Tese e exceção

A premiada antropóloga, Lilia Moritz Schwarcz, referência internacional em sua área, é uma das entrevistadas dessa edição da Brasileiros, onde analisa o Brasil de hoje e fala sobre sua especialidade – a questão racial. Para ela, que agora está estudando o escritor Lima Barreto, o País saiu-se muito bem da crise, vive um bom momento na diplomacia externa e seus planos sociais estão trazendo resultados. Mas na etnicidade, que é como chama a questão racial, o Brasil ainda carrega uma discriminação secular. E, óbvio, vergonhosa. Incansável pesquisadora, estudou com lupa as telas do pintor francês Nicolas-Antoine Taunay, que viveu no Rio, na corte de Dom João. Ele era míope e, por isso, em suas obras priorizava os primeiros planos, aquilo que conseguia ver com nitidez. E, em suas pinturas, raramente havia escravos em primeiro plano, pois estavam sempre ao fundo, carregando pedras.

Coincidentemente, o filho de Nicolas-Antoine, Adrien Taunay, é personagem de outro assunto nosso. Ele é um dos três pintores que participaram da Expedição Langsdorff, matéria de capa que marca a estreia, como colaborador da Brasileiros, do historiador Jorge Caldeira. Autor, entre outras obras, de Mauá, Empresário do Império, ele aqui nos conta os fascinantes bastidores da aventura que foi a viagem pelo Brasil do barão alemão Georg Heinrich von Langsdorff. Adrien Taunay fez o retrato de Sebastiana, a linda brasileira que embeleza a capa desta edição. Hércules Florence e Johann Moritz (imagino que nenhum parentesco com nossa antropóloga) Rugendas foram os outros. A obra dos três está exposta no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, de onde vai a Brasília e depois ao Rio, e uma bela e substanciosa amostra está nas páginas dessa edição da Brasileiros. O texto do historiador Jorge sobre a aventura do barão Georg começa na página 40.

Outro fascinante personagem dessa edição é Ismael Ivo, há oito anos diretor da Bienal de Dança de Veneza. É sua a implacável frase: “Desde pequeno a realidade é atirada na sua cara de uma forma muito cruel e você tem dois caminhos a seguir: ou se torna marginal ou se torna artista”. A foto desta página é dele no início de sua vitoriosa carreira – como artista! – em uma aula de dança na reunião da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência, em Salvador, em 1981. Eram tempos de ditadura e, pouco antes, ele havia organizado a passeata do silêncio contra o racismo.

Exemplo de luta e resistência, Ismael Ivo é a exceção que confirma as teses de nossa antropóloga. Premiado e referência internacional em sua área, ele, como ela, é motivo de orgulho para todos nós.


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