Tenso, Nelsinho Piquet recebeu a bandeirada de chegada do e-Prix de Londres, 11a e última etapa do campeonato inaugural da Fórmula E. O oitavo lugar havia sido suficiente para ele superar, por apenas um ponto, o suíço Sébastien Buemi na luta pelo título. Mas Nelsinho não comemorou: só recebeu de sua equipe, a China Racing, a confirmação de que era campeão quando já estava no meio da volta de honra. Alguns minutos depois, já fora do carro, pôde finalmente celebrar a conquista.
Com um final cinematográfico, a primeira temporada da Fórmula E revelou uma categoria de sucesso – e apontou um novo caminho para o automobilismo. Chancelada pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA) e liderada por Alejandro Agag, empresário e ex-político do PP espanhol, a FE cresceu rapidamente. Entre a primeira corrida, realizada em Pequim, em setembro de 2014, e vencida pelo brasileiro Lucas di Grassi, e a rodada dupla com as corridas 10 e 11, em Londres, o novo campeonato ganhou espaço na mídia, firmou-se como categoria de ponta e, principalmente, conquistou público. A partir da terceira etapa, em Punta del Este (Uruguai), todas as provas foram realizadas com arquibancadas cheias – muitas delas com ingressos esgotados. O motivo de tanto sucesso não chega a ser segredo. As corridas são equilibradas, os pilotos são de alto nível (muitos já correram na Fórmula 1) e o público é incentivado a participar, inclusive ajudando concretamente seus pilotos preferidos por meio do FanBoost.
Toda essa receita resultou em um final de temporada repleto de suspense. A decisão aconteceu no Battersea Park, em Londres, com uma corrida no sábado e outra no domingo. Buemi venceu no sábado e ficou a apenas cinco pontos de Nelsinho. No domingo, os treinos classificatórios colocaram Buemi em sexto na ordem de largada. Di Grassi e Piquet treinaram no molhado e só conseguiram, respectivamente, o 11º e o 16º lugares. O circuito, bastante estreito, dificultava qualquer tentativa de ultrapassagem, tornando o panorama bastante favorável para Buemi conquistar o título.
Durante a maior parte da corrida, o título permaneceu nas mãos do suíço. A história começou a mudar quando Buemi rodou e caiu de quinto para sexto, atrás de Bruno Senna. A essa altura, Di Grassi era o sétimo e Nelsinho Piquet vinha em décimo. Nas voltas finais, subiu para oitavo. Era a conta exata para Nelsinho terminar o campeonato um ponto à frente de Buemi. Senna, Buemi, Di Grassi e Nelsinho andavam juntos. O suíço precisaria ultrapassar Senna para marcar os pontos que lhe dariam o título. Agressivo, fez várias tentativas, todas rechaçadas pelo sobrinho de Ayrton. E Piquet foi campeão.
“Largando de onde estava, eu sabia que ia ser difícil”, declarou Piquet. “Combinei com a equipe de não ficarmos falando no rádio sobre o campeonato. Só fiquei nervoso quando cheguei no Di Grassi: vi os outros à frente dele e comecei a pensar na pontuação”, afirmou à reportagem da Brasileiros por telefone, três dias após a conquista. A essa altura, Nelsinho estava em Charlotte, nos Estados Unidos, para disputar uma etapa do Global Rallycross Championship, um campeonato totalmente diferente da Fórmula E, com corridas em circuitos de terra e obstáculos.
Muitos apontaram que “um Senna ajudou um Piquet a ser campeão”, referindo-se ao fato de Bruno ter impedido Buemi de ganhar a posição que lhe daria o título. Mas esqueça a hostilidade que existiu entre o tio de um e o pai do outro: Nelsinho e Bruno são amigos e se dão bem. Na Fórmula E, a rivalidade entre brasileiros acontece entre Nelsinho e Di Grassi, que já não eram exatamente amigos e trocaram farpas depois de um incidente de pista em Mônaco.
Para Nelsinho, o título foi uma recompensa pelo trabalho conjunto da equipe China Racing. Não houve como deixar de considerá-lo uma redenção do episódio que poderia ter acabado com sua carreira. No GP de Cingapura de F1 de 2008, ele bateu no muro de propósito para forçar uma entrada de safety car que favoreceu seu companheiro na Renault, Fernando Alonso, vencedor da prova. A manobra foi ordenada pelo chefe da equipe, Flavio Briatore, que foi banido da F1 quando Nelsinho fez a denúncia no ano seguinte. “A mídia ainda faz disso algo muito maior do que foi para mim. Claro, não foi legal, fiz aquilo porque fui forçado. Mas virei a página no dia seguinte. Nunca fiquei traumatizado ou coisa parecida.”
Fora da F1, Nelsinho refez sua carreira em categorias como a Nascar (foi o primeiro brasileiro a vencer uma prova na divisão principal da mais popular liga de automobilismo dos Estados Unidos), as corridas de longa duração, o rallycross e a própria Fórmula E. “Percebi que a vida é muito mais que a Fórmula 1. Eu amo pilotar, não importa qual seja o carro ou o tipo de corrida”, finaliza.
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Como é a Fórmula E
Pneus de uso misto, troca do veículo durante a corrida e até um acréscimo de potência, vindo
da torcida, são diferenciais da categoria
O carro
Todos chassis Spark são equipados com a mesma unidade de potência, formada por motor elétrico
e baterias. A potência máxima, disponível somente em treinos, é de 200 kw, equivalentes a 270 HP (um F1 desenvolve estimados 850 HP). No modo “corrida”, são 150 kw (202,5 HP), nele a velocidade máxima desenvolvida é de 225 km/h. Os pneus, com ranhuras, podem ser usados tanto em pista seca quanto molhada.
As corridas
São chamadas “e-Prix” e têm cerca de 45 minutos de duração. Devido à autonomia das baterias, cada piloto faz uma parada para trocar de carro no meio da corrida. Por questões de segurança, há um tempo mínimo para a troca, mas qualquer incidente (um cinto de segurança mal posicionado no momento em que o piloto entra no carro, por exemplo) poderá influenciar negativamente no resultado final.
Os eventos
Na temporada 2014-2015, a FE passou por Pequim, Putrajaya (Malásia), Punta del Este (Uruguai), Buenos Aires, Miami, Long Beach (Estados Unidos), Mônaco, Berlim, Moscou, e encerramento com rodada dupla em Londres, em um total de 11 provas. O calendário inicial previa uma prova no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Todos os circuitos são temporários: a maior parte foi montada em ruas, mas a etapa de Berlim aconteceu no desativado aeroporto de Templelhof e a de Londres, nas alamedas do Battersea Park. As atividades (dois treinos livres, um classificatório e a corrida) acontecem aos sábados.
Interatividade
Um dos atrativos da Fórmula E é a interatividade com o público. A cada corrida, o site oficial da categoria (fiaformulae.com) abre uma votação para os fãs elegerem o piloto favorito. Os três mais votados recebem, apenas durante a corrida, o FanBoost, um dispositivo que aumenta
a potência em 30 kw (40,5 HP) durante 5 segundos. O piloto pode usar o dispositivo duas vezes (uma em cada carro). O FanBoost motivou uma disputa paralela entre os pilotos nas mídias sociais. Nelsinho Piquet teve o FanBoost em seis corridas.
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