Assim como na política, o Brasil experimenta tempos de extrema fragilidade na economia. Isso não surgiu do dia para a noite, mas decorre do impacto de choques em uma estrutura econômica já em desaceleração. Do lado estrutural, tem-se o fim do ciclo de consumo e de crédito, que durou quase uma década e também um cenário de semiestagnação da demanda internacional, desde a crise internacional de 2008, que acirrou a disputa por mercados externos.
Do lado dos choques conjunturais, destaca-se a forte queda nos preços de commodities e, por motivos não econômicos, a redução drástica do investimento da Petrobras e das maiores empreiteiras do País. Ou seja, as variáveis de demanda que poderiam puxar o crescimento – o consumo, as exportações, o investimento – desaceleraram. Nesse quadro, caberia à demanda pública um papel contracíclico. No entanto, o governo de Joaquim Levy decidiu adicionar a essa economia fragilizada mais um choque de demanda: o ajuste fiscal.
Um ajuste pode ser extremamente positivo para uma economia, mas também pode ser desastroso. A política fiscal deve respeitar a natureza cíclica da atividade econômica: quando a economia está aquecida, o ajuste é acertado e a redução temporária da presença do setor público evita sobreaquecimento e pressões inflacionárias. Já no caso de uma economia em desaceleração, o ajuste reforça o cenário recessivo, de forma pró-cíclica.
O risco desse ajuste é o Brasil entrar em um ciclo vicioso, em que o corte de gastos reduz ainda mais o crescimento o que, por sua vez, diminui a arrecadação e exige mais cortes de gastos para cumprir a meta fiscal. Essa “espiral austericida” pode durar anos, como mostra o caso europeu, tempo suficiente para reverter conquistas sociais, como a melhora na distribuição de renda e o baixo desemprego. Nesse caso, o ajuste fiscal torna-se contraproducente, pois quando caem a arrecadação e o PIB, sobe a relação dívida/PIB, ou seja, ajusta-se a renda, mas aumenta-se a dívida.
No discurso oficial, o crescimento virá pela recuperação da confiança dos agentes, que fará a economia voltar a investir e crescer. Contudo, esse discurso falha em explicar de onde virá tal fonte de incentivo ao investimento: o empresário não investe porque o governo fez ajuste fiscal, mas sim quando há expectativa de demanda e lucratividade.
Não se trata, porém, de um ajuste irracional, mas de uma medida cujo sentido se encontra na readequação do modelo de desenvolvimento brasileiro. Trata-se, por um lado, da redução de salários reais, gerada pelo aumento do desemprego e da inflação (em parte, induzida pelo forte reajuste de preços administrados). E, por outro lado, da redução do papel do Estado e dos bancos públicos.
Já o cenário político é complementar e articulado com a virada econômica. A crise da Petrobras atinge em cheio o dirigismo estatal na exploração do pré-sal e a política de conteúdo local que assegura emprego e renda na cadeia do petróleo.
Da mesma forma, a lei da terceirização se adequa à mesma lógica liberal em que salários e direitos representam custos, reduzem a competitividade e oneram a produção. A virada liberal também ganha eco na articulação pela reforma política de Eduardo Cunha, que representa a institucionalização definitiva do poder econômico na política brasileira.
Seria um triste fim para o ciclo de governos petistas se Dilma terminar seu mandato com mais desemprego, menos salários, menos distribuição, menos direitos e menos democracia.
Antes que seja tarde, é hora de ousar e reagir, mobilizar forças sociais para o embate político e, no plano econômico, montar uma agenda pró-crescimento como porta de saída para o ajuste fiscal. Uma medida oportuna seria a retirada completa do investimento público do cálculo da meta de superávit primário em 2016, assim como já ocorre com os gastos com juros.
*Professor-doutor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon/UNICAMP)
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