Claudio Henrique dos Santos viu a vida virar de cabeça para baixo quando sua esposa Daniele, 41, recebeu uma proposta para trabalhar no exterior. O jornalista havia desenvolvido por quase 20 anos sua carreira profissional nas áreas de Comunicação e Assuntos Corporativos, mas aceitou deixar o emprego de lado ao entender que a oportunidade era única para sua mulher.
Desde o final de 2010, quando foi morar em Cingapura com a esposa, ele assumiu a tarefa de “assistente executivo” dela, cuidando da casa e da filha Luiza, na época com três anos. “Foi a decisão mais difícil da minha vida. Só topei porque não tive coragem de cercear algo pelo qual eu sabia que ela havia batalhado por muitos anos”, disse.
Depois que aprendeu a lidar com as tarefas domésticas e entendeu seu novo papel em casa, Cláudio se sentiu livre. “Não há mais papéis predeterminados, o que acaba libertando também os homens. Quero convencer principalmente os homens de que ganhamos muito em apoiar e exercer a igualdade”, afirmou.
A experiência acabou virando um livro: Macho do Século XXI – O executivo que virou dono de casa. E acabou gostando, lançado em 2013 pela editora Claridade. Nele, Claudio conta divertidas histórias de sua nova rotina como dono de casa. Ele também mantém o blog Macho do Século 21, focado nos temas relacionados ao livro, em especial a igualdade entre os gêneros.
Morando atualmente nos Estados Unidos, em 2013 resolveu encarar o desafio de voltar a escrever e de fazer palestras no Brasil, atividades que exerce “nas horas vagas como dono de casa”. Confira a entrevista.
Brasileiros – Quando você decidiu deixar sua carreira profissional e por qual motivo?
Cláudio Henrique dos Santos: Minha esposa Daniele havia recebido um convite profissional para trabalhar em Cingapura.
Como foi a decisão entre você e sua esposa de que você abdicaria da sua carreira para virar dono de casa?
Foi a decisão mais difícil da minha vida. Depois de uma carreira executiva de quase 20 anos, eu havia aberto uma loja de vinhos, que estava funcionando há quase um ano quando veio o convite para Cingapura. Nós acabávamos de comprar o apartamento dos nossos sonhos e a loja, onde eu havia colocado todas minhas economias e energias naquele ano, finalmente começava a dar lucros. Em resumo, eu não tinha o menor motivo para topar a mudança. Eu só topei porque não tive coragem de cercear algo pelo qual eu sabia que ela havia batalhado por muitos anos, que era atingir uma carreira internacional. E mesmo assim, eu acreditava que poderia trabalhar em Cingapura. Apenas quando chegamos na Ásia descobrimos que eu não poderia ter um visto de trabalho. Costumo dizer que tinha tudo para dar errado, mas deu tão certo que acabou virando livro, palestra e mais coisas que estão vindo por aí.
Com que frequência ela tem que viajar a trabalho? Você e sua filha sempre a acompanham?
Ela viaja bastante e nós procuramos acompanhá-la quando possível, mas até mesmo por conta do calendário escolar, são raras as oportunidades em que isso acontece.
Como foi para assimilar a mudança de rotina no começo?
Foi muito difícil. Eu me sentia um aposentado compulsório aos 38 anos. Eu passei a depender do dinheiro da minha esposa até para comprar um sanduíche na esquina. Eu sentia uma solidão intelectual enorme, pois antes tinha uma vida profissional e social super agitada e em Cingapura minha companhia era minha filha, pois minha esposa viajava uma boa parte do tempo.
Me sentia fora também do “Clube do Bolinha”. Nas festinhas da minha filha, eu conhecia outros pais e me sentia super constrangido em dizer que eu cuidava da casa e da minha filha, enquanto todos os outros pais tinham empregos super bacanas. Até fazer amigos fica difícil. Além disso, quando você é homem, não falta gente para te lembrar, e até mesmo questionar que você não está trabalhando. Você acaba se sentindo muito vigiado pelas outras pessoas.
Eu passei uns bons meses querendo voltar para o Brasil. Eu ficava preso apenas às coisas que eu havia perdido, como o emprego, a “independência financeira”, uma vida intelectual e social plena. Por isso, não conseguia enxergar tudo o que eu havia ganho, como a chance de aprender numa nova cultura, sem contar a felicidade de ver minha filha feliz e minha esposa progredindo na carreira. Eu sequer conseguia enxergar a oportunidade única que eu tinha de apoiar o desenvolvimento da minha filha, acompanhá-la de perto todos os os dias, sentir todo o carinho que eu recebia dela. Troquei meu bônus de final de ano por uma recompensa que recebo todos os dias, na forma de beijos e sorrisos da minha filha. Mas demorou para eu perceber tudo isso. Chegou um momento que eu percebi que precisava “sair do armário” e assumir a condição de dono de casa. Deixei de me preocupar com o que os outros pensavam de mim. Aí as coisas ficaram muito mais fáceis.
Que feedback você teve de amigos e pessoas próximas a você quando anunciou que deixaria o emprego?
Minha família achou normal e apoiou demais, porque conhecia a minha relação com a Daniele e sabiam que sempre fomos muito parceiros. Mas quase todos meus amigos me diziam que eu estava ficando louco e que não aguentaria essa situação por muito tempo. Alguns deles chegaram até a fazer um “bolão” apostando quando estaríamos de volta. Claro que eles só me contaram isso quando perceberam que a experiência tinha sido bem sucedida.
Quais tarefas domésticas você sabia fazer? Quais teve que aprender?
Eu achava que homem não deveria fazer tarefas domésticas. E mesmo em Cingapura, a gente ainda contava com a ajuda de uma empregada, eu não precisava colocar “a mão na massa”. Eu tinha uma vida quase de madame. Ela cozinhava e cuidava da minha casa e eu me ocupava apenas da minha filha. Quando mudamos para os Estados Unidos, 18 meses depois, tudo mudou, porque minha esposa deixou de ser expatriada e como os custos dessa mão de obra eram bem mais altos, não teríamos condição de pagar uma empregada. Só que aí, eu já havia mudado meus conceitos e resolvi encarar o desafio. E olha que eu não sabia fazer quase nada. De repente, eu precisava cozinhar para uma criança de cinco anos, preparar o almoço para ela levar na escola, fazer o jantar. Não dá para ficar fazendo sanduíche para uma criança dessa idade. Aprendi na marra. Hoje quando ouço um elogio da minha filha fico muito orgulhoso, pois tudo que eu aprendi foi em função dela.
Tarefa mais difícil não existe, mas é um porre cuidar da casa, cozinhar, lavar prato. A gente valoriza muito pouco a importância dessas tarefas. Não valorizamos quem faz isso em casa e também remuneramos mal aqueles que nos dão esse suporte. Esse foi um dos meus maiores aprendizados. Hoje eu admiro ainda mais as mulheres que fazem a chamada jornada dupla de trabalho, tendo que se dedicar a casa e aos filhos após uma jornada dura de trabalho. Eu jamais conseguiria fazer bem as duas coisas.
Você disse que depois que se acostumou com a ideia de ser dono de casa sentiu uma “liberdade”. Como você enxerga sua posição social hoje?
O que eu quis dizer é que uma sociedade onde não há mais papéis predeterminados acaba libertando também os homens. Não existe mais aquela pressão de ter que ser o provedor da casa a todo custo. Tem homem que sequer suporta a ideia de ganhar menos do que sua mulher, o que é uma bobagem sem tamanho. Alguns homens deixam de aproveitar momentos maravilhosos com seus filhos porque cuidar das crianças é “tarefa da mulher”.
Meu papel social hoje, o de inspirar as pessoas, convencer principalmente os homens de que ganhamos muito em apoiar e exercer a igualdade. Sou fã de carteirinha da Daniele e a razão disso é que reconheço como não é fácil para as mulheres passarem por cima do preconceito e do machismo para vencerem na carreira profissional. Estou convencido que ao compartilhar minha história, estou contribuindo, um pouquinho que seja, para fazer um mundo um pouquinho mais igual para a minha filha. Gostaria que ela enfrentasse menos dificuldades do que minha esposa enfrentou. Quero que ela tenha a oportunidade de fazer o que ela quiser, ser uma executiva de sucesso ou uma dona de casa, não importa. Mas que isso aconteça por uma opção pura e simplesmente dela, e não por uma imposição da sociedade.
Quais os benefícios de fazer parte de um casal igualitário?
A vida fica melhor para ambos. Casamento tem que ser parceria. Hoje em dia só faz sentido se juntar a alguém se você tiver objetivos em comum com essa pessoa. E isso implica que para atingir esses objetivos em comum, um tem que ajudar o outro. Homens e mulheres devem compartilhar as tarefas e responsabilidades. A igualdade, na minha opinião, não é numérica, não é matemática. Não é dividir meio a meio as tarefas ou o dinheiro do casal, por exemplo. Igualdade, para mim, é quando ambos se veem na mesma condição, e, por isso, ambos podem fazer qualquer coisa a qualquer momento. Eu posso cuidar da casa e minha esposa ser a provedora, ou vice-versa. O que vai definir quem faz o quê não é o gênero, mas sim as oportunidades que se apresentam naquele determinado momento.
Você acha que qualquer homem conseguiria fazer o mesmo que você faz pela esposa? Por quê?
Claro que sim. Nunca tive a pretensão de ser o primeiro dono de casa. Existem muitos por aí. O que falta para muitos ainda é a coragem de assumir isso naturalmente. Todo o homem que for aberto para encarar a ideia de que não existem mais papéis predefinidos, que isso não tem nada a ver com masculinidade, pode e deve fazer o mesmo por sua companheira.
Sinceramente, não acredito que fiz nada de especial para minha família. Fiz porque amo as pessoas à minha volta e isso é muito mais importante do que o julgamento que os outros possam fazer de mim. O meu único mérito talvez seja apenas o de contar para todo mundo que uma quebra de paradigma como essa pode ser muito bem sucedida. E absolutamente natural.
Essa é uma realidade que acontece cada vez mais no cenário da sociedade atual?
Sem dúvida. Só nos Estados Unidos já existem mais de 550 mil donos de casa (cerca de 3,5% das famílias). No Brasil, acredito que esse também será um movimento crescente, por dois motivos: o primeiro é econômico, pois com os custos cada vez mais altos na contratação da mão de obra doméstica, passa a fazer muito sentido que um dos cônjuges opte por ficar em casa. Além disso, as pessoas também estão percebendo que a “terceirização” do cuidado com os filhos é um modelo que não está dando certo. A presença dos pais é fundamental na educação e desenvolvimento dos filhos e as famílias estão percebendo isso. Se a mulher ganha mais do que o homem e pode bancar os gastos da casa sozinha, me parece uma opção bastante natural que o pai possa dedicar mais tempo aos filhos. Parafraseando Nelson Rodrigues, trata-se apenas de encarar “a vida como ela é”.
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