Brasileiros – Como começou sua relação com o Brasil?
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Jorge Takla -Nasci no Líbano, há 58 anos, filho de pai libanês e mãe brasileira. Quando era criança, vinha passar férias, de vez em quando, no Brasil, na casa da minha avó. Sempre tive uma ligação muito forte com o País, especialmente com São Paulo. Sonhava em voz alta: “Quando crescer quero morar no Brasil”. Já tinha a dupla cidadania.
Brasileiros – Seu avô morava onde?
J.T. – Em São Paulo, no bairro da Bela Vista. Depois que cresci, meu pai, que era embaixador do Líbano na França, nos levou para Paris. Eu tinha 17 anos. Fui estudar na Escola de Belas Artes e de Arquitetura e, paralelamente, fazia Conservatório de Arte Dramática. Sempre tive essa grande atração pela coisa do espetáculo. Não podia ver uma prateleira ou uma caixa de sapato que já montava uma cortina, um cenário, colocava personagens e inventava uma história. Não sabia muito bem se aquilo era cenografia, direção, ser ator ou autor. Fui fazer Arquitetura, mas queria fazer teatro. Quando passei para o Conservatório, resolvi que era aquilo que iria fazer. Contei a meu pai, ele ficou arrasado, e falou: “Vou te apoiar, mas você escolheu a única profissão onde não posso te ajudar, a não ser financeiramente”. Ele é um dos responsáveis pela minha carreira. Na época dele, o teatro fazia parte do conhecimento literário na escola e, no Líbano – onde as pessoas tinham formação em francês e árabe -, meu pai conheceu todos os clássicos franceses. Recitava grandes monólogos de Molière. Pertenci a uma geração que tinha esse conhecimento literário. Conheci o Bob Wilson. Depois, o Andrei Serban, do Teatro La Mama em Nova York, onde comecei a trabalhar, primeiro três anos como ator e, depois como assistente de direção e cenografia.
Brasileiros – A tua ida para Nova York foi em decorrência do teu contato com Bob Wilson?
J.T. – Eu o conheci no Festival de Teatro de Shiraz, no Líbano. Ficamos amigos. Trabalhei com ele como ator e assistente de direção e comecei a conhecer outras pessoas de Nova York. Depois de um ano fui morar na cidade e, após algum tempo, fiz uma audição para o Teatro La Mama.
Brasileiros – Como era o La Mama?
J.T. – Era o grupo de teatro experimental mais importante dos Estados Unidos, nos anos 1970. Diretores como Andrei Serban, Bob Wilson, Luca Ronconi, Grotowski e Peter Books fizeram a cabeça da gente e mudaram a história do teatro contemporâneo. Ao mesmo tempo em que você aprendia tudo, ficava travado. Vinha a autocrítica: “E agora, o que eu vou fazer depois disso, o que vou dizer? Todos eles já disseram tudo”. Você acaba se policiando para não imitar e com receio de não fazer algo à altura. Foi difícil chegar ao meu próprio caminho, à minha própria linguagem. Se, há trinta anos, eu imaginasse que estaria hoje dirigindo um musical da Broadway, iria achar isso uma coisa caretérrima. Não ia ter o distanciamento para perceber que é uma obra linda, com um belo trabalho de ator, de cantor, de bailarino, de cenografia, de figurino. Eu ia achar que era uma coisa de velho, ultrapassada (risos).
Brasileiros – Mas você ia à Broadway?
J.T. – Assistia escondido aos espetáculos musicais. Não podia falar para ninguém. Era visto como uma coisa careta, mas eu aprendi muito vendo tudo aquilo.
Brasileiros – Como o ator virou diretor?
J.T. – Eu era ator, mas ajudava na feitura do cenário, da iluminação, do figurino. Aos poucos, fui saindo dessa coisa de ser ator. Lembro que Ellen Stuart, dona do teatro, falou: “Olha, você é diretor. Vá dirigir uma peça”. Dirigi uma pequena coisa off-Broadway, chamada On My Coral Islands, totalmente alternativa.
Brasileiros – Quem era o autor do texto?
J.T. – Eram dois contos do escritor Somerset Maugham, e um desses textos era o conto Chuva (Rain). Fizemos uma mistura desses dois contos. No Brasil, o Aparício Basílio produzia teatro e queria montar Chuva. Na década de 1950, ele viu uma montagem da companhia da atriz Dulcina de Moraes, e adorado. Eu estava aqui, em 1976, quando ele me procurou e disse: “Meu sonho é montar Chuva. Você não quer dirigir?”. Fiquei surpreso e disse: “Ah, dirigir no Brasil, que maravilha!”. E foi o Aparício que me deu a primeira chance de dirigir com recursos no Brasil, em 1978. Antes disso, tinha feito O Primeiro e o Circo Antropofágico, na Bienal. Mas a primeira pessoa que, realmente, me deu a chance de trabalhar no Brasil foi Aparício, que me convidou para dirigir a peça Chuva com Raul Cortez, Sérgio Mamberti, Consuelo Leandro, Herson Capri, entre outros atores. Um elenco de cobras.
Brasileiros – Você teve, na época, uma briga com o Raul Cortez, não?
J.T. – Foi uma briga terrível. Ele achou que eu favorecia a Consuelo Leandro. Ficou dez anos brigado comigo. Eu vinha de um teatro de grupo, onde todo mundo se amava e trabalhava no coletivo. Não tinha a noção do estrelismo e do individualismo entre os atores, as brigas, fofocas. Acho que eles nem imaginavam que eu pudesse ser tão puro e despreparado para esse tipo de situação. Hoje, quando relembro do espetáculo, vejo como era deslumbrante e isso foi muito difícil para a imprensa e para o público, pois eles sempre procuraram me catalogar. Só de uns três ou quatro anos para cá é que as pessoas sentem-se mais confortáveis comigo, me reconhecem como um diretor de musicais. Naquela época, eu fazia peças clássicas, fazia Tchecov, Plínio Marcos, coisas experimentais, comerciais e até ópera e musicais. As pessoas precisavam catalogar as outras e tinham preconceito, porque eu vinha de uma família que tinha dinheiro na época. As pessoas diziam: “Ah, ele é filhinho de papai”, “Ah, não, ele é um intelectual que veio da França!”, “Um arrogante que veio dos Estados Unidos”, coisas desse tipo. Foi difícil. Lutei muito para conquistar meu espaço no Brasil, e tenho certeza de que só aqui eu poderia realizar tudo que realizei. Lá fora, não teria a oportunidade de arriscar tanto, experimentar tanto, quebrar a cara e poder levantar de novo. Não trocaria São Paulo por lugar nenhum do mundo.
Brasileiros – Você não conseguiu patrocínio para montar O Rei e Eu?
J.T. – Nada. Vendi meu apartamento, carro, levantei empréstimos. Montei porque não tinha como voltar atrás, já tinha feito o contrato com o Teatro Alfa e com alguns profissionais. Sou um produtor e minha vida é produzir teatro. A maioria dos produtores só produz porque tem patrocínio. Não é por amor ao teatro. Também quero fazer dinheiro, mas pelo que eu amo, e tem gente que só pensa em fazer dinheiro. Gente que, sem patrocínio, não se arrisca. Fica fácil para qualquer um produzir com cinco milhões no caixa. Se não der certo, o patrocínio cobre o custo principal. No O Rei e Eu, eu dependo da bilheteria.
Brasileiros – Percebe-se que você deu novos direcionamentos à carreira, muito em função de alguns fracassos de público… O Rei e Eu ficou trinta anos em cartaz na Broadway.
J.T. – É. Mas não foi por vaidade. Eu me questionei: “Peraí, se isso não está lotando, talvez seja porque o público não está interessado”. Não poderia continuar fazendo só as coisas que eu amo, que me realizam. Teatro não pode ser terapia para mim, ou para o meu idealismo. Não posso impor ao público obras literárias profundas demais, só porque eu acho importantes. Pensei: “Será que não existe um ponto, onde eu possa fazer alguma coisa que agrade ao público, sem nivelar por baixo?”. Eu amo o teatro musical, porque venho percebendo há anos que ele junta o lado mais popular com o erudito. Reúne dança, canto, atores. O brasileiro é muito ligado a essa coisa primitiva do teatro grego antigo, no qual o artista vem cantar e dançar. O teatro só de texto tem de ser assimilado pelo intelecto. Acho que o espectador de hoje é tão assaltado e bombardeado pelas sensações visuais que o intelecto fica um pouco preguiçoso. Como não sei fazer televisão e nem cinema, resta-me o teatro.
Brasileiros – Por que montar Evita?
J.T. – Das peças de Andrew Lloyd Webber, Evita é a melhor. É a única que não envelheceu musicalmente. As outras são um pouco cafonas. Evita é mais sólida e tem o personagem histórico, real, fascinante. Tenho fotos de meus pais ao lado de Peron e Evita, em Buenos Aires. Sei que a audição para escolher a intérprete da personagem Evita não será nada fácil, pois a partitura da peça é complicadíssima e exige que a atriz seja boa não só de interpretação, como também de canto, dança e carisma. Estou começando a me preparar para as audições que possivelmente serão em julho. Evita é a personagem mais importante do teatro musical e virou uma espécie de figura pop, depois que a cantora Madonna a interpretou no filme Evita (de Alan Parker – 1996), que mesmo não tendo lá essa voz, conseguiu interpretar bem a personagem.
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