consórcio Gemini, com dois telescópios de oito metros, um localizado no Havaí e o outro no Chile. “Só que nós temos direito a utilizar somente 5% do tempo. É uma parte bem pequena, que não atende a todas as observações dos astrônomos brasileiros”, diz ela. Em relação ao futuro, a cientista conta que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) está desenvolvendo o satélite Mirax, para observação de buracos negros no espectro de raios X.

Thaisa Storchi-Bergmann afirma que “o sucesso da pesquisa científica no Brasil depende bastante do acesso à educação”. Para ela, as universidades federais estão “um pouco sucateadas” e desabafa: “Não entendo. O Brasil está tão bem. Então, podia cuidar melhor de suas universidades”. A cientista participa de vários comitês internacionais e, segundo ela, o Brasil realmente está sendo super-reconhecido no exterior. “Deveríamos aproveitar esse momento para participar desses grandes projetos internacionais”, sugere.

Para ela, o maior problema brasileiro ainda é a educação fundamental. “Eu, como professora, percebo que os alunos estão menos preparados que na época em que comecei a lecionar. E os alunos das escolas públicas estão menos preparados que os alunos das escolas privadas. Nós, brasileiros, devemos trabalhar para solucionar esse problema”, diz.

Em seu grupo de pesquisa, a cientista conta que busca intensificar o papel social da ciência, divulgando a astronomia dentro e fora da universidade. O projeto Observatório Educativo Itinerante, por exemplo, é uma van com um telescópio acoplado, que percorre o interior do Rio Grande do Sul, apresentando a astronomia para alunos de escolas de primeiro e segundo graus.


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