Mineira de São Lourenço, cidade a pouco mais de duas horas de São Paulo e do Rio de Janeiro e bem longe de Belo Horizonte, Simone Ribeiro mantém seu ateliê lá mesmo desde 1993 – com um pequeno intervalo entre 2002 e 2003, quando residiu no Pelourinho, Salvador. Seu trabalho mais recente é um conjunto de 14 pinturas inspiradas nos Passos da Via Sacra, de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e sete conjuntos de esculturas – Ceia, Horto, Prisão, Flagelação, Coroação, Cruz às costas e Crucificação -, expostos nas seis capelinhas numa das laterais do conjunto monumental da cidade de Congonhas, com sua matriz e os doze profetas.

Simone desenvolveu uma técnica que, de certa forma, lembra Rodin e a Porta do inferno. Pinta a partir de desenhos que faz de fotografias. Eles são recobertos por massa acrílica e só depois coloridos, o que confere ao conjunto textura, volume e, é claro, dramaticidade. Tal característica levou-a a batizar o conjunto de Aleijadinho Pop. Não. Na verdade, quem sugeriu o conceito foi a maior especialista do Brasil na obra de Aleijadinho, Dra. Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro-IPHAN, a quem Simone submeteu uma cópia da primeira fase do projeto ainda em gestação. No texto crítico, depois incluído no livro sobre o conjunto, Dra. Myriam fez uma analogia à Pop Art, escola surgida nos Estados Unidos durante a década de 1950. Eis um trecho: “(…) as imagens, tratadas com empastamentos de massa acrílica para sugestão de relevos escultóricos, recebem colorido forte, com efeitos chocantes, como se tivessem sido iluminadas por luzes psicodélicas (…)”. Uau, Imprimatur!
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São Lourenço pertence ao Circuito das Águas (Caxambu, Araxá, etc). Seu Parque das Águas, onde brotam nascentes diversas e únicas em termos mundiais, foi durante anos gerido pelos franceses da Perrier. A cidade era um charme só, com seus hotéis luxuosos e cassinos. Foi lá, por exemplo, que durante o footing, a atriz Dorinha Duval viu pela primeira vez seu futuro marido, Daniel Filho – ele, em um chiquérrimo carrinho de bebê. Atacada pelo fim do jogo e enchentes constantes, São Lourenço perdeu no luxo, mas continua charmosa, sede do grupo esotérico Eubiose, meio para-raio de malucos atrás de São Tomé das Letras.

O ateliê de Simone fica no Parque das Águas e ela pode ser observada pintando atrás de uma parede de vidro. Irmã de Benigno, pintor cujas paisagens impressionistas deslumbram o mundo, foi dona de um bar com o marido, Alexandre, seu marchand e entusiasta. A partir desse ponto de encontro da boemia intelectual da cidade, o casal conseguiu sua primeira exposição importante. Cenas de bar foi admirada em junho de 1997 na Casa de Minas, órgão de representação do governo mineiro em São Paulo. E ela não parou mais.

Dois anos mais tarde, Simone Ribeiro mergulharia na pesquisa da cultura e folclore popular brasileiros com o intuito de levar ao Congresso Nacional, na ocasião das comemorações do Brasil 500, a exposição Artes e Ofícios de um Povo aos 500 Anos. Seguiram-se muitas outras: Meninos do Brasil, Festa Popular Brasileira, Mãos que Trabalham, Costumes e Festas na Cultura Brasileira e Arte Cidadã. Em 2004, foi a vez dos circuitos turísticos registrados em fotos que inspiraram as 50 obras e o documentário em DVD que compõem o acervo de seu primeiro livro, Barrocão, em que aproveitou para detalhar e documentar sua técnica apurada.

A história do Aleijadinho Pop é pitoresca. Em 2007, Simone voltou da exposição de Barrocão, realizada no Espaço Cultural Câmara dos Deputados, em Brasília, para inaugurar sua “gaiola” no Parque das Águas de sua cidade. Meses depois, teve o que chama de “apagão artístico” e, reclusa em casa aguardando inspiração, debruçou-se sobre a Bíblia ao lado de livros sobre a obra do mestre Aleijadinho, sem qualquer pretensão. Pois inspirou-se. Na Quarta-feira de Cinzas, de 2008, resolveu criar uma “Via Sacra”. Fez um pacto com Deus que ela seria composta nos quarenta dias da Quaresma que se seguiriam. Não deu outra. Emergiram 14 telas de 100 cm x 80 cm, idealizadas a partir dos sete originais em escultura desmembradas em novas e inusitadas associações.

E a Dra. Myriam não foi a única que abençoou o resultado, exposto a partir de 13 de novembro no Museu Casa dos Contos de Ouro Preto – “contos” de réis, pois era a casa da moeda. Nomes como Marcos Paulo de Souza Miranda (coordenador geral das Promotorias de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico de Minas Gerais) e Dom Francisco Barroso Filho (diretor-fundador do Museu Aleijadinho, em Ouro Preto) também assinam os textos do livro Aleijadinho Pop. A exposição foi convidada a seguir para o Palácio das Artes em Belo Horizonte e para a sede da ONU em Nova York, cidade onde Andy Warhol fez seu nome. “Ê trem bão”.


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