“Quando se vê o Grupo Corpo dançando, é
como se as questões do trânsito entre a natureza
e a cultura estivessem sendo bem respondidas.
São os diversos Brasis, o passado e o futuro, o erudito e o popular, a herança estrangeira e a cor local, o urbano e o suburbano, tudo ao mesmo tempo sendo resolvido como arte. Arte brasileira. Arte do mundo.”
(Helena Katz, professora e crítica de dança)
Quando o engenheiro Manuel Barbosa chegou em casa no fim de semana, meados da década de 1970, após uma semana de trabalho no Rio de Janeiro, uma novidade o esperava: o croqui da sede própria do grupo de dança criado por seus filhos Paulo, Rodrigo, Pedro e Miriam, que nem 20 anos tinham ainda. A surpresa seria ainda maior quando ficou sabendo que o local escolhido era a casa em que ele e a mulher, Isabel Pederneiras, moravam com a família, no bairro da Serra, em Belo Horizonte.
Ainda nem bem refeito do susto, Barbosa – como era conhecido – reagiu de pronto: “Vocês estão ficando doidos, onde já se viu uma ideia absurda dessas? Conhecem alguém que consegue sobreviver de dança? Isso tem tudo para dar errado“, descartando de vez a proposta, para decepção geral. Isabel, no entanto, acalmou os meninos: “Deixem, falo novamente com ele”.
Dito e feito. No domingo, depois da missa matinal, a ideia não só foi reavaliada, como aprovada pelo patriarca. Tempos mais tarde, todos se mudaram e foram morar em um apartamento cujo aluguel deveria ser pago com os resultados do nascente empreendimento artístico – o que nunca foi feito, aliás, como lembram os irmãos Pederneiras.
Com o incentivo desse primeiro grande gesto de generosidade nasceu, em 1975, o Grupo Corpo, consagrado como uma das melhores companhias de dança do planeta. Com apenas um ano de vida, conheceu o sucesso internacional com a primeira peça (Maria, Maria), musicada por Milton Nascimento, roteiro de seu parceiro Fernando Brant e coreografia do argentino Oscar Araiz.
Paulo Pederneiras, diretor artístico da companhia, se lembra disso como o segundo fundamental ato de generosidade na vida do Corpo, uma particularidade que passou a se repetir na trajetória da companhia. “Milton e Brant já eram artistas consagrados na época, mas bastou um convite improvisado ao Fernando, que nem sabia quem eu era direito – nos conhecíamos, de passagem, do bar que frequentávamos –, para que tudo tivesse acontecido.”
Relações de amor sempre acompanharam o Grupo Corpo, como se atraídas por uma energia poderosa. No depoimento para um especial de TV registrando a memória da companhia, a matriarca Isabel Pederneiras deu um exemplo disso, citando que, em sua casa, a mesa ficava posta 24 horas por dia para receber os amigos dos filhos. “Lá sempre tinha umas dez pessoas comendo e bebendo, de dia ou de noite, mas, muitas vezes, nenhuma delas era algum dos meus meninos.”
Durante quatro décadas, gestos assim, como se fossem multiplicação do DNA Pederneiras, se tornaram constantes. Da primeira casa própria do grupo, da parceria inicial com Milton e Brant, passando pela elaboração gratuita do projeto arquitetônico da atual sede na capital mineira, pela forma como funciona a companhia, em todos os seus setores, tudo remete a um profundo sentimento de generosidade.
Mais exemplos: o projeto Corpo Cidadão, que abre perspectivas de contato com a dança e inserção à cidadania para quem mora nas periferias; o acesso de qualquer pessoa aos ensaios realizados no palco da sede; a forma respeitosa e afetiva como são tratadas as pessoas em todos os níveis da “família Corpo”. Outro: não existe hierarquia entre os bailarinos, o que se reflete diretamente no comprometimento com o sucesso de todos e no longo tempo que permanecem dançando na companhia.
“O ser humano é a nossa maior preocupação. Somos assim, meio socialistas na filosofia e no jeito de funcionar. Tanto é que os ganhos dos diretores do Corpo somente são reajustados se for possível aumentar também os de todo o pessoal, e os salários dos bailarinos são definidos em função do tempo de casa de cada um e não por critérios aleatórios”, diz Rodrigo Pederneiras, diretor e coreógrafo. “A seleção de novos integrantes envolve um respeito muito grande a quem se candidata. Hoje, isso é feito em pequenos grupos, em vez da audição de centenas de pessoas para, muitas vezes, escolher apenas uma delas. Com isso, evitamos um processo altamente estressante para todos, como era antes”, acrescenta.
História sintetizada
Foi sobre esse sólido alicerce, que combina generosidade, afeto, respeito, rigor técnico e competência artística, que o Grupo Corpo escreveu a sua bem-sucedida história de 40 anos, sintetizada no espetáculo Suíte Branca & Dança Sinfônica, com estreia prevista para este mês de agosto em Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro.
Uma parte do programa – Dança Sinfônica – busca o resgate do percurso da companhia por diversas formas. Começa com o cenário concebido por Paulo Pederneiras (uma montagem gigante com fotos amadoras registrando cenas de pessoas e fatos importantes em quatro décadas do grupo), passando pelos figurinos sempre ousados desenhados por Freusa Zechmeister.
Por fim, chega à retomada, pela quinta vez, da parceria do coreógrafo Rodrigo Pederneiras com a sonoridade única do músico Marco Antônio Guimarães e sua original UAKTI – Oficina Instrumental, desta vez associada à excelência da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Com 90 componentes, sob a condução do maestro Fabio Mechetti, a formação mineira, em apenas sete anos, está em patamar equiparável às mais importantes orquestras brasileiras de todos os tempos.
Já a outra parte – Suíte Branca –, que abre o espetáculo, é uma amostra do futuro e uma aposta em quem está chegando para construir os próximos anos da história da companhia. Remetendo a isso e ao próprio nome da peça, o cenário e os figurinos usam o branco, cor escolhida porque permite acentuar novas inscrições temáticas e induz ao ineditismo criativo. A autora é a jovem coreógrafa Cassi Abranches, ex-bailarina do Corpo de 2001 a 2013, associada ao responsável pela trilha musical, o vocalista, guitarrista e compositor Samuel Rosa e os companheiros da banda Skank, uma das melhores do País, e que pela primeira vez compõe para o balé.
“Ao receber o convite do Paulo e do Rodrigo (Pederneiras) para escrever a coreografia de Suíte Branca, além de feliz e lisonjeada, óbvio que fiquei bastante assustada. Mas, ao mesmo tempo, me senti completamente protegida por estar trabalhando junto a pessoas conhecidas e do meu afeto. Senti muita confiança deles em mim, não só por receber completa liberdade de criação, como pela escolha de alguém como o Samuel Rosa, que conversa com a minha geração e possui, como eu, uma atitude rock’n’roll”, disse Cassi, que tem em seu currículo criações para solos de ex-companheiros de Grupo Corpo, Ballet Jovem Palácio das Artes, Cia. Jovem Bolshoi Brasil, Cia. SESC de Dança e São Paulo Companhia de Dança.
Ela é a única não nativa no novo projeto da companhia nesse “retorno ao minério, ao espírito e às curvas de Minas Gerais”, como definiu o coreógrafo Rodrigo Pederneiras. Mas isso não a incomoda, pois Cassi se sente integrada ao Estado onde se casou e nasceram seus dois filhos, apesar de não esquecer suas raízes paulistas. “Continuo torcendo pelo meu Santos Futebol Clube, mas já tenho sotaque ‘mineirim’. Aprendi a gostar do Clube Atlético Mineiro e a gritar ‘Galôôô’.”
BELO HORIZONTE
5 a 9 de agosto – Quarta a domingo
Palácio das Artes – Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro
(31) 3236-7400
R$ 90 (inteira) – R$ 45 (meia)
Ingressos à venda na bilheteria do teatro
Venda online
SÃO PAULO
12 a 23 de agosto – Quarta a domingo
Teatro Alfa – Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722, Santo Amaro
(11) 5693-4000
Setores 1 e 2 R$ 130 – Setor 3 R$ 80 – Setor 4 R$ 50
Crianças de até 12 anos, idosos, estudantes e professores da Rede Pública de São Paulo pagam meia entrada. Também têm desconto de 50% na compra de até 2 ingressos, clientes do Cartão Petrobras e funcionários da empresa, mediante apresentação de crachá.
Venda na bilheteria do teatro de segunda a sábado das 11h às 19h, domingos das 11h às 17h,
e, em dias de espetáculo, até o início do mesmo.
Venda online
RIO DE JANEIRO
3 a 7 de setembro – Quinta a segunda
Theatro Municipal do Rio de Janeiro – Praça Floriano, sem número
(11) 2332-9191
Frisas e Camarotes R$ 720 (6 lugares) – Plateia e Balcão Nobre R$ 120 – Balcão Superior R$ 90 – Galeria R$ 60
Preços com desconto para Idosos, Estudantes e Deficientes (50%);
Assinantes AATM e Funcionários Públicos Estadual (10%)
Desconto de 50% na compra de até 2 ingressos para clientes do Cartão Petrobras e funcionários da empresa, mediante apresentação de crachá.
Vendas na bilheteria do TMRJ, das 10 às 18h, e, em dias de espetáculo, até o início do mesmo
Venda online
Deixe um comentário