Difícil detectar uma origem exata para a literatura de cordel. Há quem diga que a tradição vem desde os tempos dos povos bárbaros que formaram a Europa. O que se sabe é que surgiu por volta do século XVI na Península Ibérica e foi trazida ao Brasil pelos portugueses. Aqui, foi difundida principalmente na região Nordeste do País. No início, por intermédio de trovadores lendários, como Riachão, que é também personagem central de um dos primeiros libretos impressos de que se tem notícia por aqui, A Peleja de Riachão contra o Diabo, de Leandro Gomes de Barros. A partir do século XIX, é possível detectar uma grande produção de cordéis já com características locais, na forma e no conteúdo.
A arte, que nasce na tradição oral dos versos dos poetas cantantes e violeiros e ganha forma no trabalho impresso de maneira artesanal por xilogravuras, é vendida em feiras livres, onde é exposta pendurada em barbantes – daí vem o nome cordel -, acabou por se tornar uma das mais ricas manifestações de nosso povo. O personagem João Grilo, mais conhecido como protagonista do clássico O Auto da Compadecida, da obra de Ariano Suassuna, saiu da literatura de cordel. Aliás, o “amarelo muito do sabido” nasceu na Península Ibérica, e chegou aqui com os portugueses, onde ganhou características nossas. Antônio Gonçalves da Silva, o saudoso Patativa do Assaré, apesar de ter passado apenas seis meses na escola, foi honrado com o título doutor honoris causa em três universidades e sua obra é objeto de estudos na Sorbonne, na cadeira de Literatura Popular.
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O gravador e também poeta José Francisco Borges, conhecido como J. Borges, depois de descoberto por colecionadores e marchands estrangeiros, ganhou o mundo e tem participado de exposições internacionais, desde os anos 1970. Suas xilogravuras foram usadas na abertura da novela Roque Santeiro e o artista chegou a ser condecorado com a comenda da Ordem do Mérito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Com tanta importância, é de se estranhar que até meados da década de 1980, não existisse uma associação acadêmica dedicada a reunir os expoentes dessa tradição artística.
A odisseia da Academia Brasileira de Literatura de Cordel encontra no poeta, contista, ensaísta e presidente da instituição, Gonçalo Ferreira da Silva, seu protagonista. Localizada no bairro de Santa Tereza, na cidade do Rio de Janeiro, a academia representa um dos principais acervos de libretos de cordel do País. Possui um corpo acadêmico formado por 40 cadeiras, 25% deles, membros não radicados no Rio, um elaborado calendário acadêmico, apoio de outras instituições, além de uma sede própria. A jornada do herói remete ao final dos anos 1970, quando Gonçalo realizava estudos sobre cultura popular para a Casa de Cultura Rui Barbosa e, ao lado do pesquisador Sebastião Nunes da Silva, passou a frequentar a Feira de São Cristóvão. A partir daí, percebe a necessidade de reunir sob um mesmo teto, poetas, cantantes e pesquisadores para discutir e preservar esta que é uma das principais e mais antigas manifestações populares deste País. A academia foi fundada no ano de 1988, mais precisamente no dia 7 de setembro, e, na ocasião, tinha como membros Gonçalo, diretor; Apolônio Alves dos Santos, vice; e Hélio Dutra, diretor cultural.
As primeiras reuniões aconteceram no comitê eleitoral de um político carioca. Passadas as eleições, a instituição se viu desabrigada, com reuniões acontecendo em bares, lanchonetes e restaurantes, até que, graças a um convite de Abelardo Nunes, o grupo passou a se reunir numa sala da Federação das Academias de Letras do Brasil. A princípio, a ABLC era vista com ceticismo, chegando a ser alvo de chacota por parte do meio acadêmico. A ABLC passou a ter sua sede própria quando Humberto Peregrino, fundador da Casa de Cultura São Saruê, localizada também no bairro de Santa Teresa, grande amante da literatura de cordel e, na época, diretor da Biblioteca do Exército, teve a ideia de fundir o acervo da São Saruê com a Academia. A sede possui quatro pavimentos só de cordel e três salas de bibliotecas, além de uma loja especializada em literatura popular. Promove eventos, como palestras, cursos e oficinas de rima e xilogravura. A cada duas semanas, acontece em suas dependências o evento Encontros com poetas populares e rodas de cantoria, que busca colocar em contato com o público, poetas, cantantes e violeiros, com saraus animados nos quais sempre é possível ver uma boa peleja entre vates. Além de exemplares históricos, o espaço possui uma raridade em suas dependências. Um prelo do século XIX, que teria pertencido a Leandro Gomes de Barros, que, ao lado de João Martins de Athayde, é considerado um dos principais difusores do cordel no Nordeste do País.
Embora no formato, na métrica dos versos e nas xilogravuras existam certas regras estéticas, em relação ao conteúdo, a liberdade é total. Praticamente, tudo pode ser mote – como preferem os poetas – para um cordel. Fatos cotidianos, política, história, filosofia e até celebridades. Entre os temas mais explorados e vendidos estão as façanhas de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e o suicídio de Getúlio Vargas. Hoje, podem ser encontrados libretos sobre o atentado de 11 de setembro, Férias que Bin Laden passou em Natal; baile funk, Visita de Satanás a um Baile Funk; clonagem, Se o Clone for Aprovado, vou Mandar fazer o Dela, entre outros.
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