O ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, afirma que este “não é um momento fácil” para falar com a imprensa. No entanto, recebeu a reportagem da Brasileiros, em Brasília, para tratar de um assunto complexo: a regulamentação da mídia. Com baixa aprovação popular e crise de governabilidade no Congresso, o governo tenta conter o desgaste. Para isso, é preciso se comunicar melhor com a população, diz o ministro. No dia do encontro, ouvia-se do gabinete vozes de manifestantes ao megafone contra o PL 4330, projeto de lei que regulamenta a terceirização dos trabalhadores, recém-aprovado na Câmara dos Deputados.
Berzoini, mineiro de Juiz de Fora, já foi presidente do PT, ministro do Trabalho, da Previdência, das Relações Institucionais e, agora, das Comunicações. O nome do quadro histórico do partido para a pasta foi recebido com otimismo por militantes que defendem a regulamentação da mídia. Para ele, é uma questão de assegurar a democracia no País. Diz também que a mídia tem lado, e não é o dos trabalhadores ou o do Partido dos Trabalhadores.
No entanto, não acha que seja hora de o governo apresentar uma proposta de regulamentação no Congresso. “Precisamos debater o assunto e conseguir consensos dos setores divergentes. Senão a gente manda uma proposta para o Congresso, lavamos nossas mãos, e depois sequer tem uma tramitação eficiente. Marcar posição é coisa para o partido. Eu aqui falo pelo governo.” Mas reafirma que neste momento seria difícil até organizar o debate em torno da questão.
Brasileiros – A sua nomeação para o Ministério das Comunicações foi recebida com otimismo pelos militantes da causa da democratização da mídia. Em seu discurso de posse, o senhor falou na regulamentação da mídia. O governo vai levar a bandeira adiante?
Ricardo Berzoini – Por ter sido parlamentar por 16 anos, sei que o governo é o poder Legislativo e Executivo. Esse assunto é polêmico na sociedade e no Legislativo, carregado de estigmas e preconceitos. Tenho procurado dialogar com todos os setores que participam desse debate. É preciso primeiro ouvi-los e tentar ver onde estão os pontos de conflito mais críticos para que a gente possa produzir uma boa discussão antes de ter uma proposta. Alguns temas só terão sucesso se forem por convencimento e tolerância para ouvir argumentos. Existe uma regulamentação da mídia no Brasil, uma lei de 1962 que prevê aspectos de como deve funcionar a comunicação social. Há também enunciados constitucionais que, acho, precisam de algo infraconstitucional para terem eficácia. Mas só se constitui isso com a junção de setores que hoje têm divergência. Senão a gente manda uma proposta para o Congresso, lavamos nossas mãos, e depois sequer tem uma tramitação eficiente dessa proposta. Seria difícil até organizar o debate neste momento. A primeira iniciativa tem de ser a de disponibilizar o máximo possível de informação para sociedade. Existe certo grau de calor no debate que nos impede de olhar de maneira objetiva o que pode ser feito em cada aspecto dessa questão.
Como pautar essa discussão na sociedade se os meios de comunicação a boicotam?
Esse é um tema normal, não tem por que tratá-lo de forma preconceituosa ou maniqueísta. É uma questão de democracia. Com as redes sociais, a internet, criam-se outras possibilidades de fazer o debate, não só pelos meios tradicionais. Queremos os meios tradicionais no debate, mas existem outros caminhos. E lembrar que o governo é de base partidária heterogênea. Não dá para imaginar que uma pauta de um ou dois partidos se torne mecanicamente pauta de toda a base.
Quais seriam essas outras formas de colocar o assunto em discussão?
Por meio de eventos. É importante fomentar o debate para produzir entendimentos. O papel social dos meios de comunicação envolve temas que não são diretamente vinculados à questão da concentração da mídia, de como, por exemplo, são tratados os negros, a mulher ou as crianças na mídia.
Em países onde não se questiona a tradição democrática, como EUA e Inglaterra, a regulamentação foi aprovada e existe. Por que esse assunto é tratado com histeria no Brasil?
É bom lembrar que nos EUA a regulamentação foi aprovada a partir de uma concepção da primeira emenda da Constituição americana, que é uma concepção liberal. O tratamento dado no regulamento é mais vinculado à questão societária do que a questões de conteúdo. Lá também há grupos que reivindicam outro tipo de regulamentação. Existe regulamentação no Brasil, mas temos de avaliar se está defasada ou não. Há questões previstas na Constituição que não são obrigatórias na lei de 1962, quando o mundo era outro. Na Europa, a aprovação foi muito conflituosa também. Na Inglaterra, não foi nada simples. Na Argentina, foi levada ao Tribunal Constitucional. Em nenhum país do mundo é simples. Envolve um debate legítimo entre o máximo da liberdade e a liberdade combinada com um conjunto de obrigações que a sociedade tem no texto constitucional.
A regulamentação econômica é tão importante quanto à de conteúdo?
Quando se fala em regulamentação de conteúdo, é preciso deixar claro que não se pode abrir mão da cláusula pétrea da liberdade de expressão. Quando se fala em conteúdo, o que está garantido na Constituição fala da função social dos meios de comunicação. O artigo 221 diz: “A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”. Então, ao se falar em conteúdo, é preciso respeitar esse artigo. Acho que as duas questões são importantes. Chamo de papel social dos meios de comunicação porque a concepção da Constituição de 1988 é de que tudo que é econômico tem função social. A propriedade é um direito assegurado, mas fala da função social da propriedade. No caso da comunicação eletrônica, é uma concessão do espectro eletromagnético, então o papel social deve ser mais reforçado. Uma concessão do Estado usada por empresas privadas que têm objetivos econômicos, mas que devem seguir o artigo da Constituição.
Nesse cenário de crise política, a regulamentação da mídia viria em boa hora?
Como proponho um debate, sempre vem em boa hora. A premissa de não mandar para o Congresso uma proposta neste momento obedece a dois tipos de comando: o apreço pelo debate e a avaliação de que quanto mais pudermos debater, maior a chance de produzir consenso sobe a matéria. O que pensam os religiosos sobre essa questão? Os acadêmicos? Os sindicatos? Vamos deixar a bola rolar, sem preconceito, sem assunto proibido… Sem pressa, mas sem ausência de pressa. Não adianta marcar posição. Isso é para partido, não para governo. Os partidos têm essa obrigação. Eu não represento um partido, represento um governo.
A mídia contribui para a impopularidade do governo?
Contribui, muitas vezes destacando mais as coisas negativas do que as positivas. Mas a discussão da regulamentação precisa ser feita independentemente disso, até porque esse dado não é de hoje. Em vários momentos do governo Lula também tivemos essa apreciação de que havia um carregamento nas tintas dos aspectos negativos. Quem está no comando de qualquer meio de comunicação tem poderes: o de publicar e o de omitir.
Na campanha eleitoral, Dilma Rousseff disse que a revista Veja responderia na Justiça pela reportagem em que acusa a presidenta e o ex-presidente Lula de serem coniventes com os desvios na Petrobras. O governo tomou alguma atitude sobre isso?
Não sei. Quando alguém fala uma coisa na campanha, há duas possibilidades: dar continuidade por meio do seu partido ou de sua ação de governo. Como não envolve esse ministério, não sei.
Houve uma mudança na distribuição de anúncios do governo na mídia?
Isso é assunto da Secom (Secretaria da Comunicação Social), não foi tratado comigo.
Como o senhor avalia a comunicação pública e estatal no Brasil?
Merece investimento maior porque é uma das possibilidades que temos de assegurar pluralidade. Sou contra qualquer tipo de utilização com viés partidário, na comunicação estatal e na pública. A pública precisa obedecer a critérios de interesse público. A estatal pode ter a voz do governo, do poder Executivo. Assim como o Parlamento tem a TV Câmara e a TV Senado. A TV estatal deve buscar informar, sabendo que não terá audiência muito alta porque tem caráter informativo específico. A TV pública precisa ter ambição de aumentar a audiência, com boa programação cultural e jornalística, plural, ouvindo as vozes dissonantes. E uma programação educativa forte para que possamos ter mais acesso da população a uma série de informações. Agora, o orçamento do governo se disputa por centavos. A TV está na Secom, mas sou entusiasta da TV pública. Na Europa e nos EUA, a TV pública cumpre função importante. No Brasil, está em fase de construção e é difícil construir uma grade de programação competitiva só com recursos públicos.
O senhor já disse que a mídia tem lado, e não está do lado dos trabalhadores. Tem como vencer a mídia?
Não é questão de vencê-la. A mídia comercial são empresas com proprie-tários e é da natureza das empresas defender uma visão do capital. Quando falamos de pluralidade, é justamente para atender diferentes opiniões. É questão de convencer que a pluralidade é melhor do que a voz monotemática.
O discurso crítico em relação à mídia está mais popularizado?
O debate da função social da mídia é importante. A informação passada para a sociedade traz uma carga grande de responsabilidade. Quando tem um processo eleitoral, uma disputa comercial ou uma disputa entre classes, em uma sociedade democrática, quem tem o poder de comunicar pode influenciar fortemente o resultado dessas contendas. Se há dois carros disputando o segmento de populares, a empresa que publica um teste comparativo não verdadeiro pode influenciar de maneira artificial um dos modelos. Não é problema só na política ou entre capital e trabalho, afeta inclusive o interesse do capital. Se tem a Anvisa para controlar medicamentos, se tem uma superintendência como a SUSEP para proteger o consumidor de seguros, por que não deve ter instrumentos públicos que assegurem de maneira positiva e benigna a verdade, para chegarmos o mais próximo possível da verdade? Seja para discutir automóvel ou a opinião de uma pessoa pública.
A discussão sobre a mídia deveria ter sido feita quando a conjuntura política estivesse mais favorável?
A conjuntura é sempre difícil para esse tipo de tema porque é uma discussão sobre poder. Quando falo que a constituinte conseguiu, com dura negociação, um texto bom, é porque assegura a liberdade de expressão.
Prevê, por exemplo, que congressistas não podem ser donos de concessões.
Qualquer pessoa que tiver essa informação pode ir à Justiça denunciar. Ou pode vir ao Ministério, que temos a obrigação de investigar. Mas existe muita propriedade disfarçada, familiares que são donos.
Também já está prevista a proibição de monopólio e oligopólio.
O artigo 220 diz que os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, formar monopólio ou oligopólio. Precisa conceituar o que significa isso. Do ponto de vista do Estado, quem define monopólio é o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Do ponto de vista específico, o Ministério só pode se pronunciar se tiver uma lei que defina isso. Não tem. Não há uma regulação disso.
Como quadro histórico do PT e ministro, pergunto: qual a estratégia desse governo?
Temos três condições simultâneas que podem explicar a atual situação. Em primeiro lugar, uma crise de corrupção, que envolve uma empresa pública federal. A comunicação dessa crise para a sociedade foi insuficiente, do ponto de vista do governo, para dizer claramente: vamos até o fundo e não há qualquer conivência e tolerância com isso. A presidenta já falou várias vezes. Talvez tenha faltado uma ação de comunicação de todos nós, não só da Secom, para expressar isso de maneira massiva. Depois, temos uma questão econômica. Lutamos incansavelmente para combater a crise mundial, usando inclusive de mecanismos fiscais. Chegamos ao limite. Precisamos remanejar o orçamento com outra perspectiva. Isso provoca desgaste porque tem medidas que afetam perifericamente assuntos previdenciários e seguro desemprego. A terceira questão é que temos, na base do governo, conflitos de partidos que passam uma ideia de dificuldade de governabilidade. Não podemos deixar o desgaste ir além. Precisamos trabalhar para mostrar que existe um governo, que está atuando, e não temos nenhum tipo de dificuldade de enfrentar as questões publicamente.
O líder do MTST, Guilherme Boulos, disse em entrevista que a baixa aprovação do governo tem mais a ver com o ajuste fiscal do que com os escândalos de corrupção.
Tem a ver com as duas coisas. O ajuste precisa ser mais bem explicado para a população como parte de uma reorganização orçamentária, e não como um fim em si mesmo. A questão da corrupção desgasta porque parte da população acredita que ela tem origem no governo, quando na verdade vitimiza o governo. Imagina só se alguém do governo seria conivente com o desvio de dezenas de milhões por um gerente da Petrobras. Não há a menor possibilidade.
O governo consegue desagradar tanto a esquerda quanto a direita.
Isso é normal. Nosso governo é um governo de 18 partidos, supostamente. Ou seja, a heterogeneidade da base faz com que a agenda política a ser votada no Congresso não tenha nitidez para a sociedade. A esquerda, inclusive do PT, critica, e setores da direita criticam por outros motivos. Se conseguirmos juntar os partidos em torno de um programa comum que talvez não satisfaça nem a esquerda mais tradicional nem a direita mais arraigada, poderemos conduzir e dialogar com o povo. Todos os partidos, inclusive o PT, não têm a representatividade que gostariam. O sentimento de bem-estar da sociedade é pouco mediado pelos partidos. É mediado pela vida real e pela comunicação.
O governo Lula levou a cabo uma política de conciliação de classes, que conseguiu avanços importantes para as classes baixas sem afetar os interesses dos mais ricos. O lulismo se esgotou?
O governo Lula teve grande habilidade, o governo Dilma também, até 2012, 2013, para construir uma agenda que aproveitasse sinergias do setor público e privado. O Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, mobilizou o setor da construção civil. O Prouni mobilizou o setor da educação privada, algo complementar à estratégia comercial de cada um deles. O Luz para Todos mobilizou os fornecedores de postes, transformadores… Isso tudo preencheu espaços vazios. O uso responsável do fundo de garantia para financiar habitação era subutilizado. O uso do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) para financiar programas era subutilizado. O uso responsável do Banco do Brasil, da Caixa e do BNDES para financiar o crescimento. Agora, esse espaço fiscal acabou. Não que o governo esteja apresentando a conta, essas mudanças no seguro desemprego e na pensão foram discutidas lá atrás, inclusive com as centrais sindicais. Não que elas tenham concordado, mas foi discutido que era possível ajustar distorções do sistema, como concessão de seguro desemprego com poucos meses de contribuição, concessão de pensões de longa duração. São medidas que ajudam a ajustar o orçamento para todos, não só para os empresários. Estamos adequando a estratégia orçamentária a uma nova realidade econômica. Durante um período, conseguimos manter o Brasil crescendo mais do que o resto do mundo. Agora não temos mais instrumentos fiscais para isso. É bom lembrar que o Minha Casa, Minha Vida, o Prouni e o Bolsa Família continuam.
O governo poderia corrigir outras distorções, como taxar grandes fortunas, heranças…
A pergunta que faço é: isso passa pelo Congresso?
Mas o governo não deveria apresentar ao menos o projeto?
Não reconheço que as medidas provisórias apresentadas atinjam centralmente os trabalhadores. Afetam lateralmente algumas condições. É diferente do que faziam os governos anteriores, que arrochavam os salários. A proposta é ao contrário. A política de recuperação de salário mínimo vai continuar. Quando uma regra específica é mudada, não está atingindo centralmente trabalhadores. Está dizendo: para ter acesso ao seguro desemprego, mundialmente o prazo mínimo é de um ano. Em vários países, são dois anos. O seguro desemprego não é algo a ser concedido para situações de breve duração. Mas faltou comunicar melhor e não devemos subestimar que os adversários estão cumprindo seu papel.
Mas até os aliados têm se comportado como adversários…
Setores da base que têm animosidade em relação a uma parte da pauta com a qual o governo se elegeu. Bom lembrar que, durante o processo pré-eleitoral, vários partidos estavam divididos entre apoiar a Dilma ou não. É uma expressão que eu uso: temos de saber jogar em campo ruim. Time bom não é só aquele que joga em gramado perfeito.
Seria um momento de repensar a aliança com o PMDB?
Não. O quadro partidário não nos coloca muitas opções para a base parlamentar. Tem uma questão programática, que é do PT, e não do governo. O PT tem vida própria, não pode ficar anexo ao governo. Ele tem suas estratégias de aliança. O governo tem perspectiva de como construir uma base parlamentar, que é diferente de alianças partidárias apenas.
Mas diante dessa situação não seria hora de repensar a aliança?
Não, temos de convencer essa parte da base aliada a se agregar em torno de um programa para quatro anos, que não é partidário, é um programa de governo. Temos de construir uma agenda em comum para fazer o País avançar na retomada do crescimento, preservar os empregos, os direitos sociais e investir no futuro.
O governo teme o impeachment?
O impeachment é um processo político, porém tem fundação jurídica. Não há nada que justifique esse pedido. Mas quem lida com política sabe que pedidos artificiais e atípicos podem prosperar numa situação política mal conduzida. Nossa obrigação é conduzir bem. O presidente da Câmara, que é a quem cabe arquivar ou acatar o início de tramitação do pedido, já disse claramente que não tem compromisso com a aventura. Creio que ele está agindo responsavelmente.
Deixe um comentário