No final de dezembro de 2014, cerca de duas mil pessoas, entre alunos, pais e mães, lotaram o ginásio da Escola Germinare para fazer um balanço do ano letivo, prestar homenagem aos apoiadores do programa Amigo Germinare e ouvir as palestras do empresário Joesley Batista e de seu amigo José Ubaldo Baiano o “Tuca”, autor do livro Sonho Estrelado (Geração Editorial), no qual narra sua trajetória como um dos mais bem-sucedidos vendedores do Brasil.
Joesley é o quinto dos seis filhos (três homens e três mulheres) de José Batista Sobrinho pecuarista que, em 1953, deu início ao grupo J&F com a criação da Casa de Carnes Mineira, um modesto açougue, sediado em Anápolis (GO), marco zero de uma crescente rede de frigoríficos que, menos de 50 anos depois, em 2001, atingiu a capacidade diária de abate de 5,7 mil cabeças de gado.
No comando dos negócios, os irmãos mais velhos José Batista Sobrinho Junior, que deixou o grupo em 2012, e Wesley Batista, hoje presidente da JBS, foram decisivos para essa ascensão. Joesley passou a integrar a rotina empresarial, aos 17 anos. O dia a dia atribulado da J&F o afastou do mundo acadêmico (concluiu o ensino médio), mas, financista nato e empreendedor com visão aguçada, ele foi decisivo para a escalada internacional do grupo que, hoje, possui 340 unidades de produção e está em mais de 150 países, atuando em áreas diversas – alimentos, couro, biodiesel, colágeno, embalagens metálicas e produtos de limpeza.
A seguir, o empresário explica os propósitos que o levaram a criar a Escola Germinare e o que espera para o futuro do projeto educacional.
Brasileiros – Como surgiu a ideia de criar a Escola Germinare?
Joesley Batista – Nós já fazíamos doações para várias instituições, mas chegou o momento que ficamos incomodados com o fato de a gente pulverizar essas ações e, efetivamente, não conseguir aferir os resultados. Foi então que decidimos escolher menos instituições e focar o apoio em educação. Nossa proposta inicial era oferecer bolsas de estudo, mas, no fundo, a gente pensava em dar algo mais do que dinheiro. Apoio financeiro é importante, mas sabíamos que a gente podia dar algo para contribuir bem mais, que é nossa experiência. Foi quando surgiu a ideia de fazer a Escola Germinare e personalizar alguns dos nossos conhecimentos proprietários. Começamos a questionar o que tínhamos de melhor e, primeiro, pensamos fazer uma escola de veterinária, zootecnia ou de genética bovina, mas, em reflexões internas, concluímos que bem mais do que entender de carne, desossar um boi e lidar com produção, administrar negócios é, sem dúvida, nossa maior especialidade. Isso nos motivou fazer uma escola com conteúdo complementar ao que há no ensino tradicional, voltado a uma formação de negócios, de Administração de Empresas. Tomamos essa decisão em setembro 2008. Em pleno ano da maior crise financeira mundial, a gente não teve o menor receio em aprovar um projeto com investimento de R$ 10 milhões na construção da escola e R$ 12 milhões no orçamento anual.
Naquele momento de apreensão do mercado global, não passou pela cabeça adiar o projeto para poder cortar custos?
Claro, esse foi um grande debate, uma decisão tomada em conselho, pois naquele turbilhão da crise, só se falava em corte de custos, mas chegamos à conclusão de que um projeto como esse era uma meta de longo prazo. Perguntei aos conselheiros: “Vocês acreditam que nossa empresa é capaz de superar a crise e sobreviver nos próximos 50, 100 anos”. Todos disseram “sim”. Tocamos o projeto adiante, pois os frutos da escola não eram para um, dois, ou cinco anos. Sabíamos que a crise iria passar e o projeto ficaria. Começamos a construção em setembro de 2008. No final de 2009, a estrutura física estava pronta e fizemos o primeiro processo de seleção para 180 alunos, que entraram em 2010. Inicialmente, formamos duas séries, de 6o e 7o anos do Ensino Fundamental, com três turmas cada e 30 alunos por classe. Agora, em 2015, teremos todas as séries completas, cerca de 600 alunos e os primeiros formandos.
Como foi a seleção do corpo docente e a criação da metodologia de ensino e do projeto pedagógico?
O projeto é divido em duas partes, a formação acadêmica tradicional e a complementar, voltada para a gestão de negócios. Para coordenar a formação tradicional nós contratamos a diretora pedagógica Maria Odete Perrone, que está conosco até hoje, e reunimos um grupo seleto de professores para lecionar as disciplinas regulares. Para definir o conteúdo complementar, que é aprimorado ano após ano, pegamos as três mil horas da grade curricular universitária de Administração de Empresas e dividimos o conteúdo ao longo de sete anos, o tempo que nossos alunos ficam conosco. Depois, contratamos professores universitários para ministrar essas matérias complementares. Além disso, sempre fizemos a integração de nossos profissionais com a escola, ou seja, aproximamos executivos, diretores e dirigentes dos nossos alunos, para fazer com que eles compreendam que essas matérias de administração têm completa aderência ao dia a dia das empresas do grupo. Em 2012, houve um grande avanço, quando Francisco Antonio Serralvo (diretor executivo do Instituto Germinare) veio trabalhar conosco e assumiu a direção da escola. Nos últimos 30 anos, ele vem atuando como professor universitário e diretor de escolas e de faculdades, como a PUC-SP.
A escola possui sete valores – determinação, disciplina, simplicidade, franqueza, humildade, disponibilidade e atitude de dono – que são ensinados aos alunos. Esses mesmos valores foram determinantes para o sucesso de sua trajetória?
Estabelecemos esses valores como norte para os alunos da Germinare, mas, na realidade, eles também devem orientar o comportamento dos colaboradores de todas as empresas do grupo J&F. São valores que sempre foram praticados por mim e por meus irmãos. Foram estas as principais atitudes que eu, meus irmãos, Wesley e Júnior, adotamos em nossa trajetória. Foi o que fez com que tudo desse certo. Herdamos essa postura do meu pai, da minha mãe. São tradições familiares que a gente valoriza muito e que passaram a ser também referência para a seleção de nossos profissionais. Se nossa ideia é ensinar esses alunos a serem empresários bem-sucedidos, nada mais justo do que utilizar esses critérios e aprimorar a aderência dos alunos a esses valores.
E como tem sido a adesão deles?
Muito elevada. Aliás, é curioso perceber o quanto eles compreendem que é importante não perder tempo pensando sobre o que é certo e o que é errado, pois ensinamos esses valores e, aos poucos, eles vão desenvolvendo o espírito de dono, a disciplina, a franqueza. Essa compreensão ajuda a encurtar caminhos. Ninguém nasce sabendo das coisas e temos percebido resultados muito importantes, não só para a formação desses meninos e meninas, pois, para além do ambiente escolar, esses valores acabam influenciando até mesmo o dia a dia de suas famílias. Em uma das reuniões que fazemos regularmente com os pais dos alunos, um deles veio falar para mim: “Meu filho disse que eu tenho de ser disciplinado e acho que preciso mesmo!”.
A propósito, o que seu pai fala sobre a Germinare?
A escola é um projeto em construção. Os frutos efetivos a gente vai começar a colher no final deste ano, quando a primeira turma se forma e vai para o mundo, vai ser provada na vida real. Mas meu pai é o maior incentivador. É quem mais acredita na escola, pois ele fez exatamente o mesmo: acreditou na força dos filhos. Somos 11 irmãos, dos quais seis – três homens e três mulheres – foram trabalhar com ele. Ele fez isso com seis filhos e nós estamos fazendo com 600. Disseminar conhecimento é o maior tesouro, o valor mais relevante que a gente pode dar para essas crianças. Bem mais do que dar dinheiro ou coisas materiais. A partir desses 600, teremos potencial de multiplicar o projeto exponencialmente.
A criação do projeto Amigo Germinare, que contempla o apoio de outras empresas, tem também como objetivo replicar a experiência da escola em novas unidades?
A Germinare reflete muito do que pensamos e a gente acredita que, se fizermos uma iniciativa social que possa mudar de forma significativa a vida dessas crianças, a escola também será relevante para a sociedade. Consequentemente, chamaremos a atenção de pessoas que querem contribuir para o progresso do País. Hoje, o principal mantenedor da escola somos nós, mas o Amigo Germinare pode ser uma oportunidade de aumentar as fontes de contribuição financeira e intelectual. Esse é um projeto que pode criar um movimento virtuoso, que pode ser replicado, futuramente, em outras duas, três ou mais escolas. Procuramos fazer da Germinare um centro de referência e de excelência, para fazer com que mais crianças possam ter maiores oportunidades na vida. Afinal, independentemente da profissão escolhida pela criança, ser um grande gestor valerá para qualquer situação. Se o aluno pretende ser médico, os conhecimentos adquiridos na escola vão ajudá-lo a administrar seu próprio consultório. Se ele quiser ser engenheiro, poderá sonhar em ter uma construtora.
Os padrinhos e os colaboradores do grupo J&F participam voluntariamente? Como se dá a seleção deles?
Os padrinhos são escolhidos em nosso quadro de diretores e entram como voluntários nas atividades das matérias complementares. Para cada disciplina, vimos quem tem maior conhecimento e o profissional torna-se mentor daquela matéria. Um mentor que atua não só como coaching dos professores, mas que também revisa todo o plano anual de conteúdo com a finalidade básica de fazer com que ele tenha total aderência à realidade do dia a dia de trabalho. Estamos cansados de ouvir pessoas falarem que não usam quase nada do que aprenderam na escola e queremos que isso aconteça cada vez menos. Nossa orientação para a escola é “quanto mais a teoria estiver próxima do mundo prático, maior será o envolvimento das crianças e mais rápido será o aprendizado”. Quando insistimos em aplicar algo que a criança não percebe a utilidade, ela tem bem menos chance de aprender. Existe uma grande distância entre o ensino e o dia a dia das pessoas.
Em consequência da má formação de profissionais, o grupo J&F enfrenta dificuldades na hora de contratar novos colaboradores?
Sim, temos uma carência enorme. Tanto que, se for feita uma pesquisa, não só em nossa empresa, mas na maioria delas, 70% a 80% dos grandes gestores não são formados em Administração de Empresas. No nosso caso, são engenheiros, veterinários. Até mesmo os que são formados em Administração não atribuem à faculdade o mérito de serem capazes de gerir uma empresa.
A escola foi um sonho seu que há cinco anos saiu do papel. Qual é o seu desejo para a Germinare nos próximos 5, 10 ou 15 anos?
Que cada um desses 600 alunos se torne um empresário muito bem-sucedido e consiga abrir mais uma Germinare. É curioso como estamos despertando nessa meninada o interesse pelo mundo corporativo e tudo que diz respeito a ele. Recentemente, fizemos um plano de leitura de livros empresariais com um objetivo prático: queremos que os ídolos desses meninos sejam pessoas que fizeram a diferença. Para muitos deles, por exemplo, um grande ídolo é o Mark Zuckerberg, o jovem empreendedor que criou o Facebook.
Dessa lista de leitura, tem algum livros preferido?
Não tenho um predileto, mas boa parte das recomendações foi minha. A biografia do Barão de Mauá (o livro Mauá, Empresário do Império, de Jorge Caldeira, Cia. Das Letras), por exemplo, tem uma lição muito importante para oferecer a esses meninos e meninas. Aos 9 anos de idade, Mauá começou a trabalhar na contabilidade da empresa do tio e, pouco depois, se tornou o homem que tinha 30% do PIB do Brasil. Isso aconteceu há mais de 200 anos e ele é a prova de que é possível começar cedo. Nossas crianças começam aos 11 anos, ou seja, já estão até atrasados se comparados ao Barão. Claro, estou brincando, mas tenho certeza de que a Germinare ainda vai nos dar muito orgulho.
Que lições você tem aprendido com as crianças?
No convívio com esses meninos e meninas, tenho aprendido muito. A primeira lição: não subestimar a enorme capacidade que eles têm. Quando a gente envelhece, muitas vezes acaba deixando de acreditar no potencial dos mais jovens e eles são ávidos por conhecimento. Essa é a melhor fase para formar pessoas e ensinar a elas o que é realmente relevante para suas vidas. É o momento que estamos abertos para o conhecimento, que estamos dispostos a absorver experiências, sem sentimentos que só atrasam a humanidade. Essas crianças não têm inveja, não têm egoísmo. É uma idade muito bonita e fico feliz em perceber que pessoas capazes e inteligentes independem de classe social. Temos muitos alunos que vieram da escola pública, que não têm muitos recursos em casa, acordam às 4h30, pegam dois ônibus e um metrô para poder chegar à Germinare às 7 horas e encarar dez horas de aula. Mas a capacidade dele não difere nada em relação à de alunos que vivem outra realidade social, em escolas pagas e caríssimas. Intelectualmente, eles são iguais. A vontade é que faz toda a diferença.
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