Onde o consumidor é rei

Poder na internet - Mauríciu Vargas com o "Senhor Ervilho", símbolo do ReclameAQUI. Foto: Luiza Sigulem
Poder na internet – Mauríciu Vargas com o “Senhor Ervilho”, símbolo do ReclameAQUI. Foto: Luiza Sigulem

O site ReclameAQUI tornou-se o terror e a bússola das empresas. As mal-intencionadas só têm queixas do empoderamento do consumidor. As boas companhias usam dados disponibilizados no site para melhorar seu atendimento.

Criado em 2001 pelo inquieto Maurício Vargas, à época era muito usado por sua família, diverte-se o executivo. Hoje, tem 12 milhões de visitas por mês. São 20 mil reclamações e 1,5 milhão de checagens por dia sobre a idoneidade das empresas. Com 90 mil empresas cadastradas, das quais 800 pagam por uma ferramenta completa que contempla o site, o Twitter, o Facebook e o Instagram, deve faturar R$ 24 milhões neste ano.

Emprega 70 pessoas diretamente e 16 mil indiretamente. Estes últimos são os funcionários dos SACs das companhias alocados exclusivamente para o atendimento às reclamações dos consumidores. O seu escritório, no bairro do Itaim, zona sul de São Paulo, tem o ambiente despojado e divertido das companhias pontocom. Os funcionários são bastante jovens e não há uma multidão de advogados sempre a postos.

No início, foi alvo de desconfiança das companhias, que viam no serviço uma ameaça à sua soberania. Sofreu vários processos e perdeu apenas dois, um sinal de que a Justiça está sintonizada com a necessidade de canais de comunicação entre as duas pontas, que muitas vezes vivem às turras, sobretudo o setor de serviços. TV por assinatura e telefonia são assíduas frequentadoras do ranking das mais reclamadas.

Não são apenas as empresas privadas os alvos dos consumidores. O ReclameAQUI também tem uma área para queixas do serviço público. Talvez a maior novidade seja o Instituto com nome do site, que mapeou nível de renda, idade, escolaridade e uma infinidade de dados sobre os consumidores – com razão – reclamões. Vargas acredita que existe uma convergência de atendimento do telefone para a internet, que é muito forte. “Ninguém mais quer ligar para o 0800 e ficar horas dependurado ao telefone.”

O empresário pretende neste primeiro semestre abrir o site em Portugal e, no segundo, na Espanha: “As portas de entrada para a Europa”. Argentina também está em seu radar.

Seu símbolo é uma ervilha. Na verdade, o bonequinho verde foi bolado pelo pessoal de criação e parecia uma ervilha. Mas, como era um homenzinho, virou o “Senhor Ervilho”. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à Brasileiros.

BrasileirosQuando o senhor fundou o ReclameAQUI?

Maurício Vargas – Tive a ideia em 1999, quando estava indo de Campo Grande (MS) para São Paulo e houve um problema com a companhia aérea TAM. Deu overbooking e eu viria fazer um trabalho terceirizado já na área de internet. Perdi o voo e o negócio. Fiquei muito chateado e passei a escrever e-mails para amigos contando a história. Mas, naquela época, as pessoas passavam dias sem abrir a caixa postal. E pensei: vou fazer um site (de reclamações). Em 2000, desenhei o site inteiro, programei-o e, no ano seguinte, joguei no ar.

E como foi o início?

No primeiro ano, em 2001, tivemos 23 reclamações, 50% foram da minha família (risos). Até 2005, o ReclameAQUI foi apenas um muro de lamentações, com cerca de cinco mil visitas por mês. Hoje, temos cerca de 12 milhões. Lá atrás, apenas algumas empresas respondiam às queixas. Eram grandes companhias, como Nestlé e Unilever. Em 2007, conhecemos o Google e começamos a indexar melhor o site, que ficou mais inteligente, e as visitas aumentaram para 300 mil por mês. Em 2008, chegamos a São Paulo. Até então, trabalhávamos em Campo Grande. Fizemos um evento para 120 pessoas e 90% dos participantes eram da área jurídica, advogados das empresas. A maioria querendo processar o ReclameAQUI e tirá-lo do ar. Como me disse um deles: “Como um sitezinho pode falar da minha empresa que tem 40 anos de existência?”. A receptividade por parte das companhias foi horrível. Foi um ano de guerra. Muita gente tentando denegrir a imagem das pessoas que trabalhavam no site. Mas nessa época nós éramos muito fortes em e-commerce e havia uma febre de lojas virtuais fraudulentas. Viramos heróis dos consumidores pela internet. A partir daí, de 2009 a 2010, nos tornamos referência no mercado.

E qual era o faturamento do site?

Em 2009, faturamos em torno de R$ 80 mil a R$ 120 mil. 

Qual era a fonte de receita?

Palestras, cursos e treinamentos, porque muitas empresas queriam conhecer quem era esse novo consumidor que reclamava pela internet. Nós fomos fortes antes do Facebook. Naturalmente, as queixas cresciam e começamos a nos relacionar melhor com as boas empresas. Viramos um canal oficial do consumidor. Hoje, temos inscritos mais de 15 milhões de pessoas. Somos a terceira maior base, depois do Facebook e do Twitter. Estamos na 48a colocação dos sites mais visitados no País. Mas não somos um site de reclamações, por incrível que pareça. Das pessoas que entram no ReclameAQUI todos os dias, só 5% reclamam. Temos cerca de 20 mil queixas por dia, ante 1,5 milhão de pesquisas. O consumidor entra para saber da reputação da empresa, antes de comprar. Por isso, as companhias se conscientizaram da importância do site. São os consumidores delas.

Quantos funcionários o senhor tem?

Nós empregamos indiretamente 16 mil pessoas no Brasil inteiro. Só a B2W, das Americanas, Shoptime e Submarino, tem 90 pessoas para atender à demanda do ReclameAQUI. A Nova.com, das Casas Bahia, Extra e Ponto Frio, destina 104 funcionários. A NET, 48. Hoje, temos 90 mil empresas cadastradas. No mínimo, há 16 mil funcionários para atender às reclamações. Diretamente, temos 70 funcionários. Sessenta em São Paulo e dez em Campo Grande.

O senhor trouxe muita gente de lá?

Trouxe 12. Temos três apartamentos aqui e os funcionários moram em comunidade.

Seu quadro de funcionários é muito jovem, não?

Tenho 52 anos e sou o mais velho deles. O mais novo tem 18. 

Quando o senhor criou o ReclameAQUI, havia alguma iniciativa similar no exterior?

Não. Somos únicos. Mas confesso que, até 2007, não imaginava que ia ser tudo isso.

Alguma empresa já chegou a processar o site?

Várias. E ganhei quase todas as causas. Só perdi para dois bandidos. O primeiro foi o site Compre da China, que deu um golpe em 15 mil pessoas. A Justiça inicialmente concedeu uma liminar e nos mandou tirar algumas reclamações do ar. Não tiramos. E fomos condenados a pagar R$ 12 mil. O segundo era uma empresa chamada Padrão RH, que dava o golpe do emprego. O candidato pagava uma taxa e nada acontecia.

 E as maiores vitórias?

Uma das mais emblemáticas foi de uma empresa, que não me recordo o nome. Ela nos processou e a Justiça disse o seguinte: se as empresas têm a Serasa, o consumidor tem o ReclameAQUI. Perfeito.

 Qual é a dinâmica do site? As pessoas postam as reclamações e acontece o quê?

É muito simples. As pessoas pensam que temos um exército de advogados a postos e não é nada disso. Como disse, só temos 70 funcionários. Encaramos cerca de 800 mil reclamações por mês e 76% são resolvidas em até três dias. É fantástico. Claro que não fazemos milagres. Não resolvemos problemas de telefonia (risos). O ReclameAQUI é totalmente gratuito, tanto para o consumidor como para a empresa. O consumidor preenche seu cadastro, coloca nome, CPF, RG, telefone e conta a sua história. Quando ele clica em enviar, a reclamação vai para o SAC da empresa e para o site simultaneamente. A empresa responde a reclamação. A resposta vai para o site e para o consumidor. Nosso sistema pergunta: e aí, a empresa X resolveu seu problema? Se não resolveu, o consumidor pode fazer uma réplica. Se resolveu, ótimo. Nos dois casos, há as perguntas: você voltaria a fazer negócio com essa empresa? Qual a nota que dá para o atendimento de um a cinco? Todas essas perguntas geram uma classificação da reclamada, que posteriormente será consultada por novos consumidores: não recomendado, ruim, regular, ótimo e o selo RA Mil, que a companhia é boa mesmo. Só existem 70 empresas no Brasil com esse selo.

O consumidor hoje está mais exigente, ciente dos seus direitos?

Sem dúvida. O consumidor tomou o poder nas mãos. No entanto, 40% das pessoas que entram pela internet não sabem escrever direito. Não formulam as queixas com começo, meio e fim. Mas eles conhecem muito mais das empresas do que elas conhecem deles. Porque quando decidem por uma companhia, já pesquisaram no ReclameAQUI e no Google. Então, têm muito mais informação. E elas nada têm deles, apenas nome, endereço e se estão na Serasa ou não. O que nós pregamos nas empresas: existe uma convergência de atendimento do telefone para a internet, que é muito forte. Ninguém mais quer ligar para o 0800 e ficar horas dependurado no telefone. O consumidor percebeu isso. Que é muito mais fácil do que ir ao Procon, entrar na Justiça ou tentar individualmente os SACs das empresas.

 Existe uma grande insatisfação com os setores prestadores de serviços: telefonia, internet, TV a cabo e sistema financeiro. As agências reguladoras estão funcionando?

Nunca funcionaram. Primeiro, porque são cabides de emprego. Segundo, vou dar o exemplo da Anatel. Quando o consumidor entra no site da agência, para reclamar de uma operadora de telefonia celular, ele induz o usuário a contatar o canal da operadora que reclama. O site da Anatel é difícil e complicado. Tem de ter muita escolaridade para conseguir fazer a queixa. Exige um preenchimento cansativo de dados. E na hora que o consumidor chega ao final, existem as perguntas: concorda ou não concorda? É preciso clicar no botão não concorda para a reclamação ser enviada. Isso confunde muito o consumidor, que está habituado a agree ou concorda. Se concordar, a queixa será enviada para a operadora que o usuário tem queixa. É uma pegadinha. Tem de clicar no não concorda para ser enviada à Anatel. Isso é um absurdo.

O senhor tem parcerias com os Ministérios Públicos estaduais?

Temos com o Ministério Público de Minas Gerais, que nos ajudou muito em 2009 e 2010, porque lá eles têm uma delegacia de crimes cibernéticos e nós os ajudamos a fechar cerca de 300 lojas virtuais no Brasil. Aquelas picaretas mesmo, que lesavam o consumidor.

 Algum grupo já fez oferta pelo site?

Mais de 30 grupos de investimento tentaram ser sócios. Eram fundos de investimento americanos, europeus e brasileiros. Mas nós não aceitamos.

 Como o site hoje gera receita? Qual é o pulo do gato?

Nós não temos publicidade. Depois de 2010, nosso crescimento foi vertiginoso. Neste ano, devemos faturar R$ 24 milhões. Temos 90 mil empresas cadastradas. As 800 maiores do Brasil querem ter o gerenciamento das queixas, relatórios e muitos detalhes. Nesse caso, temos uma ferramenta paga, que atende a ReclameAQUI, Facebook, Twitter e Instagram. Isso é receita recorrente. Para as demais 89.200, o serviço é gratuito. Também oferecemos consultoria. Atualmente, somos uma das únicas empresas que atende aos dois maiores varejistas da América Latina: B2W e a Nova.com. Da parte de atendimento, nós vamos lá, mapeamos os problemas, explicamos quem é esse novo consumidor, como as empresas têm de atendê-los, entre outros serviços.

 Pretende expandir os negócios para o exterior?

Temos um projeto de entrar na Europa. Vamos inaugurar o ReclameAQUI em Portugal no primeiro semestre, e no segundo, na Espanha. Recebi o convite, e devo ir em abril para estudar o mercado da Argentina.

O que é o projeto ConfiaAQUI?

Esse é o nosso projeto milionário. Queremos pegar bons consumidores e boas empresas. Imagine: você vai ser do Clube do Consumidor do ReclameAQUI, terá o cartão de crédito pré-pago, com anuidade gratuita, do Mastercard e será um nosso associado. Chegaremos a lojas de boa reputação e perguntaremos: o que vocês oferecem para esses três milhões de consumidores? 5% de desconto? Está bom. Para fazer parte do clube, o consumidor terá de me pagar R$ 10 por mês. Agora, se a empresa pisar na bola com ele, terá 48 horas para resolver o problema. Se não for solucionado, a companhia me paga. Vamos lançar o ConfiaAQUI neste ano. O serviço não quer nada das empresas. Seu patrão é o consumidor. Toda vez que uma compra for efetuada, a pessoa terá recompensa em dinheiro, por meio de crédito no cartão.

 Existe um ReclameAQUI só para o serviço público. Como funciona?

Esse projeto está na minha cabeça há cinco anos. Consegui colocar em teste há um ano. No aniversário da cidade de São Paulo (25 de janeiro), jogamos no ar. Já tivemos mais de 250 mil reclamações. Saberemos como vai o setor público no Brasil inteiro, que hospitais não funcionam, escolas que vão mal, postos de saúde sem condições de atendimento, falta de fiscalização no trânsito, impostos, taxas, saneamento básico, tudo. Vamos lançar um prêmio por meio do Movimento pela Melhoria dos Serviços Públicos. Também temos o Instituto ReclameAQUI, que faz pesquisas, por ora, com cem mil consumidores, a respeito dos seus gostos, ambições e desejos. O grande potencial do site é a base de dados. Sabemos tudo sobre as empresas e os consumidores.

 O ano de 2015 será ruim para a economia. Isso afeta o ReclameAQUI?

Para o ReclameAQUI, quanto pior, melhor. As empresas vão reduzir o número de funcionários e isso certamente afetará o consumidor. Por outro lado, atender bem virou um bom negócio. Você gasta muito menos em conservar o consumidor do que conquistá-lo. As empresas têm de se conscientizar de que na crise é que se cresce.

 O senhor pretende contratar neste ano?

Claro. Temos vagas para 15.


Comentários

2 respostas para “Onde o consumidor é rei”

  1. Inteligencia prioridade sempre

  2. Avatar de Jairo Junior
    Jairo Junior

    Pesquisem a vida desse senhor. Vai desde protestos a cheques sem fundos.

    Veja o vídeo que o reclame aqui tentou tirar na justiçå e não conseguiu…. É assim que o reclame aqui trabalha para as empresas que pagam eles. Para as que não pagam, eles dessem o cacete.

    Sei que não publicarão meu comentário, mas pesquisem! e pare de propagar pessoas desse tipo!

    https://www.youtube.com/watch?v=DLQEdO5pJVY

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