Um brasileiro por trás da fantasia

Ele é o diretor técnico de efeitos visuais da Sony Pictures. Está há 23 anos nos Estados Unidos, incluindo escola e trabalho, e participou de 37 filmes. Entre essas produções cintilam arrasa-quarteirões, como Guerra nas Estrelas Episódio III, Godzilla, As Crônicas de Nárnia, O Dia Depois de Amanhã, Garfield, e o mais recente, Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton. Por coincidência, Mário Peixoto tem o mesmo nome do lendário cineasta considerado um grande gênio do cinema nacional por seu único filme, Limite, de 1930.

Embora cada vez mais conhecido e requisitado por Hollywood, este carioca de Ipanema, 47 anos, faz questão de frisar: “Sou apenas um técnico”. Em sua casa nas proximidades do bairro de Berverly Hills, em Los Angeles, onde moram as estrelas, ele pede que não se confunda sua atividade com o glamour de Hollywood: “Isso é com o cineasta e com os atores”. Em seguida, avisa que é tímido e questiona se o leitor brasileiro teria mesmo interesse em conhecer sua história.
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Formado em Agronomia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Mário jamais exerceu a profissão. Prefere falar dos festivais amadores de filmes Super 8, promovidos pelo paulista Abrão Berman e de seus estudos nos Estados Unidos, onde desembarcou graças a uma bolsa da Maine Photographic Workshops, em Rockport, no Estado de Maine, Nova Inglaterra.

Ele é um astuto analista da situação do cinema americano. Acredita que os melhores filmes foram feitos nos anos 1970 e prevê um futuro de graves problemas financeiros para Hollywood. Afinal, grandes produções, como Avatar, já são rodadas, em sua maioria, fora dos Estados Unidos.

Mário é filho de Apparecida e de outro Mário Peixoto, já falecido, que fundou o primeiro jornal de bairro no Rio de Janeiro, o Jornal de Ipanema, no início da década de 1970 – e sua irmã, Patrícia, seguiu a profissão do pai. Mas seu dia a dia pouco tem a ver com a mitológica vida de bares ou praia de muitos intelectuais cariocas daqueles idos. Ele enfrenta maratonas de 12 a 16 horas de trabalho diário. Só depois de três ou quatro meses, consegue alguns dias de folga e corre para sua casa no deserto, em Palm Springs, na companhia da mulher, a americana Tracy, designer gráfica, com quem está casado há 17 anos. Nos outros intervalos longe do cinema, Mário compra, reforma e aluga casas em Los Angeles.

Brasileiros – Uma pergunta de leigo: qual a diferença entre efeitos especiais e visuais?
Mário Peixoto –
Se você organizar e filmar a cena de um carro explodindo é efeito especial, efeito prático, criado para algo concreto. É quando você precisa chamar dublê, essas coisas. O mesmo efeito, quando realizado no computador, é chamado de efeito visual. Então, você não precisa, de fato, explodir um carro. Bem, no cinema de hoje, qualquer coisa se cria de forma digital. Aquela história antiga de ter de ligar mangueiras se a cena exige chuva não existe mais. Só se for para molhar o ator. Hoje, filma-se o ator sobre um fundo verde e se cria a chuva digitalmente. No meu trabalho, agora, já estou na fase da estereoscopia, o sistema para filmes de terceira dimensão. É um outro processo e que já vem criando grande demanda.

Brasileiros – Você acha que vai chegar uma hora que o ator será substituído por um ator digital?
M.P. –
Mas já acontece… Não, não posso falar nisso. Hoje, já se trabalha com atores digitais. De acordo com a localização da câmera, não dá para distinguir a diferença. Necessariamente, não é o ator que está ali. Quando a gente fez o Guerra nas Estrelas, só tínhamos filmado a face de cada ator. Todo o restante – capacete, vestimenta, braço -, tudo aquilo é digital.

Brasileiros – Qual o primeiro filme a que você assistiu?
M.P. –
O Mágico de Oz. Lembro direitinho. Eu tinha sete anos de idade e foi num cinema da Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema.

Brasileiros – A vontade de trabalhar com cinema surgiu quando?
M.P. –
Aos 14 anos, ganhei uma câmara Super 8. Foi aquela fascinação. Passei a fazer muita edição por conta própria. Um tempo fundamental. E foi em contato com o Abrão Berman, em São Paulo, que me inspirei. Ele tinha um programa na TV Cultura. Foi o primeiro a organizar festivais de filmes independentes.

Brasileiros – Você chegou a ganhar algum prêmio?
M.P. –
Uma menção honrosa. Nada fora do comum. Trabalho de não-ficção, documentário.

Brasileiros – Como foi o salto para o cinema americano?
M.P. –
Em 1985, aos 23 anos, saí do Brasil, quando me inscrevi e fui aceito na Maine Photographic Workshops. Ao mesmo tempo, trabalhei nos Estados Unidos em outra empresa, que não tinha nada a ver com cinema. Apenas me deu o visto de trabalho e os salários.

Brasileiros – Qual era seu trabalho nessa empresa?
M.P. –
Eu desenhava, fotografava e liderava expedições ecológicas, canoagem no Canadá, escalada em gelo, escalada em rocha…

Brasileiros – Uma espécie de guia?
M.P. –
Não só guia. Era uma escola muito famosa, que desenvolvia talentos de liderança. Na Segunda Guerra, ela já ensinava autoconfiança e trabalho em equipe, por meio de atividades extremas. A gente estava sempre fazendo expedição de oito a 21 dias, com os clientes.

Brasileiros – Como você intercalava esse trabalho com a escola de cinema?
M.P. –
A sede fica na mesma cidade. O modelo de ensino na Maine Photographic Workshops era muito diferente do tradicional. A gente aprendia com profissionais e estudava por módulos. Não tinha aquela de ter professores que no fundo eram atores ou cineastas frustrados. O mais importante é a conexão que você desenvolve com os escritores e profissionais bem-sucedidos. Então, podíamos aprender com atores como Alan Arkin (de Pequena Miss Sunshine e do brasileiro O Que é Isso Companheiro?), que deu um seminário intensivo. Aprendi com grandes diretores de fotografia, do porte de Vilmos Zsigmond, um ídolo, que fotografou Contatos Imediatos do Terceiro Grau, para o Spielberg, e o húngaro Laszlo Kovács, outra lenda. Ele definiu o novo cinema americano, com seu trabalho em Sem Destino e Cada um Vive Como Quer, por exemplo.

Brasileiros – Quanto tempo você permaneceu nessa escola?
M.P. –
Morei no Maine durante seis anos. Frequentei a escola por três e voltava ao Brasil pelo menos uma vez por ano. Também fotografava e vendia para revistas brasileiras. Comecei a conhecer gente em Nova York. Por meio de uma agência, vendia fotos também para a França.

Brasileiros – Quando você entrou de fato no mercado do cinema?
M.P. –
Quando vim para Los Angeles e passei a trabalhar para a Kodak/Cinesite. Na divisão de filmes, desenvolvemos um sistema da cinematografia digital. A Kodak/Cinesite contratou também algumas pessoas que trabalhavam com George Lucas para montar um estúdio. A empresa desenvolveu um sistema inteiro de escanear o filme e processá-lo, fazendo mudanças nas imagens. Basicamente, a fundação de toda essa tecnologia digital.

Brasileiros – Tem uma história de que a Kodak perdeu o trem da história na área das câmeras digitais. Poxa, trabalhava com digitalização e perdeu esse mercado?
M.P. –
Perdeu, sim. Eu trabalhei para a Kodak/Cinesite cinco anos. A companhia está sempre na sombra da velha guarda em Nova York. Toda vez que se começa a inovar e o projeto fica caro, vem essa velha guarda e mata o projeto. A Kodak é famosa por isso, por essa visão muito curta. Por exemplo, ela desenvolveu esse sistema digital e, basicamente, cinco anos depois, a novidade começou a ficar defasada. Em razão de o material ser muito caro, a tecnologia muito dispendiosa, decidiu-se derrubar o projeto.

Brasileiros – Ainda assim, a Kodak/Cinesite foi decisiva na sua vida profissional?
M.P. –
Ela foi incrível para mim. Quando trabalhei na empresa, no início da década de 1990, 80% do filme, que era vendido, era Kodak. Pouca gente usava o Fuji. A Kodak tinha o monopólio nesse mercado. Mas não o monopólio do mercado digital. Como disse, a tecnologia digital que a empresa criou custou muito dinheiro e, por isso, não teve prosseguimento. Então, outras empresas começaram a desenvolver mais e melhor. A do George Lucas, por exemplo, desenvolveu várias patentes. A Kodak/Cinesite chegou a montar um prédio incrível, com tecnologia realmente de ponta. Mas decidiu parar de investir em Los Angeles e abriu um estúdio em Londres, porque recebeu incentivos fiscais. Ainda existe e é um dos estúdios mais importantes da Inglaterra.

Brasileiros – Como é o seu ritmo de trabalho?
M.P. –
No ano passado, fiz dois filmes. Este ano farei dois ou três. Levei uns três meses trabalhando, todos os dias durante mais de 10 horas, no Alice no País das Maravilhas. Antigamente, levava-se mais tempo para fazer um filme. Agora, você faz coisas mais difíceis em menos tempo, por causa da pressão do custo e o avanço da tecnologia.

Brasileiros – Como se dá a questão da confidencialidade? Você assina algum termo?
M.P. –
Assinamos termos a cada filme. A coisa é feia. Você não pode falar nada. Além do estúdio, tem a atuação do FBI, por causa da pirataria. Se alguém pegar o celular e tirar uma foto de algo relacionado a uma filmagem e essa foto aparecer em algum lugar, o FBI pode prender a pessoa, porque é pirataria, é crime. Já vi gente trabalhando no estúdio e no dia seguinte alguém perguntar: “Cadê o cara?”. Duas semanas depois, você descobre que o FBI tirou o sujeito de lá, porque ele decidiu fazer uma gracinha com um amigo, passar um quadro em que estava trabalhando para mostrar para alguém, e aí acabou sendo preso.

Brasileiros – Qual sua opinião sobre a pirataria?
M.P. –
Ela tira a comida da boca de quem trabalha no filme. O pagamento do ingresso incentiva a indústria a fazer mais filmes. Mais filmes significa que haverá mais gente trabalhando numa próxima produção. A pirataria pode matar o cinema. Ela está tirando o arroz e o feijão da boca das pessoas que trabalham. Alguns se acham espertos reproduzindo filmes piratas e vendendo a 10 reais ou até menos que isso. Mas, na verdade, estão prejudicando uma pessoa que trabalha no filme e que não é nem o diretor, mas sim o que faz a edição, iluminação, carpintaria…

Brasileiros – Você se considera um artista?
M.P. –
Não, apenas um técnico. O estúdio paga um determinado diretor para criar uma visão sobre um filme. O estúdio contrata a companhia produtora que vai te contratar para criar uma solução técnica e concretizar a visão do diretor. É o mesmo que se eu fosse contratar um arquiteto para desenhar a cozinha. Vou explicar que ideia tenho e estou pagando para realizar. O arquiteto te dará o modo de como colocar o seu projeto em prática. É a mesma coisa com quem trabalha na animação. Todo mundo acha que é uma coisa supercriativa, mas isso é uma falácia.

Brasileiros – Então não surgem diretores em sua área?
M.P. –
Surgem, mas um técnico, que sempre tem um horário de trabalho apertado, não consegue estudar, se preparar para ser diretor. É muito difícil. Não sou só eu, todo mundo nessa área trabalha assim. Para se ter uma ideia: um filme publicitário leva quatro semanas para ser feito. Durante essas quatro semanas, você não vai ver o filho, não vai se dedicar à família.

Fotos: Disney Enterprises / Imagenet

Brasileiros – São no mínimo 12 horas de trabalho?
M.P. –
É uma média de 12 a 16 horas. Eu fiz um comercial no ano passado em que durante uma semana não saí de lá. Mas, tudo bem. Depois, você vai viajar e fazer o que quiser. Mas durante o tempo em que trabalha, não tem uma vida normal. É assim para todo mundo dessa indústria. Não tem alguém que diga: “Eu aproveito e vou para casa, e às sete da noite estou jantando com a família”. Mentira, isso não existe. É pressão constante. Ganha-se relativamente bem, mas é 100% de dedicação. Então, o profissional que trabalha em dois, três, quatro cinco filmes ou comerciais por ano, quando chega no tempo de folga, não vai querer investir em ser diretor de cinema. Será que vale a pena gastar o tempo que seria de lazer dirigindo um filme patrocinado pelo próprio bolso?

Brasileiros – Mas tem quem faça.
M.P. –
Algumas pessoas fazem, mas eu não. Se a pessoa tiver a meta de ser diretor, além de trabalhar em outra função para sobreviver, tem de levar uma carreira paralela voltada para direção. Então, basicamente você estará “150%” do tempo ligado. Até alcançar. Ou melhor, se alcançar. De mil pessoas que querem ser diretores, uma vai ser. Depois desses anos todos, meu objetivo é o de continuar sendo um técnico.

Brasileiros – Não tem outra saída, a não ser esse acúmulo de funções?
M.P. –
É preciso entrar numa escola para se tornar cineasta. É quase como a pessoa que ambiciona ser ator ou atriz. Ela vai sacrificar tudo para fazer isso. Vai trabalhar de garçom ou garçonete em busca de um sonho, pode até passar fome. Tenho um amigo que é escritor e trabalha na mesma área. Ele está tentando vender um script há dez anos. A vida dele se resume em trabalhar de dia para fazer dinheiro; e de noite ir a bares e festas da indústria cinematográfica para fazer contatos. Ele paga as prestações de carrão, para o pessoal ver que ele tem um carrão. Não tem uma casa própria, mas mora numa baita casa alugada. Tudo para causar aquela impressão. Ele conhece um monte de gente importante, mas não vendeu nada ainda.

Brasileiros – A sua mulher, Tracy, também trabalha no cinema?
M.P. –
Não. Ela é desenhista gráfica, embora agora esteja se dedicando às artes plásticas e à cerâmica. Mas ela entende do assunto, porque desenho gráfico é quase a mesma coisa. Ela também faz o que o cliente quer. Se você quer ser artista, então você precisará se autopatrocinar. Todo mundo quer escutar que existe um lado romântico no cinema. Quando você está na indústria há muito tempo, você tem certeza de que não há.

Brasileiros – Como é o seu relacionamento com o produtor?
M.P. –
É quem recebe a incumbência do cliente. Então, ele diz que tenho que realizar tal sequência em cinco dias. Se ela não sair em cinco dias, vai começar a custar mais. Além disso, a gente tem de criar e entregar o trabalho dentro do orçamento que o produtor fez. Então, tem um processo todo de contabilidade.

Brasileiros – A escola te deu esse arcabouço?
M.P. –
Não. Isso não se aprende em escola. Lá, o importante é o contato humano e a teoria. Aprender a fazer é completamente diferente. Tem escola de efeitos especiais agora surgindo em todo canto, mas quando se entra em produção é completamente diferente. Se o cara não tiver o jogo de cintura, a casca dura… A pessoa vai te dizer: “É isso aqui que a gente vai ter para realizar”. Um minuto depois eles perguntam: “Tá pronto? Já resolveu o problema?”. Aí, você resolve o problema e manda a cena para o diretor aprovar. Quando o diretor senta, ele já mudou de ideia. Então, você recebe um telefonema dizendo: “É preciso mudar isso e aquilo”. Você pergunta: “Quanto tempo vou ter para fazer essas mudanças?”. “Uma hora.” O trabalho leva três, mas eles querem em uma hora e você tem de atender. Tenho um amigo, um brasileiro, que trabalha em um ramo que não tem nada a ver com o cinema. Ali todo mundo é legal, bacana e amigo. Na hora do almoço, ele pega o violão, vai tocar com um grupo de colegas. Já no cinema, na hora do almoço, a gente está martelando na cabeça qual é solução técnica para o trabalho que lhe pediram minutos antes. Duas horas depois, ele deverá estar pronto. Você não desliga a chave até o filme terminar. Então, quando o filme termina, você foge daquele ambiente. Se não sair dali, não terá um nível de sanidade. Todo mundo trabalha assim. É por isso que muita gente se divorcia. A vida social em Los Angeles é um caos.

Brasileiros – Guerra nas Estrelas foi o primeiro arrasa-quarteirão que você fez?
M.P. –
Não. Antes fiz o Godzilla. Foi o primeiro filme em que trabalhei diretamente com um diretor. Era o Roland Emmerich (de O Patriota e Independence Day). Eu trabalhei em outro filme desse diretor, O Dia Depois de Amanhã. Foi uma grande experiência. O Emmerich foi muito generoso com as pessoas próximas à produção. Também trabalhei com Taylor Hackford (de O Advogado do Diabo e Ray), Barry Levinson (de Rain Man e Assédio Sexual), Tim Burton e George Lucas. Guerra nas Estrelas deu muita repercussão. Eu participei do terceiro, o último que foi feito. Durante um ano, trabalhava em São Francisco nos dias da semana e sábado e domingo vinha para Los Angeles.

Brasileiros – Você é membro da Academia de Cinema e Artes de Hollywood?
M.P. –
Não sou membro, ainda. Mas estou a caminho disso. Não é fácil. Tem de ser membro de outra associação e só então pode ser convidado a ser membro da academia. Você entra porque foi convidado por outros membros que têm uma certa história. Sou de uma associação que tem a ver com os trabalhadores em efeitos visuais.

Brasileiros – Seu trabalho foi indicado para algum Oscar?
M.P. –
O Godzilla e o Guerra nas Estrelas foram indicados. Mas ainda não ganhei nenhum Oscar. A indicação já vale bastante. É tudo para vender ingresso. Em efeitos especiais, a maioria dos filmes indicados tem um mérito. São bem escolhidos. Mas o fato de que um ganhou e outro não, não interessa. Não me é muito relevante. Eu adorava ver o Oscar quando eu morava no Brasil. Você se lembra dos anos 1970? Naquela época, tínhamos os grandes escritores, os grandes cineastas, atores… Era o tempo em que Al Pacino sabia atuar. Esse pessoal agora está pagando conta das crianças, das ex-esposas. Naquela época, os caras tinham alma. O cinema americano acabou depois de Guerra nas Estrelas, que criou o filme-evento. É onde eu trabalho, mas é o que destruiu aquela mágica dos anos 1970. Havia aqueles filmes focados na realidade, bem intensos, com histórias bem escritas. Hoje em dia, vejo 10 minutos do Oscar. Os interessantes são os documentários, mas não são exibidos nas cidades menores dos Estados Unidos. Não são nem promovidos pela academia.

Brasileiros – Há uma tendência de esvaziamento de Holywood, com as grandes produções sendo realizadas fora dos EUA. É a globalização cobrando o seu preço?
M.P. –
Sim. O incentivo fiscal de outros países é muito forte e está tirando a produção cinematográfica e televisiva de Los Angeles. Isso já acontece há alguns anos. Começou com a saída da produção, pós-produção e depois com a indústria do digital. A área de pós-produção, que se refere à edição, efeitos visuais e sonografia, teve uma fase áurea em Los Angeles entre 1995 até 2002. Depois, passou a migrar também. Na cidade, ficou a concentração da propriedade intelectual. Por isso, tem tanta gente querendo vender roteiro, ideias… Se você tiver uma ideia e ela for produzida, talvez possa trabalhar em Hollywood. Mas trabalhar em cinema aqui em outras funções já passou. Tenho amigos que se mudaram porque não tinham mais trabalho em Los Angeles. Foram para o Canadá, Austrália, China, Índia…

Brasileiros – Roteiristas, atores e diretores também terão de se mudar?
M.P. –
Não. Porque as agências estão aqui. Eles estão perto do agente, que é a pessoa que vende o trabalho deles.

Brasileiros – É um mundo de fantasia ainda?
M.P. –
Sim, mas a economia mudou muito esse cenário. Quando eu comecei na Kodak havia uma série de mordomias. Tinha gente fazendo e servindo capuccino o tempo todo, cardápio especial, direito a lavagem de roupa a seco. Em meu escritório, de manhã, vinha um cara fazer panqueca e, à tarde, fazia biscoito de chocolate na hora. Ligavam para convidar para premières de filmes, onde convivíamos com a nata dos estúdios. Mas o tempo das vacas gordas acabou. Hoje, o estúdio não gasta mais dinheiro com isso. Mesmo assim, ainda tem uma dose de arrogância no comportamento das pessoas. Todo mundo quer ser diretor de cinema, quer ser o George Clooney. Mas se esquece que se você não entender como realmente o processo funciona, não vai chegar lá. Aqui, todo mundo diz que está escrevendo um roteiro. Você vai a qualquer restaurante, conversa com o garçom e ele diz que contratou um agente e que tem uma ótima história, que será um grande sucesso cinematográfico. Tudo bem, nada contra manter o sonho. Mas tem de ter a noção de realidade.

Brasileiros – Há como fazer um paralelo, na questão mercado de trabalho, entre o pequeno Guerra ao Terror, vencedor do Oscar neste ano, e o grande favorito e derrotado Avatar?
M.P. –
Avatar foi desenvolvido quase 100% fora dos Estados Unidos, gerou raros cargos de trabalho nos Estados Unidos e o diretor, James Cameron, é um dos famosos “pequenos imperadores” que criam um ambiente de extremo stress e horas longuíssimas em produção. O voto para Guerra ao Terror significa trabalho, ainda que para pequenas equipes. Em especial, para atores que, com Avatar, estão agora ameaçados pelo uso de atores no exterior para a criação de seus sósias digitais sem o pagamento de royalties. Equipes locais significam também equipes sindicalizadas, que no exterior basicamente não existem. Portanto, o voto para Guerra ao Terror significa atores reais, com roteiros reais e equipes locais. No assunto de stress, horas longas e sindicalização, indico o filme do diretor de fotografia e presidente do sindicato dos cinematógrafos, Haswell Wexler. O documentario Who Needs Sleep (Quem precisa de Sono), no website www.whoneedssleep.net.

Brasileiros – Você assiste aos filmes dos quais participou?
M.P. –
Não. Talvez vá ver Alice por causa da estereoscopia. É uma área na qual estou me dedicando. Mas para ver filme mesmo, tem de ser filme que não tem nada a ver com a área em que trabalho. Sem efeito especial ou visual nenhum, com belas histórias. Vou te falar uma coisa: sei que não é uma visão muito romântica, mas se você passa muito tempo trabalhando no cinema, acaba perdendo a vontade de ver cinema. Prefiro uma série na TV. Nos canais por satélite tem muita coisa boa, são seriados bem escritos.


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