Em pleno Estado Novo, período de recrudescimento ao anticomunismo, um projeto arquitetônico improvável, capitaneado por profissionais de claro posicionamento à esquerda, passou a ganhar formas na Rua da Imprensa, na região central do Rio de Janeiro, capital do antigo Estado da Guanabara e, então, Distrito Federal do País. Foi lá que, em 1937, teve início a construção da futura sede do Ministério da Educação e Saúde – MES, conduzido, à época, pelo advogado Gustavo Capanema (1900-1985).
Intelectual de ideias progressistas, o ministro Capanema pretendia fazer do edifício um símbolo arquitetônico da formação de um novo homem brasileiro. Um concurso foi elaborado, mas, descontente com o projeto vencedor de Archimedes Memória, que fundia elementos da Grécia antiga com temas nativos da Amazônia, o ministro procurou o presidente Vargas para elucidar seus propósitos e sugerir a contratação de equipe liderada pelo jovem Lucio Costa, um dos pioneiros da arquitetura moderna no Brasil, e notório homem de esquerda, a ponto de ter como sócio o ucraniano Gregori Warchavchik, comunista convicto, radicado no País desde 1923. Não bastasse a equipe também incluir o jovem Oscar Niemeyer, provável bolchevique aos olhos de Vargas, Costa ainda exigiu a vinda ao Brasil, como consultor do projeto, de ninguém menos que Le Corbusier, o revolucionário modernista franco-suíço que, no início do século 20, atribuiu à arquitetura o status de agente de transformações sociais.
Ideologias à parte, Capanema teve carta branca de Vargas para iniciar uma fantástica aventura de oito anos, reconstituída, agora, em livro do antropólogo e arquiteto Lauro Cavalcanti intitulado Dezoito Graus: Rio Moderno, uma História do Palácio Gustavo Capanema (nome atribuído ao prédio do MES depois da mudança da capital federal para Brasília).
Longe de se tratar de obra circunscrita a profissionais de arquitetura e urbanismo, ao longo de mais de 200 páginas Cavalcanti seduz o leitor comum com uma pesquisa volumétrica, rica iconografia e uma reconstituição romanesca dos bastidores da construção do edifício inaugurado em 1945, que também contou com a colaboração dos arquitetos Affonso Reidy, Carlos Leão, Jorge Moreira e Ernani Vasconcelos, e as participações do paisagista Roberto Burle Marx, do pintor Candido Portinari – que assina murais e todos os azulejos do edifício – e dos escultores Celso Antônio, Jacques Lipchitz e Bruno Giorgi.
Mesmo antes de concluída, durante a exposição Brazil Builds: Architecture New and Old realizada em 1943 no MoMA, em Nova York, a futura sede do MES foi considerada o prédio mais bonito do Hemisfério Sul. Para além dos predicados estéticos que até hoje impressionam, o edifício é um dos pilares do Brasil moderno que despontou a partir dos anos 1950. Fato que torna o livro de Cavalcanti obra de referência.
Dezoito Graus: Rio Moderno, Uma História do Palácio Gustavo Capanema
Lauro Cavalcanti, Editora
Língua Geral, 232 páginas
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