A conjuntura política brasileira anda tão complicada que torna um convite ao erro qualquer tentativa de previsão. Mas como as previsões equivocadas não são prerrogativas exclusivas de astrólogos e economistas, vou dar uma contribuição de historiador. Aceitemos este convite ao erro.
Em qualquer análise política, devemos levar em conta, ao menos, quatro variáveis: os atores políticos; as instituições; a cultura política enraizada historicamente; e a conjuntura internacional. Comecemos por esta última. A conjuntura é complexa, seja do ponto de vista político, seja econômico. O Brasil é uma economia frágil, apesar do mercado interno e dos recursos naturais, amplamente dependente de tecnologia e capitais externos e de demandas mundiais de commodities, muito instáveis. E a crise de 2008 veio para ficar por muito tempo.
A cultura política – ou as culturas políticas – mais enraizada na sociedade brasileira também não permite muito alento. Somos uma sociedade marcada pelo conservadorismo elitista, fisiologismo e corporativismo. E que não se diga que essas mazelas são produtos do baixo nível educacional das classes populares, pois elas me parecem bem distribuídas em todas as classes sociais e níveis de escolaridade.
A conjunção desses três elementos da cultura política brasileira dificulta negociações partidárias coerentes e arranjos políticos mais consistentes, embora tenha a vantagem de impedir rompimentos definitivos e violentos entre os vários grupos políticos, o que, no limite, conduz as sociedades a guerras civis.
As instituições políticas brasileiras dispensam maiores comentários. Os partidos são frágeis e
tem história curta, o sistema político é historicamente instável e os poderes de Estado muitas
vezes parecem não convergir na busca de um projeto nacional minimamente consensual.
Neste ponto, entram os atores políticos (lideranças partidárias, grupos de pressão, entidades da sociedade civil organizada, imprensa, movimentos sociais). Em particular, é preciso analisar os atores da oposição, que têm o protagonismo político mais assertivo desde 2013. O governo,
como ator político, parece rendido, tentando conseguir um espaço aqui e acolá. Os partidos de esquerda estão atônitos, perdidos em suas próprias contradições e sectarismos. Os
movimentos sociais e sindicais, que poderiam ser o sal da terra em um momento de crise política, parecem igualmente desarvorados, lutando para preservar conquistas pontuais.
Vale lembrar que os atores de oposição tampouco formam um bloco coeso e articulado. Nesse
bloco, podemos situar boa parte da imprensa, vários partidos e lideranças parlamentares, quadros do poder judiciário, grupos econômicos nacionais e internacionais e movimentos mais ou menos formalizados da classe média batedora de panelas. Eles se encontram no antipetismo visceral e no moralismo de ocasião, que podem ser mais ou menos conservadores.
Digo, “de ocasião”, pois só uma reforma política profunda, que mexa nas formas de campanha
eleitoral e na forma de representação poderia trazer alguma moralidade à política brasileira, e
ninguém parece disposto a apostar nessa ficha.
Mas o que querem os atores políticos de oposição no presente momento histórico? Ao que
parece, as opções políticas estão limitadas a duas alternativas: derrubar a presidente Dilma e
varrer o PT como opção partidária da massa dos eleitores, agora ou em 2018. A primeira via
exigiria uma ação de impeachment, a segunda, uma vitória acachapante nas eleições
presidenciais. Até o momento, parece que o fantasma do impeachment surge e desaparece de
tempos em tempos para “fazer sangrar” o governo já moribundo, quando ele ameaça retomar
o protagonismo. Ora se transforma em um grito das ruas, ora em opção palaciana. É esta
última que tem o poder de decisão efetiva sobre o processo. Tanto é que, a própria oposição
organizada já esvaziou o ímpeto dos protestos populares.
Essa estratégia implica afastamento de qualquer liderança petista com possibilidade de votos.
Lula e Fernando Pimentel já estão na mira do judiciário. Haddad, com menos cacife eleitoral
para uma corrida presidencial, por ora, só apanha da imprensa e da opinião conservadora que
julga ser a ciclovia pintada de vermelho a criação mais terrível do comunismo e do seu primo
pobre, o bolivarianismo. As pedaladas fiscais da presidente, as pedaladas políticas de Lula e as
pedaladas dos ciclistas paulistanos estão na berlinda. A queda do governo antes de 2018,
aliada à desintegração moral e política do PT, tiraria o chão dessas opções políticas.
Essa estratégia da corda bamba é arriscada, pois implica cutucar quem está precariamente
equilibrado, mas também evitar que ele caia no último segundo, até porque sua queda pode
ferir os mesmos que o cutucam. Para resumir, acho que as oposições apostam em 2018, mas
se o governo cair antes não será de todo mau para elas, desde que seja um processo pactuado
e controlado. Mas ainda assim, é uma aposta de risco.
A pobre metáfora, creio, é coerente com a pobreza política da situação em que nos
encontramos. Sendo mais claro, uma “operação mãos limpas” radical, à brasileira, poderia
implodir lideranças que hoje bradam pela moralidade pública e comprometer o sistema como
um todo. O que sobraria? Quem ficaria com os despojos da política brasileira?
O antipetismo histérico e visceral estimulado pela imprensa conservadora, independentemente de qualquer “culpa em cartório” dos petistas, tem produzido estragos na sociedade, fazendo com que a intolerância, o fascismo, o preconceito racial e o elitismo social saiam do armário disfarçados do bom combate contra a corrupção. Obviamente, nem todos que saíram às ruas ou batem panelas são fascistas de plantão, mas a confluência entre crise e conservadorismo em um ambiente institucional frágil pode ser fatal para a democracia e para as conquistas sociais dos últimos anos. Não tenhamos dúvida. Se essa serpente, que já saiu do ovo, crescer e engordar, picará a todos, incluído seus criadores.
Não haverá eleições que consigam recompor um convívio democrático mínimo, não haverá lideranças institucionais a serem respeitadas, pois no caldo grosso do fascismo só poderão sobreviver bufões e aventureiros.
Arrisco dizer que o futuro do Brasil será produto da forma com que os atores políticos de
oposição interagirem com as instituições. Se o conservadorismo abandonar o marco do
republicanismo em nome de alguns votos a mais ou para derrubar um partido que não
consegue vencer nas urnas, fica a porta aberta para uma aventura autoritária. Boa parte da
sociedade brasileira parece pronta para isso.
*Marcos Napolitano é historiador, pesquisador do CNPq, professor do Departamento de História da USP, autor do livro 1964: História do Regime Militar Brasileiro (Editora Contexto, 2014)
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