Foi relançado há pouco o livro O Brasil Privatizado – Um Balanço do Desmonte do Estado, de Aloysio Biondi, morto em 2000. De saída, é uma delícia ler o texto de um jornalista tarimbado, que sabia conquistar o leitor. Ele trabalhou em diversos veículos de imprensa, como Folha de S.Paulo, Jornal do Commercio, Diário do Comércio e Indústria, e nas revistas Veja e Visão, sempre na área de economia.
Ao longo da publicação, o autor tenta provar uma tese amparada por alguns pilares. Em primeiro lugar, as vendas das estatais, iniciativas do governo Fernando Henrique Cardoso, não foram feitas para beneficiar o consumidor, mas atendeu a interesses de grupos nacionais e estrangeiros. Para convencer a população, fez-se uma propaganda difamatória das estatais, com a promessa de que os serviços seriam mais baratos, se nas mãos da iniciativa privada.
Em segundo, o governo promoveu um tarifaço entre 100% e 500%, para “enfeitar as noivas”. Também patrocinou demissões em massa. Aceitou as chamadas moedas podres – títulos emitidos pelo governo, que podiam ser comprados com deságio de até 50%. Por fim, os compradores foram amplamente financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O processo de venda do sistema Telebras tem especial destaque. Para Biondi, as estatais não eram um saco sem fundo, como alardeava FHC. No primeiro semestre de 1997, conta, o lucro da tele saltou 250%; o da Eletrobras, 200%. Isso aconteceu simplesmente porque o governo eliminou o congelamento das tarifas, atualizando-as, o que não vinha fazendo para não haver impacto negativo na inflação.
Sobre os bancos estaduais, Biondi defende que foram desmoralizados pelo governo FHC. Segundo ele, o prejuízo do Banco do Brasil de R$ 6 bilhões no primeiro semestre de 1996 foi fabricado. Isso porque lançou como dinheiro perdido no balanço todo e qualquer empréstimo em atraso, mesmo que fosse de um dia.
A Caixa Econômica Federal (CEF) foi outra prejudicada, por ter sido obrigada a comprar carteiras podres de bancos falidos, como o Bamerindus e o Econômico. Também o Banespa foi alvo de ataques do então governador Mário Covas.
No setor de óleo e gás, o jornalista acusa o governo FHC de permitir o ingresso de capital estrangeiro nos poços descobertos pela Petrobras, a partir do Campo de Marlim. E também teria feito licitações de exploração a preços muito abaixo do que seria razoável.
Por fim, no leilão da Cemig, em 1997, o governo autorizou o BNDES a financiar grupos estrangeiros. Tanto que um grupo multinacional arrematou um terço das ações da empresa por R$ 2 bilhões, com metade do valor financiado pelo banco de fomento.
Na segunda parte do livro, tem um levantamento completíssimo das principais privatizações federais e estaduais, valores de venda e compradores, entre outros detalhes. Na última parte, há uma coletânea dos artigos publicados em jornais e revistas. Antecedem os textos um depoimento de Antônio Biondi, em que deliciosamente revela a rotina do irmão. Por exemplo, trabalhava de 14 a 16 horas por dia. Tinha alimentação ora leve ora nem tão regrada, tendo em vista a correria do seu dia a dia. Ele adorava viajar pelo País, quase sempre por terra, não só pelo medo de voar. Durante as viagens, punha a leitura em dia.
Lição do livro: o jornalista Biondi teria espaço exíguo na imprensa hoje, por sua coragem e linguagem direta, sem subterfúgios. Concordando com ele ou não, trata-se de uma obra fundamental para entender a história recente do Brasil.
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