Iscas de polícia

Após um ano intenso, dedicado a shows e à formação de repertório, a cantora e compositora Tulipa Ruiz acaba de lançar seu primeiro álbum, Efêmera, produzido pelo irmão, guitarrista e parceiro de composições, Gustavo Ruiz. Como muitos sabem, Tulipa é filha de Luiz Chagas, o homem por trás das seis cordas elétricas do abusado Isca de Polícia, de Itamar Assumpção. Chagas também é jornalista e colabora com a Brasileiros desde o segundo número. Escreve sobre música com a mesma fluência e elegância com que toca sua guitarra. Fisgamos os dois, às vésperas do lançamento de Efêmera, no Auditório do Ibirapuera apinhado de gente entusiasmada com a música de Tulipa, em uma aprazível noite de domingo de outono e Lua Cheia.

ISCA NÚMERO UM: TULIPA E A MÚSICA DO BRASIL 2010

Brasileiros – Você faz parte de uma geração que, além do desafio de dar novos rumos à música, lida com um mercado em crise que também precisa ser reinventado. Como é encarar esse contexto?
Tulipa Ruiz –
Estamos em um momento novo de apreciação e consumo de música. A música hoje não é mais tocada em seu aparelho de CD ou na sua vitrola, você ouve música pela internet e isso passou a ser uma coisa fragmentada. Reinventar tem tudo a ver com esse momento. O artista tem de se envolver em todos os processos. As pessoas gravam em casa, disponibilizam suas músicas pela internet e ela vai para o Acre e para a China, em menos de 5 minutos. Vivemos uma grande incógnita com relação ao mercado, mas, em contraponto, nunca tivemos tanto acesso ao que é produzido.
[nggallery id=15192]

Brasileiros – Você tem grande articulação com outros jovens artistas, e é notório o trânsito entre os trabalhos. Enxerga alguma unidade estética nessa geração? Acha que daí pode surgir um movimento?
T.R. –
Antes de me assumir cantora, participei de shows da Tiê, tocava com o Tatá Aeroplano e tinha vontade de gravar com o Leo Cavalcanti. Acho que a unidade que temos, onde somos parecidos, está no fato de sermos artistas do primeiro semestre de 2010. Temos em comum o nosso agora. Gravamos nos mesmos estúdios, os músicos acabam se encontrando e a gente vai ao cinema juntos.

Brasileiros – O Brasil tem uma tradição de grandes cantoras que são apenas intérpretes e você compôs a maioria das canções de Efêmera. Tem planos de explorar mais essa veia de intérprete?
T.R. –
Sempre gostei de cantoras que compunham. A Joni Mitchell e a Joyce, minhas cantoras prediletas, são também grandes compositoras. Como nunca assumi muito essa coisa de ser cantora, meu lado intérprete só surgiu por conta do meu lado autoral. Ainda estou por me descobrir mais intérprete. No show, a gente faz uma música do Caetano, Da Maior Importância, e para mim é absolutamente balsâmico cantá-la.

Brasileiros – E quem você gostaria de ouvir registrando suas canções?
T.R. –
Não via a hora de alguém cantar uma música minha e está acontecendo aos poucos. O Cérebro Eletrônico vai gravar Menina. A Juliana Kehl e a Mariana Aydar estão fazendo Só Sei Dançar no show delas. Ouvir minhas canções na boca de outras pessoas era um sonho, para eu conseguir ter algum distanciamento.

ISCA NÚMERO DOIS: LUIZ CHAGAS E OS NOVOS VELHOS TEMPOS

Brasileiros – A letra de Às Vezes foi escrita há mais de vinte anos e menciona a Rua Augusta. Hoje, a Augusta voltou a ser um epicentro de cultura jovem. Como você enxerga esses dois períodos?
Luiz Chagas –
Fiz essa música há uns 20 anos, e a Augusta também estava na moda. Quando compus Às Vezes, estava falando do engarrafamento. Você não tinha nada para fazer e ficava ali parado, azarando as meninas e pensando besteira. Hoje, essa molecada que conheci, graças aos meus filhos, chega para mim e diz: “Porra, Chagas, você fez essa música para mim, sempre penso nisso tudo que a música diz. É igualzinha a minha vida”. Uma mera coincidência. A Augusta vai ser marcada para sempre por essas coisas.

Brasileiros – Você compõe com muita frequência? Tem ambições de um projeto solo?
L.C. –
Digo sempre que eu podia ser o que classificam de compositor bissexto, mas para ser bissexto eu teria de compor de quatro em quatro anos, e nem isso eu faço. Nunca quis ser compositor. Faço umas musiquinhas e fico enchendo para a Tulipa cantar. Gosto de letras grandes, como as do Bob Dylan. Caetano Veloso, cantando Trilhos Urbanos tem aquela frase: “Mas aquela curva aberta, aquela coisa certa não dá para entender”. Você pode dizer que não sabe bem o que ele quis dizer, mas qualquer um sente isso como algo muito profundo. É para isso que serve a música popular.

Brasileiros – Até 1966, a guitarra era um instrumento praticamente proibido na música popular brasileira. O Tropicalismo aboliu de vez essa tolice e nos deu Lanny Gordin, Pepeu. Dessa safra 2000, você enxerga alguém que possa ser filiado a essa escola?
L.C. –
A guitarra surgiu para mim no contexto do rock e dos conjuntos instrumentais. O Gato, do The Jet Black’s, era um dos grandes guitarristas do período e o tropicalismo colocou guitarra na MPB, mas ela também entrou pela veia da jovem guarda. Dos que surgiram na minha geração, gosto muito do Edgard Scandurra. Hoje, quem mais se aproxima do guitar hero é o Lucio Maia, da Nação Zumbi. As pessoas se perguntam: a guitarra morreu? Qual o legado do Hendrix? Parece que caiu de moda ser guitarrista e eu resisto. Talvez um dia a moda volte, como a Rua Augusta.

Brasileiros – Como se deu o processo de formar musicalmente o Gustavo e a Tulipa, e como é a experiência de vê-los sendo parte tão ativa dessa nova geração?
L.C. –
Nunca quis ter filho guitarrista, filha cantora. Achava clichê total. Tenho orgulho deles, mas procuro manter distanciamento. Vejo-os como colegas de palco, mas reconheço que é algo muito emocionante para mim. Indizível. A Tulipa cantava em casa e era algo banal. Quando fomos gravar juntos e ouvi o primeiro registro, fiquei chapado. Senti coisas de quando ouvia a Gal Costa cantando, em 1968. O Gustavo também se revelou um grande músico e um produtor respeitado. Eles são muito especiais para mim. Posso dizer que estou no lucro.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.