Mostra celebra Willem Sandberg, criador do cubo branco

Foi nesse bunker erguido em meio a dunas de areia que ficou guardada, por exemplo, A Ronda Noturna, uma das obras-primas de Rembrandt - Foto: Coleção Stedelijk Museum Amsterdam
Foi nesse bunker erguido em meio a dunas de areia que ficou guardada, por exemplo, A Ronda Noturna, uma das obras-primas de Rembrandt – Foto: Coleção Stedelijk Museum Amsterdam

O curador holandês Willem Sandberg (1897-1984) não é só é o criador do cubo branco, o dispositivo expositivo da arte moderna, mas também responsável pela preservação de mais de 500 obras de arte do regime nazista, entre elas obras-primas de Rembrandt e Veermer. Apontado como herói, Sandberg é a figura central da mostra O Museu Stedelijk e a Segunda Guerra Mundial, em cartaz até o fim de maio.

Fruto de intensa pesquisa no museu holandês, a mostra apresenta Sandberg como um líder sagaz em meio a uma situação de grande insegurança. Foi ele quem comandou a construção do bunker onde a coleção do museu ficou escondida dos nazistas, o que garantiu a preservação não só de seu acervo como de outras instituições de Amsterdã, como o Rijksmuseum.

Foi nesse bunker erguido em meio a dunas de areia que ficou guardada, por exemplo, A Ronda Noturna, uma das obras-primas de Rembrandt. Foi lá também que todo o acervo da família Van Gogh, com mais de 200 trabalhos, foi mantido, o que permitiu a criação do Museu Van Gogh, em 1973. Como agradecimento, o Stedelijk recebeu de presente a pintura Augustine Roulin (La Berceuse), de Vincent Van Gogh, de 1889, umas das pinturas na atual exposição.

Interior do bunker contendo obras do Museu Stedelijk - Foto: Coleção Stedelijk Museum Amsterdam
Interior do bunker contendo obras do Museu Stedelijk – Foto: Coleção Stedelijk Museum Amsterdam

Costuma-se afirmar que o conceito de cubo branco dos museus de arte moderna surgiu com o MoMA de Nova York, criado em 1929. Contudo, o primeiro museu que teve suas paredes pintadas de branco foi de fato o Stedelijk, graças a Sandberg. Ele conseguiu autorização do então diretor da instituição, David Röell, para pintar as paredes de tijolo aparente do lugar de forma um tanto inusitada: Röell disse a ele que aproveitasse sua ausência, em um fim de semana, e o fizesse, sem admitir a ninguém que o havia consultado.

O ponto central da exposição, contudo, está mesmo na figura de Sandberg com sua atuação bastante transgressora em meio à ocupação nazista na Holanda. A mostra exibe cartas e documentos, por exemplo, de artistas banidos da Alemanha que foram acolhidos por Sandberg no Stedelijk. O húngaro professor da Bauhaus, László Moholy-Nagy (1845-1946), em seu caminho para o exílio em Chicago, por exemplo, teve obras suas expostas ali, assim como o alemão Kurt Schwitters, outro banido pelo nazismo. Exilado em Oslo e convidado a enviar obras para a mostra Arte Abstrata, em 1938, Schwitters contribuiu com dois trabalhos, mas pediu para ser identificado por um pseudônimo, K.S. Mares, além de constar no catálogo com uma biografia falsa, tamanho era o medo por retaliação.

Exterior do bunker - Foto: Coleção Stedelijk Museum Amsterdam
Exterior do bunker – Foto: Coleção Stedelijk Museum Amsterdam

O bunker do Stedelijk também abrigou coleções particulares, como a do empresário judeu que vivia em Mannheim, Wildhelm Landmann, e que fugiu para Amsterdã. As obras foram preservadas durante toda a guerra, como se fossem do próprio museu e, posteriormente, enviadas para Toronto, onde Landmann acabou se radicando. Como gratidão, ele doou uma aquarela de Oskar Kokoschka à instituição.      

Sandberg precisou se esconder no período final da guerra, mas retornou como diretor do museu, em 1946. Uma de suas primeiras exposições foi dedicada a Piet Mondrian, celebrando a permanência da arte moderna além do nazismo. A exposição deveria contar com Victory Boogie Woogie, a pintura de Mondrian dedicada ao fim do conflito. Como não foi capaz de adquirir a obra para o Stedelijk, Sandberg simplesmente mandou fazer uma cópia, que não só foi exibida na exposição, mas também permaneceu como um troféu em sua sala, e que hoje é parte do acervo. Uma obra falsa que sintetiza o trabalho arrojado de um curador nos tempos da cólera.


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