Para grandes canalhas, o grande saca-rolhas

Eu sempre senti inveja do Mario Prata, doutor. Desde o nascimento. Ele nasceu sobrinho do Campos de Carvalho (o genial autor de A Vaca de Nariz Sutil, A Lua Vem da Ásia, O Púcaro Búlgaro…). Meu tio era comerciante.

Na faculdade de Economia, ele ganhava de mim no pingue-pongue. Depois das partidas, na Quitanda, ele aguentava tomar mais batidas de maracujá do que eu. Escrevemos juntos – com o também colega Claudio Pucci – o show de final de ano. Chamava-se Kalfilofikus. (Não lembro mais o que isso queria dizer.) Ele escreveu as cenas mais engraçadas. (Seu tio deve ter dado umas dicas, eu acho.)
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A inveja aumentou, doutor, quando ele emplacou o primeiro sucesso no teatro – Cordão Umbilical. Enquanto eu ainda nem tinha cortado o meu. Ele conseguia as meninas mais bonitas e badaladas – Maitê Proença que o diga – e entrava nas festas mais fechadas, com Toquinho, Vinicius e Chico Buarque. Era chapa desses caras todos. Depois, emplacou novela até na Globo, a Estúpido Cupido. Linha direta com o Boni.

Mas agora, doutor, a inveja se transformou em raiva. O Prata escreveu uma novela policial que é o máximo. Assim não dá. É o seu segundo livro no gênero e ele já domina a linguagem, esculpe os personagens com elegância, conduz o leitor para um lado, quando o caminho é outro. E não deixa a gente tirar os olhos do livro. Ou então, se a gente consegue tirá-los, fica pensando: e agora, o que vai acontecer? Como o sujeito vai sair dessa?

No prefácio, a Marta Góes diz que Os Viúvos é um filme. Do Almodóvar. Eu concordo, é um filme, mas do Woody Allen. No papel da Tinha cairia bem a Scarlett Johansson. Seu namorado, o detetive Fioravanti tem a cara do Antonio Banderas. No papel do ERN, o próprio Woody Allen.

Não sei se o Woody, para dirigir, daria um tapa no roteiro, mas a trama é legal.

Um cara com as iniciais ERN leva um tombo do contador, que não transfere à Receita Federal a grana entregue a ele religiosamente, todo mês, em alguns anos. A trapaça gera um imenso rombo no caixa. ERN perde tudo para a Receita Federal. No desespero, inicia uma mega vingança que se divide em várias etapas.

Todas elas são comunicadas pelo próprio ERN a um ex-polícia federal, atualmente detetive particular. O tal Fioravanti. Por e-mail. Tudo muito bem engendrado, doutor. Gostoso de ler.

O Fioravanti é uma figura. De vez em quando, dá uns tapas, ele que é polícia. Tem um caso mais ou menos fixo com uma garota de programa chamada Til. E de repente se envolve com a filha dela, a Tinha, a gostosa que parece a Scarlett Johansson. Ou a nossa Deborah Secco, se o filme for feito no Brasil mesmo. (Para fazer a Til, meu palpite é Vera Fischer.)

Enquanto é atazanado pelos e-mails do ERN, Fioravanti ainda tem de resolver dois sequestros cabeludos e encontrar uma pessoa cuja recompensa – paga por um sultão de Dubai – beira o milhão de reais. O mais complicado, doutor, é que a única pista é a foto de uma, como eu diria… uma bunda.

Sim, belíssima – é o que afirma o autor, ao menos. (Aliás, tem um capítulo inteiro, se bem que são todos curtos, o que aumenta o prazer de ler, sobre as cavidades recônditas nela contidas.)

Durante a viagem ao Paraguai, em um carro roubado que era dele mesmo, ERN dá carona a outra fugitiva, Maria Augusta, que podia ser feita pela Natalie Portman. Ela está abandonando o marido, um prefeito milionário que atrai turistas para a pequena cidade com histórias de disco voador.

Maria Augusta tenta convencer ERN que o Hino Nacional só serve para atormentar jogador de futebol, que já entra em campo cabisbaixo por não saber a letra do hino. Por isso, deveria ser trocado pela Aquarela do Brasil. E, de quebra, ainda consegue levá-lo para a cama (em um belíssimo texto, plagiado por ERN de um escritor cubano).

Na maioria das histórias policiais, doutor, o morto e o seu assassino são revelados no fim. Nas novelas também. Nesta, é no começo. E ainda que foi com um Grande Saca-Rolhas. E nem assim a gente perde a vontade de ler até a última página. Eu levei mais ou menos um dia e meio.

O que me preocupa, doutor, é que o texto do Prata vem melhorando. Acho que com a tarimba que ganhou nas novelas. É ação atrás de ação, ele não perde tempo com lero-lero. Aliás, por falar nisso, acho que ele pode fazer a continuação, Os Viúvos 2 com a viagem da Tinha (não vou dizer com quem). Poderia se chamar Suruba em Dubai.

E então, o que eu faço, doutor? Me mato? Escrevo um livro melhor que o dele? Ou recorro ao Grande Saca-Rolhas?


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