Para aqueles que acompanham a produção independente de música instrumental no País, uma das gratas surpresas de 2014 foi a chegada do primeiro álbum, homônimo, do quarteto paulistano Bombay Groovy. O nome composto adotado pelo grupo dá pistas da sonoridade particular praticada por seus integrantes. Bombay é a maior cidade da Índia e a banda miscigena influência oriental – explicitada na escolha de adotar uma cítara, cujo maior expoente foi o indiano Ravi Shankar – com a estética ocidental de um rock enérgico, acrescido de elementos de funk, soul e de música brasileira – daí o groovy.
Formado no início de 2013 pelo músico Danniel Costa (contrabaixo) e o multi-instrumentista Rodrigo Bourganos (que, curiosamente, toca cítara em pé, como um guitarrista, e não na usual posição de lótus), o grupo atravessou o primeiro ano de atividades moldando sua própria sonoridade, com um repertório de releituras de bandas icônicas dos anos 1960 e 70, como Rolling Stones, The Who, Led Zeppelin, Jimi Hendrix Experience e Velvet Underground. Depois de testar seis bateristas, Leo Costa assumiu posto definitivo na formação do quarteto – completado com a entrada do organista Jimmy Pappon, que toca um clássico Hammond – e a banda passou a se dedicar ao repertório autoral de dez temas instrumentais que compõe o álbum lançado em 2014, disponível para download gratuito no site da banda (baixe).
Presente em palcos alternativos de São Paulo, como os inferninhos do Baixo Augusta e os recentes festivais promovidos no Parque Augusta, e também em grandes eventos, como o SP Na Rua, a Bombay Groovy tem conquistado fãs diversos, adeptos de todos os gêneros, e a reverência de figuras importantes, como o produtor Solano Ribeiro, que destacou a banda na premiação criada por ele, o Troféu Cata-Vento, como uma das revelações de 2014 na seara da música instrumental.
Na última segunda-feira, 16.2, o grupo viveu a experiência mais marcante. Convocado para integrar um dos palcos secundários da 17ª edição do festival Psicodália – ao longo de seis dias, o evento reuniu 50 atrações, entre as quais artistas como Tom Zé, Arnaldo Baptista e Jards Macalé –, por conta de um imprevisto o quarteto foi parar no palco principal e abriu o show da atração mais aguardada do festival, o cantor e compositor escocês Ian Anderson, ex-líder do Jethro Tull.
A seguir, o contrabaixista Danniel Costa relembra a formação da banda e conta como se deu o episódio ocorrido no festival realizado em uma fazenda com mais de 300 mil m², sediada na cidade de Rio Negrinho, em Santa Catarina.
Brasileiros – Como se deu a formação da Bombay Groovy?
Danniel Costa – Eu e Rodrigo nos conhecemos no final de 2012. Tivemos aulas de cítara com o mesmo professor, Raj Dhaiva Traj, e decidimos formar a banda poucos meses depois, no início de 2013. Somos influenciados por muitos aspectos da cultura oriental e decidimos desenvolver essa coisa zeppeliniana de perseguir a mística do som, com uma intenção cosmopolita de unir Ocidente e Oriente.
E como vocês chegaram a essa sonoridade tão particular?
Combinamos que a banda não teria guitarra para preservar a força da cítara. Modulamos o som para adequá-lo às possibilidades da cítara e tivemos de adotar a escolha, meio Miles Davis, de tocar todos os outros instrumentos na mesma afinação dela (a maioria dos músicos utiliza a afinação mais tradicional, em lá e a cítara é afinada em ré). Abrimos caminho para a cítara “cantar”, pois ela é um instrumento predominantemente melódico.
Nos primeiros shows em São Paulo, o repertório da banda era baseado em versões de clássicos do rock dos anos 1960 e 70. Como se deu a transição para o processo de composição?
No primeiro semestre de vida tivemos de aprender a tocar, sem o apoio de um instrumento harmônico, com a cítara à frente, e fizemos muitas versões até conseguir moldar nossa própria sonoridade. No semestre seguinte, eu e Rodrigo compusemos os dez temas autorais que estão em nosso primeiro álbum.
O álbum teve o acréscimo de um quarto integrante, o organista Jimmy Pappon. Como se deu a entrada dele e o registro posterior do Hammond?
O Jimmy entrou para a banda em novembro de 2013, participou do primeiro álbum, mas a colaboração dele rolou depois. Fizemos as gravações do órgão em overdub (técnica que sobrepõe registros múltiplos de instrumentos). A primeira vez que vi o Jimmy tocar foi na Virada Cultural de São Paulo, com a banda do seu pai (o organista é filho de Rainer “Tankred” Pappoon, guitarrista que, desde 1990, se dedica ao repertório do genial Frank Zappa com a banda The Central Scrutinizer Band). Conhecemo-nos depois em um bar da Rua Augusta e decidi chamá-lo para o projeto, porque eu e Rodrigo sentíamos a falta de um instrumento harmônico.
Com a entrada dele vocês, enfim, chegaram à identidade sonora que pretendiam alcançar?
O som instrumental que fazemos não passa pela castração do pop tradicional e houve também esse processo de sintetizar os elementos com o objetivo de tornar a cítara o “cantor” da banda. Apesar de cumprir o papel harmônico de preencher a sonoridade, o órgão do Jimmy também atua como uma guitarra, porque ele sola em vários dos temas. Já o meu contrabaixo é como se fosse o violão da banda, pois todas as composições nasceram nele. Fundamental dizer também que Jimmy e Leo (o baterista Leo Costa) são essenciais. Eles são extremamente dedicados e virtuosos. A soma de todas essas características permitiu ao som da Bombay Groovy ser tão particular.
Como se deu a escolha da banda para integrar o Psicodália?
A direção do festival ouviu o álbum, achou que tínhamos tudo a ver com a energia do Psicodália e nos convidou. Para nós foi uma honra ingressar num evento de grande porte e poder representar o psicodelismo paulistano neste festival que recebeu artistas como Arnaldo Baptista e Jards Macalé e é o maior evento de música autoral do País, o que nos deu a oportunidade de, pela primeira vez, tocar nosso álbum na íntegra e na sequência original. Não bastasse, ainda contamos coma sorte de, por acaso, abrir o show do Ian Anderson.
Vocês iriam tocar em outro palco, duas horas antes do show dele. Como se deu a transferência para o palco principal?
O palco previsto para o nosso show não estava legal, porque em toda extensão do festival havia muita lama, mas no entorno desse palco a coisa estava bem pior. Um dos diretores do festival propôs que tocássemos no palco principal, mas reduzíssemos 20 minutos do nosso show para possibilitar que a equipe técnica do Ian Anderson fizesse a troca de palco. Topamos e, pouco depois, ele nos autorizou a tocar o tempo previsto, 40 minutos. Os fãs que aguardavam a apresentação do Ian permaneceram em peso para ver nosso show e a reação da maioria do público que não nos conhecia foi surpreendente. Até mesmo a equipe do Ian Anderson ficou no palco durante todo o show. O tempo esgotou e o público insistiu tanto para que rolasse um bis que ainda nos deram autorização para fazer mais um tema. Tocamos Soul Sacrifice do Carlos Santana.
Algum motivo especial na escolha desse número para o bis?
Escolhemos essa música porque ela tem uma mística muito forte e foi lançada durante a apresentação do Santana no Woodstock (veja o vídeo da apresentação do guitarrista). É um tema que está no inconsciente coletivo da galera que curte o rock daquele período – e, claro, tanto Soul Sacrifice quanto Woodstock tem tudo a ver com o público do Psicodália. Ao final do evento, tivemos a felicidade de ouvir dezenas de pessoas dizerem que nosso show foi o melhor do festival.
E vocês, que balanço fazem da participação da banda no festival?
Apesar de todo sacrifício, de toda a peregrinação nas estradas (por conta do Carnaval o grupo, que foi ao Psicodália em dois automóveis, encarou quase 30 horas de tráfego intenso), tivemos a felicidade de neutralizar o público, que trocou com nós uma energia maravilhosa e fez tudo valer muito a pena. A surpresa de ter aberto o show do Ian Anderson parece até uma coisa cósmica, de merecimento. Estamos bem confiantes de que o festival abrirá uma nova fase para a banda.
MAIS:
Veja abaixo o videoclipe do tema Le Bateu d’Orpheu
Deixe um comentário