Melancolia e intriga na Guerra Fria

Esqueça James Bond a bordo de um Aston Martin, rodeado de belas mulheres e taças de dry martini. Em O Espião que Sabia Demais (Tinker, Tailor, Soldier, Spy, 2011), o cinema de ação dá lugar a uma fita tensa. É o que se podia esperar de uma adaptação feita pelo sueco Tomas Alfredson (Deixa Ela Entrar, de 2008) para a obra de John Le Carré, ele mesmo um ex-agente da Inteligência Britânica.

O ano é 1973 e Stálin está morto. O pior da Guerra Fria parece ter ficado no passado. Nos úmidos escritórios da MI6 inglesa, no entanto, a paranoia se mistura à fumaça de cigarro que paira sobre cabeças calvas e grisalhas. O inimigo não está mais lá fora e, ciente de uma ameaça iminente, Control (o sempre formidável John Hurt) convoca o agente Jim Prideaux (Mark Strong) para ir à Hungria descobrir a identidade de um homem duplo que está agindo nas altas esferas do Circo, como o serviço secreto é conhecido. A missão falha, e Control é obrigado a se aposentar, assim como seu homem de confiança, George Smiley (Gary Oldman) – um espião que de sorridente tem apenas o nome.

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Um ano depois, Smiley é convocado secretamente pelo governo britânico – preocupado com os gastos excessivos e pouco produtivos do Circo – para descobrir a identidade do traidor que está traficando informações para os soviéticos.

Introspectivo, ausente de qualquer didatismo e de uma frieza que beira à indiferença ao espectador – muitas vezes a complexa trama flui quase que à revelia do entendimento da plateia – O Espião que Sabia Demais pode não agradar a todos: cinzento do lacônico roteiro à soberba direção de arte, o filme é uma antítese do cinema de espionagem. As cenas de ação dão lugar a tensos diálogos entre rostos tristes e enrugados, em gabinetes impregnados pelo cheiro de tweed molhado. Mais que um jogo de gato e rato, o filme procura abordar a natureza humana de espiões de carne e osso que, como diz uma das personagens da trama, já viveram dias melhores, dos quais podem se orgulhar de terem vivido. Dias em que uma guerra de verdade estava acontecendo. Hoje, obrigados a lidar com um inimigo invisível, com quem podem estar cara a cara, eles acabam por colocar suas motivações pessoais acima do profissionalismo.

É por meio do cotidiano melancólico e paranoico desses homens que Alfredson pinta um retrato realista de uma época em que as informações não estavam, como hoje, ao alcance de um clique, que o mundo, repartido entre capitalistas e socialistas, atravessava uma amarga crise política que quase desencadeou uma hecatombe nuclear. O símbolo dessa silenciosa convulsão é o taciturno Smiley, cuja existência burocrática e o casamento fracassado – sua mulher é uma figura tão fantasmagórica quanto os russos que ele persegue em envelopes confidenciais e memorandos codificados – serão os combustíveis para, mais que completar sua nova missão, retomar as rédeas de sua vida, tão corrompida pela sofrida rotina da profissão. Enfim, um belo retrato da triste Inglaterra do pós-guerra. O filme concorre ao Oscar nas categorias Melhor Ator (Gary Oldman), Melhor Roteiro Adaptado (Bridget O’Connor e Peter Straughan) e Trilha Sonora Original.


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