Lula tem condições para governar por oito anos, diz frei Betto

O teólogo Carlos Alberto Libânio Christo, conhecido como frei Betto, acaba de lançar dois livros: Paraíso perdido – Viagens ao mundo socialista, pela Editora Rocco – cumprindo uma promessa feita no prefácio do clássico Fidel e a Religião, de 1985 – e Um Deus muito humano – Um novo olhar sobre Jesus, pela Fontanar. O lançamento simultâneo aconteceu no início desta semana, em uma livraria de São Paulo, após dias turbulentos para a presidenta do País e para o seu partido, o PT. 

Amigo de Lula e Dilma, frei Betto demonstra preocupação quando, após uma longa conversa sobre Cuba – um dos seus assuntos preferidos – com a reportagem de Brasileiros, o assunto desemboca na crise política e econômica que o Brasil atravessa. Nas últimas semanas, a presidenta consolidou-se como a dirigente com a pior avaliação da história do País a partir das pesquisas de avaliação do instituto Datafolha, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB) rompeu com o Executivo e anunciou sua oposição à Dilma e um panelaço paralelo ao programa do PT em rede nacional mostrou claramente que os ânimos ainda estão acirrados. Neste domingo (16), uma manifestação convocada pela internet deve levar milhares de pessoas às ruas de algumas capitais do País novamente contra o governo.

“O PT continua em uma postura equivocada, uma postura acuada, sem fazer uma autocrítica e sem dar uma resposta às denúncias que fizeram ao partido”, diz frei Betto, lembrando das prisões recentes de membros do partido e do envolvimento direto no escândalo da Petrobras. No entanto, faz uma revelação: Lula está pronto para assumir nas próximas eleições, e não apenas para um mandato, que terminaria em 2022. A seguir, alguns trechos da entrevista do teólogo à Brasileiros sobre a política brasileira atual e sobre o futuro:

Como o senhor acompanhou as manifestações contrárias ao PT nos últimos meses?
Acho que o Brasil é uma nau sem rumo hoje. Infelizmente, o PT continua em uma postura equivocada, uma postura acuada, sem fazer uma autocrítica e sem dar uma resposta às denúncias que fizeram ao partido.Para piorar, a presidenta Dilma Rousseff acaba de terceirizar o governo ao transferir a gestão pública para as mãos do Michel Temer, do Eduardo Cunha e do Renan Calheiros. Eu prevejo quatro anos de muita turbulência. Infelizmente ainda, o ajuste fiscal só penaliza os pobres, e deixo claro que eu não sou contra o ajuste, mas era necessário tirar algo dos ricos, como tributos sobre grandes fortunas, sobre royalties, sobre transferências, e nada disso se fez. Acho que nada pior do que essa terceirização. Se não houver uma reação muito forte da sociedade, o Brasil vai pagar um preço altíssimo.

Em 2010, antes da eleição de Dilma Rousseff, o senhor escreveu um artigo na Folha de S. Paulo dizendo que ela seguiria a mesma direção de Lula. As coisas, no entanto, não foram bem assim: o próprio Lula já admitiu que ela seguiu outro caminho. Como o senhor vê o panorama do governo dela hoje?
Na verdade, ela não manteve o diálogo com os movimentos sociais como o Lula manteve, embora timidamente. O erro do governo do PT nesses 12 anos foi assegurar a governabilidade com duas pernas: o mercado e o Congresso. Ele deveria ter como perna principal os movimentos sociais, que garantiram as duas eleições de Lula e as da Dilma. A avaliação dos governos do PT, aliás, foram feitas por mim em dois livros: Mosca Azul e Calendário do Poder, ambos editados pela Rocco. Foram os melhores governos de nossa história republicana, porém com equívocos, como o de garantir primeiro os bens pessoais, como carro, celular, a chamada linha branca, e esqueceram-se dos bens sociais. No início do século XX, a Europa fez o contrário. Primeiro garantiu bens sociais, como transporte, saúde, educação, moradia, segurança, e então as pessoas chegaram, já qualificadas, aos bens pessoais. O Brasil fez o inverso e agora veio a conta. Não havia sustentabilidade econômica para garantir esse consumismo estimulado pelo PT. Há o mérito de ter permitido uma grande inclusão econômica e o demérito de não ter feito inclusão política. O PT está sendo vítima do fato de ter despolitizado a nação e, principalmente, a juventude.

Os movimentos sociais se enfraquecem quando o governo deixa de dialogar com eles?
Eles cometeram o erro – no início do governo Lula – de achar que o governo era uma grande vaca com uma teta para cada boca. Muitos acabaram se desmobilizando como se dissessem: “Agora que somos do governo, tudo vai correr bem”. Assim não aconteceu. Por outro lado, o governo cooptou alguns movimentos sociais, como a CUT e a UNE, que passaram a representar mais os interesses do governo junto às bases do que o contrário, como deveria ser. Agora, eles tentam se rearticular. Felizmente, o MST manteve-se distante, assim como o MTST de São Paulo também tem sua autonomia e é muito crítico. Deve continuar assim, porque eu aprendi nos meus anos de Planalto que o governo só funciona como feijão: sempre na panela de pressão.

A CUT está tendo dificuldades para convocar uma greve geral.
É verdade. É o que ela deveria fazer para se manifestar sobre esse projeto de terceirização do trabalho, mas não consegue por falta de diálogo com a base, falta de organização política. É como o PT, que tem mais filiados do que 2002, mas tem menos militantes. O resultado disso é que tem que ficar pagando cidadãos para ficarem nas esquinas distribuindo panfletos. 

Tem conversado com a presidenta?
Conversei em novembro, quando estivemos por cerca de uma hora e meia com ela. Leonardo Boff e outros amigos estavam. Entregamos um documento e tivemos uma boa conversa. Pena que tudo o que ela disse-nos que faria, ainda está devendo. Depois eu não falei mais.

E com o Lula?
Faz tempo que não o vejo, mas continuamos amigos.

Também acredita que as próximas eleições serão complicadas?
Sim, acredito. Ano que vem já será um termômetro, mas do jeito que o partido está hoje acho que o Lula precisa sair pelo Brasil, mostrar a cara, assim como a Dilma precisa dialogar com os movimentos sociais, responsáveis pela vitória dela. Eles estão acuados e isso pode ter um ônus eleitoral muito forte.

Lula seria a única pessoa que poderia manter o PT no poder?
Ah, sim. O Lula é o único candidato que o partido tem. O único que pode sair vitorioso. Não vejo nenhum outro quadro do PT, mas também é preciso deixar claro que não são conhecidos os outros candidatos. 

Ele teria condições de mais quatro anos na presidência?
Minha opinião mais íntima: não só quatro, mas oito. O Lula, dependendo dele, será o primeiro presidente a governar o País por 16 anos. Eu não sei se ele quer, mas a minha opinião é que ele só não será candidato em 2018 se ele morrer antes.

Mais grave ainda é quando o senhor disse que o partido abandonou seus três objetivos iniciais – ser ético, ser dos pobres e ser uma alternativa. Há um caminho de volta?
Se não fizer esse caminho vai se tornar um arremedo do PMDB. O partido precisa voltar urgentemente para a sua origem, que nos documentos iniciais apontavam para a utopia socialista. Não sei qual é o caminho, porque não sou do partido, mas tem que voltar, porque se continuar assim vai ser perigoso.