Ligando os pontos

O movimento caótico e incessante do mundo e do cosmo, a partir de infinitos pontos de vista, leva ao que chamam vida, e o contato com ela é o que alguns designam como arte. Essa premissa de José Damasceno, que serviu de guia para seu trabalho na 25a Bienal de São Paulo, em 2002, é evidente em sua obra de aparente calmaria e vertiginoso dinamismo, de intrigantes relações entre espaço e conceito. Ao espectador cabe ligar os pontos entre vida e arte e se deixar levar pela bem montada exposição Plano de Observação, que o carioca apresenta em terras gaúchas, no Santander Cultural de Porto Alegre, até 26 de julho.

No grandioso prédio de estilo eclético, estão expostos uma tapeçaria, uma colagem, uma escultura e cinco grandes instalações, sendo três delas inéditas no Brasil. A imponência do espaço é muito bem aproveitada com uma expografia, cujos resultados conceituais e espaciais reverberam as sensações, emoções e fantasias das obras de Damasceno. Estopa, lápis, mármore, massa de modelar e lã são alguns dos materiais utilizados nos trabalhos, muitas vezes em grandes quantidades e com jogo cênico potente.

O movimento cinético presente nas obras de Damasceno cruza as instalações ali expostas com o cinema e a indústria cultural, o que é apontado insistentemente pela curadora Ligia Canongia. Mas as proposições que se vê e se sente nos trabalhos e na expografia levam a muitos outros caminhos, como o artista insinua no próprio título da mostra – Plano de Observação.

Em um dos corredores laterais estão grandes manchas formadas por pontos pretos feitos de adesivo vinílico (Poco a Poco, 2005). No corredor oposto, vê-se uma grande instalação composta de vários lápis, que retrata pessoas e três grandes janelas (Observation Plan, 2003). Vistas frente a frente, as duas criações interagem, os lápis apontam para os pingos pretos como se esses fossem resíduos deixados pelo grafite daqueles. No meio desse jogo de “ligue os pontos”, no salão central, estão duas obras que aludem a movimentos externos e internos, trajetórias física e psíquica. A escultura Parábola (2000) é uma montagem de pequenas peças de mármore, parece um jogo de dominó pronto para se esparramar pelo chão. A instabilidade delicada desta leva ao fluxo de cores em ondas de estopa da monumental Cinemagma (2000), incitando o espectador a penetrar em um mundo desconhecido, surrealista, caótico. É um mundo liquefeito e onírico para o qual Damasceno nos dá uma porta, de entrada ou de saída, a depender de quem observa. Ambos os trabalhos brincam com a ideia de jogo de memória para ligar nossos frágeis pensamentos e nossas emoções, agindo em um vai e vem de sensações internas e externas.

Plano de Observação evoca muitas dualidades e perspectivas, mexe com a imaginação do espectador, que não se vê obrigado a compreender os trabalhos de forma fechada, ao contrário, cai em um boa onda de fruição de obras abertas. Assim é com a instalação Mass Media para Modelar (You Are Such Stuff as Images Are Made On, 2001), que usa da imagem ambígua de sala de cinema e de aula. A lembrança da escola – cadeiras, lousa e massa de modelar – liga-se ainda aos lápis da instalação Observation Plan, e leva o sistema educacional para bem perto da indústria cultural, ambos modeladores sociais e comportamentais.

Universos paralelos, redes multidimensionais e múltiplos pontos de observação são formadores do que se chama realidade, no pensamento e na obra de José Damasceno. Para ele, as conexões se revelam de acordo com a posição e a perspectiva de cada um. A arte como definidora de percepção, pensamento e espaços em movimento é o desejo maior do artista, como ele próprio já apontou. O caos e a ordem, as imagens e quase imagens que vão e vêm, que por pouco não se formam. Eis a pulsação do painel Monitor-crayon (2012-15), feito de bastões de cera coloridos, que desafiam o olhar. E também desafia o espectador a pensar em variadas referências – pixels e pontilhismo, ciência e romantismo – que percorrem os trabalhos desta exposição de Damasceno, que merece um mergulho mais detido entre cores, formas, ideias e correlações entre as instalações.

O artista também participa de duas coletivas imperdíveis, no Rio e em São Paulo. Na capital fluminense, estará em cartaz na mostra Made in Brasil, na Casa Daros, até 9 de agosto. Damasceno joga aí em um time eclético e prestigiado, com Waltercio Caldas, Milton Machado, Vik Muniz, Cildo Meirelles, Antonio Dias, Miguel Rio Branco e Ernesto Neto.

Já na capital paulista, a exposição Imaterialidade, no SESC Belenzinho até 27 de setembro, reúne 22 obras assinadas por dez brasileiros e oito estrangeiros. Os trabalhos evocam a desmaterialização, a sublimação da matéria, ou o impalpável como elemento principal do trabalho. A lista dos convocados traz importantes artistas ao lado de Damasceno, entre eles os brasileiros Brígida Baltar, Carlito Carvalhosa, Fabiana de Barros & Michel Favre e Marcius Galan, e ainda os americanos Bruce Nauman e James Turrell, entre outros.

Veja abaixo imagens de obras exibidas na mostra:


Serviço – Plano de Observação
Até 26 de julho
Santander Cultural – Rua Sete de Setembro, 1028 – Centro Histórico – Porto Alegre/RS
(51) 3287.5500


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