Do tráfico à traição – as faces de Pablo Escobar

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Pablo Escobar e o pequeno Juan Pablo – Foto: Reprodução/ Pablo Escobar, Meu Pai

O resgate da memória costuma revelar detalhes que se perderam no decorrer das décadas. Parece ser esse o principal objetivo de Juan Pablo Escobar ao contar a história de seu pai, no detalhado livro Pablo Escobar, Meu Pai. As quase 500 páginas escritas refletem um homem de posições fortes, veementes, de origem muito humilde e que procurou de todas as formas e ângulos atingir seu principal objetivo em vida: ficar rico.

Parece um sonho comum, uma mera ansiedade infantil que assola quase todos os desafortunados, mas Escobar via sua ambição financeira com olhos libertários de quem não aguenta mais ser encaixotado pela vida. Filho de uma professora e de um agricultor, praticamente nômades em um período em que a Colômbia vivia um grande déficit de moradia, Pablo Escobar sentiu na pele desde cedo o que a desigualdade social poderia proporcionar. Durante quase duas décadas seus pais peregrinaram de cidade em cidade abraçando oportunidades de emprego para não deixar a fome chegar à mesa.

Os pais de Escobar conseguiram se estabelecer somente em 1964, quando chegaram ao bairro pobre de La Paz, amparados pelo Instituto de Crédito Territorial – entidade do governo encarregada de construir moradias populares para famílias de baixa renda. As casas eram honestas, com formatos modelo e pequenos jardins com flores, porém sem água e luz.

Política

O gosto por política sempre foi uma das características marcantes de Pablo Escobar. Pouco tempo depois de chegar ao bairro de La Paz, Escobar, então com 15 anos, reformou um pequeno cômodo da casa transformando-o em uma pequena biblioteca, onde alojou seus clássicos prediletos, como textos de Vladimir Ilich Ulianov, Lênin e Mao-Tsé-tung. Juntamente aos livros, colocou um crânio de verdade. A história deste assustador apetrecho pode resumir como Escobar refutou todos as suas fraquezas:

“Grégory, um dia resolvi que ia enfrentar meus medos e decidi que o melhor a fazer seria entrar num cemitério à meia-noite e tirar um crânio de uma tumba. Depois de limpar, pintei a caveira e coloquei em cima da minha escrivaninha”, contou Escobar ao filho um dia.

Foto: Reprodução/ Pablo Escobar, Meu Pai
Foto: Reprodução/ Pablo Escobar, Meu Pai

Sua devoção ao pensamento político se entrelaçou com seus interesses no mundo do tráfico e, no fim dos anos 70, já como um grande expoente do comércio de cocaína, Escobar entendeu que sua entrada no jogo institucional seria uma alavanca para ter ainda mais poder.  Em 1979, Pablo conseguiu uma vaga na Câmara Municipal de Evingrado como suplente do dirigente William Vélez. Na ocasião, ele até tomou posse como vereador, mas compareceu apenas a duas sessões e cedeu o posto para um novo suplente.

Os políticos confiavam na força de Escobar devido a sua proximidade com o povo colombiano. O traficante já havia construído e iluminado diversas quadras e locais para práticas esportivas, além de centros de saúde. Escobar também foi responsável pela plantação de milhares de árvores em zonas totalmente degradadas de Medellín, Envigado e outros municípios do Valle de Aburrá.

As obras públicas realizadas por Escobar suscitam uma boa questão levantada por Juan Pablo durante o livro: apesar de estar submerso pela ilegalidade do tráfico de drogas, Escobar não desejava o mesmo futuro para os jovens da Colômbia e fazia as melhorias pensando, paradoxalmente, na perspectiva social das crianças e adolescentes.

O primeiro grande engajamento público de Escobar foi justamente contra o país que se tornaria seu inimigo número 1 e depois seria responsabilizado pela sua caçada e morte. Em 1970 a Colômbia firmou seu primeiro acordo de extradição com os Estados Unidos, o que deixou os mafiosos enfurecidos. Escobar então se engajou fortemente na luta contra a extradição e criou o Fórum Nacional de Extraditáveis, que chegou a reunir em um de seus encontros mais de 50 mafiosos provenientes de várias regiões da Colômbia.

Logo depois as pretensões políticas de Escobar aumentaram e ele aceitou apoiar a candidatura de Luis Carlos Galán do partido Novo Liberalismo. Ele levou a campanha tão a sério que proferia grandes discursos em cima de seu carro e se comprometia a ajudar os pobres das províncias de Envigado e Antioquia. Escobar então acelerou a construção de campos de futebol (já havia construído doze antes de apoiar Galán) e o plantio de árvores para dar uma resposta à população.

Escobar se desentendeu com Galán e saiu da campanha. Pouco tempo depois se aliou ao pequeno partido Alternativa Liberal e se candidatou à Câmara dos Deputados. Foi um dia depois do anúncio de sua candidatura que nasceu um de seus mais famosos projetos: o Medellín sin Tugurios. Escobar foi um dia visitar uma comunidade pobre  no bairro de Moravia que havia sido devastada por um incêndio. O traficante utilizou toda sua influência com a máfia para angariar fundos para a construção de moradias populares.

Em seu escritório, todos que chegavam para fazer negócios com Escobar eram recebidos com a seguinte pergunta: “Com quantas casas você vai colaborar comigo para darmos aos pobres? Quantas posso anotar? Diga logo!”. Só com o dinheiro proveniente da máfia Escobar conseguiu construir trezentas casas populares. Escobar foi eleito deputado suplente em 1982 e comemorou em grande estilo: uma viagem ao Brasil com muitas mulheres, festas e belas paisagens. Ele levou mais de vinte pessoas para o País e era necessário um ônibus para deslocar a família pelo Rio de Janeiro.

Excentricidades

A imensa e incalculável fortuna de Pablo Escobar refletia em uma gastança desordenada de dinheiro e na satisfação de todos os seus desejos peculiares. Sem dúvida seu ‘brinquedo particular’ mais caro e que mais lhe rendeu adversidades foi o zoológico que construiu em sua famosa Fazenda Nápoles. Para se inteirar sobre o assunto, simplesmente comprou a biblioteca inteira da National Geographic e escolheu as espécies que queria. Foi aos Estados Unidos e ordenou seu comparsa Alfredo Astado a comprar de algum zoólogico norte-americano zebras, dromedários, girafas, hipopótamos, búfalos, cangurus, flamingos, e outras aves exóticas.

Escobar negociou com os donos de um zoológico no Texas e não teve problemas em pagar 2 milhões de dólares por um grande pacote de animais. O primeiro grupo chegou de barco, mas Escobar achava as viagens muito demoradas e acabou optando posteriormente por aviões clandestinos. Em uma de suas viagens aos Estados Unidos, Escobar trouxe um casal de papagaios-negros de Miami por 400 mil dólares o que os tornou os animais mais caros da Fazenda Nápoles.

Escobar em seu helicóptero na Fazenda Nápoles - Foto: Reprodução/ Pablo Escobar, Meu Pai
Escobar em seu helicóptero na Fazenda Nápoles – Foto: Reprodução/ Pablo Escobar, Meu Pai

Em outro episódio de gastança desenfreada, Escobar viajou até o Rio de Janeiro, desta vez só em amigos, e hospedou-se no Copacabana Palace. As festas foram absurdas e quase quarenta mulheres entravam e saíam todos os dias das suítes dos comparsas mafiosos. Os garçons do hotel recebiam gorjetas em notas de 100 dólares e brigavam entre si para atender os hóspedes colombianos. Ainda no Rio eles alugaram seis Rolls Royce, foram até o estádio do Maracanã e adentraram o gramado com os veículos, passando pelo túnel onde entravam os jogadores. Não contente, Escobar trouxe ilegalmente desta viagem uma ararinha-azul para Nápoles.

Traição da família e morte

O livro expõe de forma detalhada como a própria família de Pablo Escobar se incumbiu de se associar ao governo norte-americano no objetivo de destruir a vida do traficante. Seu irmão, Roberto Escobar, já no início do que se tornaria a incessante “Guerra às Drogas”, possuía uma forte ligação com autoridades norte-americanas, principalmente com o DEA (agência especial do governo para repressão às drogas). Pouco tempo depois da morte de Escobar, em 1993, Juan Pablo foi tentar se refugiar na Embaixada dos Estados Unidos, por ordem de Roberto, e lá descobriu toda a participação do tio nos fatos que culminaram na morte de seu pai.

Logo quando encontrou Joe Toft, diretor do DEA para a América Latina, Juan Pablo percebeu que aquilo não passava de mais uma armadilha. Toft disse que só ajudaria o garoto, então com 16 anos, se ele ‘colaborasse’ com as investigações e entregasse todos os documentos e informações que tinha sobre seu pai. Juan Pablo percebeu aí que não poderia contar com a ajuda de nenhum tipo de autoridade, seja ela colombiana ou norte-americana.

Poucos meses depois veio a confirmação de que Roberto estava participando de uma trama política gigante, envolvendo tanto o governo dos Estados Unidos e o DEA. O tio de Juan Pablo havia conseguido um visto para o país norte-americano entregando diversas informações sobre Pablo Escobar e achava que seu sobrinho estava disposto a fazer o mesmo. Assim, Roberto Escobar costurou mais um acordo no qual pedia para Juan Pablo e sua mãe escreverem um livro mencionando uma ligação entre Pablo Escobar e o chefe da inteligência do governo Fujimori no Peru.

Juan Pablo se sentiu muito incomodado e rechaçou completamente a possibilidade de escrever e publicar algo mentiroso para conseguir um visto para os Estados Unidos. A ficha caiu para Juan Pablo quando soube que a mãe de Escobar, Hermilda, e sua tia Alba Marina foram passar férias em Nova York um tempo depois da morte do traficante.

“Como era possível que minha avó estivesse nos Estados Unidos sete meses após a morte de meu pai, se até onde eu sabia todos os vistos das famílias Escobar e Henao haviam sido cancelados?”, indaga Juan Pablo no livro.

Apesar do esforço dos agentes norte-americanos, aliados à agência de inteligência da Colômbia e suas polícias, Pablo Escobar se suicidou em 1993 de acordo com seu filho. Em mais um episódio da guerra ao tráfico, Escobar teria sido encurralado tanto por policiais quanto por inimigos do cartel e se suicidou para não ser capturado. Juan Pablo argumenta que o pai falava abertamente de suicídio e até teria contratado um médico para lhe explicar onde deveria dar um tiro para ser fatal. 

O grande mérito do autor na obra é deixar de lado todo e qualquer julgamento moral da vida de Pablo Escobar, se afastando dos estereótipos frequentemente reproduzidos. Juan Pablo consegue explanar de forma isenta e sensata a história de seu pai sem determinar o que é certo e o que é errado. Mais do que humanizar as atrocidades cometidas por Pablo Escobar, Juan Pablo sugere ao leitor uma crítica mais profunda e estruturada, revelando as mazelas da sociedade colombiana e todas as imperfeições sociais do país que gera a cada dia mais indivíduos dispostos a entrar no mundo da criminalidade para ter e oferecer condições materiais melhores.

Serviço – Livro “Pablo Escobar, Meu Pai”
Autor: Juan Pablo Escobar
Editora: Planeta
Páginas: 497


Comentários

3 respostas para “Do tráfico à traição – as faces de Pablo Escobar”

  1. Avatar de Heidumacson Santos de Macedo
    Heidumacson Santos de Macedo

    Já assisti duas vezes a série, pesquisei e me aprofundei na história de Escobar. Claro que não é exemplo pra ninguém mas é inegável a inteligência e poderio do El Patron…

  2. Avatar de Marcos José Ferreira de aguilar
    Marcos José Ferreira de aguilar

    Sempre leio a história de pablo escobar na Internet,i ja assistir tres veses a serie o senhor do tráfico,i sem dúvidas gostei de mais,i agora queria saber como faço pra conseguir o livro escrito

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