Humor sombrio

Prédio desativado do  4o Batalhão de Polícia do Exército, onde funcionou a prisão política - Foto: Julio Jacobina/ D.A Press
Prédio desativado do 4o Batalhão de Polícia do Exército, onde funcionou a prisão política – Foto: Julio Jacobina/ D.A Press

Seria risível, se não fosse trágico. Um antigo quartel da cidade pernambucana de Olinda foi rebatizado como colônia de férias para abrigar presos políticos durante a ditadura militar (1964-1985). Documentos oficiais depositados no Arquivo Público do Estado de Pernambuco mostram o que as Forças Armadas teimam em negar. Unidades militares foram adaptadas, na época da ditadura, para encarcerar presos políticos em centros de tortura. No caso específico dos documentos encontrados em Pernambuco, a unidade, instalada “em frente ao terminal do Bairro Novo”, recebeu o nome de Colônia de Férias de Olinda.

Os que pedem a volta dos militares ao comando do País, na certa, desconhecem os abusos cometidos no período. Um deles, o de permitir que essas unidades adotassem estatutos próprios. Só para ter ideia, já no dia 29 de abril de 1964, imediatamente após o golpe, portanto, o major do Exército Walter Moreira Lima, ao que tudo indica escolhido para dirigir o novo “estabelecimento”, fez publicar em papel timbrado da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Pernambuco, um “regulamento”, contendo 12 itens, que deveriam nortear o cotidiano da Colônia de Férias de Olinda.

O estatuto determinava, entre outras regras, que as visitas só seriam permitidas “mediante autorização por escrito do Exmo. Secretário de Segurança Pública”. Proibia a entrada de livros, jornais ou correspondência, a menos que o portador estivesse autorizado por escrito, também pelo secretário, o mesmo acontecendo com remédios, cigarros ou outros objetos. Estavam proibidas as brincadeiras de qualquer natureza. A faxina “dos alojamentos e sanitários” estaria a cargo dos detentos, “mediante escala do encarregado da prisão”, e deveria ser feita duas vezes ao dia. Note-se que eles próprios davam ao lugar o nome de “prisão”.

Com a expressão “Colônia de Férias  de Olinda” no título, o regulamento  (à esquerda) da cadeia impedia a entrada de correspondência, jornais  e livros. Visitas só eram permitidas  com autorização por escrito  do secretário da Segurança - Foto: Reprodução
Com a expressão “Colônia de Férias de Olinda” no título, o regulamento (à esquerda) da cadeia impedia a entrada de correspondência, jornais e livros. Visitas só eram permitidas com autorização por escrito do secretário da Segurança – Foto: Reprodução

O regulamento proibia, ainda, conversas com pessoas de fora, mesmo sendo da guarda. Estranhos só seriam tolerados “na presença da força”, e a conversa do visitante seria ouvida pelo guarda.

Cumprindo o estabelecido, foi dada à senhora Marieta José de Souza, esposa de José Francisco de Souza, “preso político” (a denominação é deles), o direito de visitá-lo “todas as quintas-feiras”. A licença foi concedida em meia folha de papel, encimada pelo timbre da Secretaria, e concluída com o nome datilografado do tenente-coronel Ivan Ruy Andrade de Oliveira, secretário de Segurança Pública do Estado de Pernambuco. Quem assina, em forma de garrancho, o papelucho, é um fulano de nome Juarez, que não se preocupou em deixar o sobrenome.

A área indicada em uma anotação encontrada na pasta que revela a existência da Colônia de Férias de Olinda é a mesma onde antes funcionou o 4o Batalhão de Polícia do Exército (BPE) de Olinda, próxima à Vila Militar. Há planos de que o espaço seja transformado em um shopping e, até mesmo, seja requisitado pelo Ministério da Educação (MEC), para que ali se erga uma unidade de um Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET). Qualquer fim dado à área será melhor do que o que lhe foi destinado no passado.


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