Enrique Vila-Matas é conhecido pela metalinguagem ou por seus jogos literários, que muitas vezes trazem a ele mesmo – ou alguém muito parecido com ele – como protagonista. Seu novo livro, Não Há Lugar para a Lógica em Kassel, não é diferente em essência, mas apresenta uma novidade, que é um certo realismo, uma abertura para o palpável, em detrimento do exercício puramente intelectual, fechado em labirintos de referências.
Não que elas não estejam presentes – estão, e muito –, mas desta vez aparecem em função de um relato “verídico” – no caso, sua participação inusitada na Documenta 13, possivelmente a mostra mais importante de arte de vanguarda do mundo. A princípio desconfiado, ele aceita o convite para ser um escritor residente na mostra. Seu papel consiste em ficar sentado à mesa em um restaurante chinês nas cercanias de Kassel, cidade alemã, sede da Documenta. E então escrever, “ao vivo”, sob os olhares dos comensais, que podem ou não intervir.
Tudo soa meio misterioso, mas ele decide ir com o plano de se deixar contaminar pelas alegrias da criação, sem cair nas habituais ladainhas críticas contra a arte de vanguarda. O que se segue é um divertido e saboroso diário de viagem, com muitas reflexões originais sobre a arte e o ato de escrever, e momentos de pura epifania. Diante de obras inclassificáveis − como This Variation, a sala escura de Tino Sehgal; o terreno de húmus e esterco de Pierre Huyghe, batizado de Untilled, por onde passeiam dois galgos com a pata pintada de rosa, e onde “espairece”, deitada, a estátua de uma mulher nua, com uma colmeia viva na cabeça; e a instalação FOREST (for a thousand years…), com os alto-falantes de Janet Cardiff e George Bures Miller lançando no céu os ruídos estarrecedores dos bombardeios por que passou a cidade, destruída na Segunda Guerra − o autor-narrador vai se transformando, de um sujeito meio perdido, com inclinações melancólicas (a despeito do enorme senso de humor), em alguém revitalizado pela força da arte.
Ao final, em algumas das mais belas páginas que escreveu, Vila-Matas, ou seus alteregos Autre e Piniowsky, depois de muitos diálogos internos com Kafka, Duchamp, Maeterlinck e principalmente o Robert Walser de Uma Caminhada, descobre que a verdadeira arte de vanguarda, se é que ela ainda existe, não é o que está nos museus e nas mostras, mas o que está no ar, “lá fora”, o que acontece com a gente. A vida, enfim.
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