O papel da mídia no duplo linchamento do Maranhão

Foto: Reprodução/ imirante.globo.com/oestadoma
Foto: Reprodução/ imirante.globo.com/oestadoma

Na tarde da segunda-feira (6), a cidade de São Luís presenciou um ato de extrema violência que vem sendo recorrente no Maranhão. Um homem identificado como Cleidenilson Pereira da Silva, de 29 anos, foi amarrado em um poste e espancado até a morte em uma terrível ação de linchamento da população. Cleidenilson e um adolescente não identificado tentaram assaltar uma loja na periferia da capital maranhense, no bairro de São Cristóvão, mas foram rendidos por um grupo de pessoas que passavam pelo local.

Segundo informações da Polícia Civil, o homem foi linchado com mãos, pernas e tronco amarrados em um poste de luz, numa região considerada movimentada do bairro. Cleidenilson foi agredido com socos, chutes, pedradas e garrafadas, não resistiu aos ferimentos e morreu no local, vítima de hemorragia.

A morte de uma pessoa, ainda mais com os requintes de crueldade de um linchamento, sempre chama a atenção e causa uma comoção generalizada em todos os setores da sociedade. Todavia, um fator que acentua a violência e degenera ainda mais a situação é a cobertura feita pelos meios de comunicação expondo um delicado caso como este.

A foto de um homem morto, amarrado como um animal ao poste, é o retrato de uma mídia que se supera no que diz respeito ao sensacionalismo e à cultura da violência. Desta forma a situação acabou se traduzindo em um duplo linchamento: aquele que de fato matou Cleidenilson e outro depois de sua morte, explorando sua imagem no poste.

Por ter tentado cometer um crime, Cleidenilson perdeu sua credencial de ser humano e passou a ser tratado como um bicho, um indivíduo antissocial que precisa ser eliminado. Este tipo de violência, provocada por um grupo de transeuntes ‘comuns’ , mostra como alguns vínculos sociais brasileiros estão amparados pelo ódio, sentimento reforçado pelos grandes meios de comunicação, que alimentam uma ideia de insegurança fora da realidade. É o que diz a jornalista Maria Carolina Trevisan, repórter do coletivo Jornalistas Livres. “Somos um País novo na democracia, que acha que a vida das pessoas que cometeram crimes não vale nada”.

Em entrevista à Brasileiros, Maria Carolina argumentou que a imprensa tem um papel fundamental nos processos que desencadeiam este tipo de violência, gerada muito em função do sentimento de vingança e de medo. “Os noticiários reforçam a ideia de que existe uma sensação de impunidade, então reforça o sentimento de vingança nas pessoas.”

Trevisan também criticou a forma como a imprensa aborda este tipo de crime, dando viés espetaculoso a algo que deveria ser reportado de forma analítica. A própria foto de Cleidenilson, segundo ela, expõe o sensacionalismo no qual a mídia está submersa, e degrada mais ainda a imagem do homem linchado. “Aquela foto não deveria nem ser mostrada, pois coloca a pessoa e seus familiares em uma situação pior ainda.”, explicou.

Importante ressaltar que grande parte das vítimas de linchamentos são negras e de classes sociais baixas, revelando um perfil que é seguido pelos ‘justiceiros’. A pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), Ariadne Natal, autora de uma tese sobre casos de justiçamentos sumários disse, em uma entrevista concedida à Agência Brasil, que as pessoas não julgam aleatoriamente quem será alvo deste tipo de crime, e que existe uma ‘escolha’ de quem será linchado.

A pesquisadora estudou 385 casos de linchamento que foram noticiados pela imprensa, entre 1º de janeiro de 1980 e 31 de dezembro de 2009, e concluiu que não é qualquer pessoa que pode ser ‘desumanizada’. “As potenciais vítimas de linchamento carregam consigo a marca daquele que pode, em última análise, ser eliminado, (…) tanto que é muito raro identificarmos alguém de classe média entre as vítimas de linchamento”, argumentou.

Para Trevisan, o racismo impregnado no País ajuda a entender por quais razões negros e pobres são as grandes vítimas justiçamentos coletivos. Além disso, a jornalista afirmou que já existe uma pena de morte indireta aplicada nas periferias, por meio de linchamentos e ações policiais. “Vivemos em um Pais racista e sem dúvida [existe uma pena de morte]. Isso demonstra que tem um ódio muito presente na nossa sociedade neste momento, e uma sensação de medo e insegurança muito provocada pela cobertura sensacionalista da imprensa”, concluiu.

O ‘justiçamento’ de Cleidenilson não foi um fato isolado no Maranhão. De acordo com o jornal carioca Extra, foram pelo menos mais nove casos deste gênero registrados no Estado nos últimos 18 meses. Só em 2015, foram quatro casos.

Em um dos linchamentos mais explorados pela mídia nacional, no ano passado um adolescente foi espancado e preso a um poste por uma trava de bicicleta, nu, numa noite no bairro do Flamengo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, em mais um caso de justiça com as próprias mãos. A apresentadora do telejornal SBT Brasil, Rachel Sheherazade, não perdeu tempo e afirmou que o espancamento do rapaz era justificável, em mais uma tentativa da imprensa de jogar álcool na discussão. Resta saber agora quem será o próximo Cleidenilson e qual será o primeiro jornalista a apedrejá-lo.


Comentários

8 respostas para “O papel da mídia no duplo linchamento do Maranhão”

  1. Todos os dias,estrumes como Datena,Marcelo Resente,que ficaram milionários fazendo apologia da barbárie incentivam este tipo de coisa.A justiça brasileira precisa acabar com este tipo de programa na televisão.

    1. Avatar de Humberto de Alencar
      Humberto de Alencar

      Antes disso, a justiça brasileira deveria acabar com a impunidade de quem mata, rouba sequestra, tortura e estupra. Esses “estrumes” estão apenas mostrando a realidade que vive a população brasileira!!! E ainda me vem a outra falar que há “uma ideia de insegurança fora da realidade”. Que tal se ela resolver sair de casa às 4 da manhã pra trabalhar naquela rua em SP onde um maníaco está atacando constantemente as mulheres, sem que nossas autoridades façam nada??? Aí depois que acontecer o mesmo com o maíaco, esse será mais um “pobre e negro coitadinho”. E só um detalhe: eu sou negro, já fui muito pobre e não apoio bandido de espécie alguma!!!!!

    2. No pais vizinho, Uruguai sempre na nossa frente, lá foi proibido à apresentação de programas
      policiais na TV, e aqui quando será, como será enfrentada uma apresentadora tipo Sheherazade da SBT.

  2. Impressionante a mobilização da imprensa em publicar reportagens de defensores de bandidos. Se ao cometer o assalto ele tivesse matado o proprietário do estabelecimento ou algum cliente eles também viriam? Claro que não? E se algum familiar deles fossem vitimados pelo bandido linchado, eles viriam em defesa do bandido morto? BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO! Parabéns à população do Maranhão, se as autoridades não tomam as providencias, que a população resolve e se defenda.

  3. ” O ser humano é bom,o que o estraga é ser humano “.

  4. Se a segurança pública não faz, a população faz. Um vagabundo a menos nas ruas pra roubar as pessoas de bem. Direitos humanos são para as pessoas de bem.

    1. Isso resolve? Não, VIOLÊNCIA VAI GERAR MAIS VIOLÊNCIA!!!

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