Em junho de 2013, o diretor brasileiro Marcus Alqueres, 36, lançou na internet seu curta-metragem The Flying Man, que já obteve mais de 8 milhões de visualizações nos canais Youtube e Vimeo. O sucesso do curta de baixo custo rendeu a Alqueres um contrato na produtora paulista O2 Filmes e chamou a atenção de um executivo dos estúdios Marvel, pela qualidade visual. E mais: o diretor fechou contrato com empresários de Hollywood para transformar o curta num longa-metragem.
No filme de pouco mais de nove minutos, rodado durante apenas dois dias em Toronto, no Canadá, um vigilante sem rosto definido assassina criminosos de forma violenta, ora arremessando no chão os carros em que estão, ora jogando-os em trilhos do trem. Segundo Alqueres, a proposta do roteiro é desconstruir o caráter fantasioso das grandes produções do gênero, refletindo sobre o impacto do eventual surgimento de um justiceiro na sociedade moderna, e mostrando o ponto de vista dos personagens que sofrem as punições de um super-herói.
Alqueres morou no Canadá de 2005 até setembro de 2014, quando voltou ao Brasil. Lá, fez parte da equipe de filmes como 300, Planeta dos Macacos: A Origem e As Aventuras de Tintin, nas áreas de animação, direção e edição. Decidido a mudar o foco de sua carreira e trabalhar em produções próprias, ele conta à Brasileiros como foi o processo criativo do curta e o futuro de The Flying Man, que pode virar um longa, com script assinado por um experiente roteirista dos canais HBO e FX.
Brasileiros – Temos assistido a uma explosão de histórias de super-heróis no cinema. The Flying Man trouxe uma perspectiva distinta, a de quem sofre a punição. De onde veio essa ideia?
Marcus Alqueres – Eu sempre gostei muito do realismo, como cineasta. Quando via filmes, pela perspectiva dos heróis, acabava não os conectando com as pessoas normais. Então, eu imaginei, por que não fazer um filme de super-herói visto do ponto de vista da população, para aumentar o realismo da coisa? Por exemplo: se eu saísse de casa, olhasse para o céu e visse uma pessoa voando, qual seria minha reação? O público está acostumado a saber tudo sobre o super-herói ao longo do próprio filme. Mas na vida real isso só seria possível se ele descesse e desse uma entrevista. Queria explorar isso de modo diferente no filme.
Brasileiros – Foi essa que provocação você quis criar com as narrações da cobertura da imprensa no filme?
Marcus Alqueres – Sim! Como seria a cobertura? Como retratariam? Não saberiam as informações, então seriam tudo especulações, não é? Ele começa a matar pessoas e de início não se sabe se ele está matando criminosos ou não. A investigação vem posteriormente e a polícia descobre que todos que morreram tinham uma ficha criminal. A forma que a mídia retrata isso no curta foi uma maneira de conectar a fantasia com a realidade. Até estudei reportagens de como foram as abordagens da imprensa quando alguma coisa grande aconteceu e coloquei no filme de alguma forma.
Brasileiros – A revista tem se pautado contra o ódio que vem emergindo em relação ao governo, ao cenário político-social etc. Você associa seu personagem a esse sentimento excessivo que parcela da sociedade vem expondo?
Marcus Alqueres – Não. Não teve uma relação consciente. Cada um que assiste ao curta associa com a situação de seu país, como muita gente nos Estados Unidos associava com os drones, na época. Outras pessoas, aqui no Brasil, associam exatamente com esse cenário que se vê no momento no País. Mas a minha ideia, quando fiz, era realmente criar uma camada complexa em cima de um super-herói. O Super-Homem era politicamente correto. Por que não fazer um vigilante que não fosse politicamente correto, que não concordasse com as leis locais e agisse segundo suas próprias leis? Como a sociedade reagiria a isso? Então foi até uma analogia com ditadores que tem aquele poder acima da lei, acabam ditando as próprias regras e a sociedade fica sem controle sobre isso.
Brasileiros – Como foi receber tantas visualizações? Você já tem um histórico de grande repercussão?
Marcus Alqueres – Essa foi a primeira vez, até por que, como diretor, esse foi o segundo filme que fiz. Eu trabalhava na área de efeitos especiais e decidi mudar. Não mais trabalhar nos filmes dos outros, mas criar minhas próprias histórias. Foi uma experiência nova em todos os sentidos. A de criar um curta-metragem do início ao fim, colocar no ar. Tive a opção de colocar direto na internet ou em festivais. Decidi pela internet, pulando os festivais, porque queria mesmo que o maior número de pessoas pudesse ver e até criar uma audiência que eu pudesse medir e avaliar a recepção para um possível longa-metragem. Deu no que deu. Coloquei, virou destaque no Vimeo, depois uma vitrine. Foi tudo muito rápido, mas bem legal. No Youtube ele ainda está bem ativo.
Brasileiros – Como aconteceu sua entrada na O2 Filmes?
Marcus Alqueres – Um pouco depois que eu lancei o curta-metragem, em Junho de 2013, começamos a conversar. Eu estava com planos de voltar ao Brasil. Conversamos por uns meses. Até o momento em que voltei, em setembro ou outubro do ano passado, sentamos no estúdio e viabilizamos a parceria. Agora tivemos o anúncio oficial.
Brasileiros – E sobre The Flying Man virar um longa-metragem? Isso já está em andamento? Houve uma especulação sobre interesse da Marvel…
Marcus Alqueres – O que houve com a Marvel é que um dos executivos fez um tuíte elogiando o curta publicamente. Isso atrai muita mídia espontânea. Mas o que aconteceu é que, depois que eu coloquei o curta no ar, assinei com empresários de Los Angeles, agências, começamos o processo de achar um roteirista e desenvolver o filme. Por enquanto, o filme ainda tem um caráter independente. A gente decidiu mantê-lo assim, para ter o controle criativo do roteiro. Houve interesses de muitos estúdios, mas estamos priorizando a liberdade. Então vamos manter dessa forma até talvez chegar perto da distribuição que, aí sim, nos associamos a algum grande estúdio para tentar ampliar a divulgação. Mas no momento temos um roteirista, Chris Collins,que já está escrevendo o script, que já está quase pronto. Ele é bem conhecido em Hollywood por projetos como a série The Wire, da HBO. Outro projeto dele é o Sons of Anarchy, do canal FX. O trabalho dele teria um estilo mais de série policial, então não chegaria a ser um filme de super-herói. É uma coisa mais de submundo. Decidimos fechar e estamos quase caminhando para as próximas fases, que incluem escolher um ator e depois obter financiamento.
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