O PSDB de Aécio Neves convocou os protestos em inserções no horário de propaganda eleitoral no rádio e na tevê. Foto: Agência Brasil
O PSDB de Aécio Neves convocou os protestos em inserções no horário de propaganda eleitoral no rádio e na tevê.          Foto: Agência Brasil

Quando assumiu por três dias a Presidência da República, Aécio Neves usou uma antiga caneta-tinteiro Parker para assinar os despachos. Era junho de 2001. Aécio presidia a Câmara dos Deputados. Terceiro na linha de sucessão, ele ocupou o principal gabinete do Palácio do Planalto durante a viagem à Bolívia do presidente Fernando Henrique Cardoso e do vice Marco Maciel. A caneta havia sido reservada por seu avô, Tancredo Neves, para assinar a própria posse como presidente da República. Ficou na intenção. Tancredo morreu antes de assumir o cargo, em abril de 1985. Ele, por sua vez, tinha recebido a caneta do presidente Getúlio Vargas, em agosto de 1954, pela lealdade no auge de uma das mais graves crises políticas do País. A peça é emblemática. Pressionado pela oposição a renunciar, Getúlio presenteou Tancredo com a Parker poucas horas antes de se matar.

Com postura contrária à do avô, de quem foi secretário, Aécio destaca-se como um dos mais ruidosos oponentes do governo Dilma e tudo que ele representa, a começar pela possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser candidato em 2018. Inconformado em perder as últimas eleições presidenciais, o presidente do PSDB não para de atacar. Em momento de acentuada crise na política e na economia, ele parece apostar no quanto pior, melhor. E não está sozinho. O jogo pesado das oposições é plural e vem de longe. Mais de sete décadas passaram-se desde que Getúlio optou por não sair vivo do Palácio do Catete. Exceto pelo período de 21 anos da ditadura militar – que poucos ousaram enfrentar –, a ferocidade vem marcando a atuação das forças oposicionistas no Brasil.

Antes e depois da ditadura, as oposições extrapolaram no papel de criticar, apontar falhas, exigir correções, apresentar-se como alternativa e disputar o poder. Em alguns momentos, ultrapassaram os limites da legalidade. Sucessor de Getúlio, Juscelino Kubitschek precisou sufocar uma tentativa de golpe para tomar posse. João Goulart foi deposto por um golpe civil-militar e Fernando Collor renunciou ante a possibilidade de sofrer impeachment. Não por acaso, a presidenta Dilma repetiu, em recente encontro reservado, o comentário que fez logo depois de ser reeleita, quando o PSDB pediu a recontagem dos votos e começou a operar por seu afastamento: “Eu não sou Getúlio, não sou Jango, não sou Collor. Não vou me suicidar, não faço acordo, não renuncio”.

Em dois dos três momentos políticos citados por Dilma, a oposição usou investigações de crimes a seu favor. Os oponentes da presidenta também exploram ao máximo a repercussão da Operação Lava Jato, que agora avança sobre o setor elétrico. Nem todos os envolvidos no caso são vinculados ao PT, mas dos quadros do partido saíram figuras vinculadas ao mega esquema de corrupção. Dos quadros do PT também saiu e continua saindo fogo amigo. A oposição interna à Dilma é antiga. Começou quando Lula a escolheu para disputar a Presidência, em 2008, e aumentou ainda mais no segundo mandato, na sequência da guinada que ela promoveu na política econômica. Como se não bastasse, a dificuldade da presidenta em assumir os próprios erros ajuda a tumultuar o cenário.

Ao fazer referência a Getúlio, Jango e Collor, Dilma demonstra ter dimensão do problema que tem pela frente. No caso de Getúlio, um movimento militar já se articulava para afastá-lo do poder quando o jornalista Carlos Lacerda, porta-voz da oposição conservadora, sofreu um atentado a tiros. O oficial da Aeronáutica que acompanhava Lacerda, major Rubens Florentino Vaz, morreu na hora. Quando soube do crime, Getúlio percebeu a gravidade da situação, como mostra mensagem que enviou ao líder do governo na Câmara: “Meu inimigo número 1 era Carlos Lacerda. Agora, passou a ser o homem que atentou contra a sua vida e assassinou esse jovem oficial da Aeronáutica”.

Não demoraram a surgir indícios vinculando o crime a integrantes da guarda pessoal do presidente. Como uma arma de calibre 45, privativa das Forças Armadas, tinha sido usada no tiroteio, a Aeronáutica tratou de instalar um Inquérito Policial-Militar (IPM) para investigar o atentado, na Base Aérea do Galeão. Daí em diante, as forças antigetulistas só precisaram recrudescer um pouco mais a campanha contra o presidente, que incluía denúncias de corrupção no governo. Ganharam tanto poder que ficaram conhecidas como República do Galeão.

Quando reuniram provas sobre a participação no atentado de Gregório Fortunato, chefe da guarda presidencial, os militares deram o ultimato para Getúlio renunciar. De seu jornal, Tribuna da Imprensa, Carlos Lacerda vociferava contra o governo, que classificava como “mar de lama”. A oposição desmedida do jornalista a Getúlio havia começado muito antes, como ele deixou claro durante a campanha presidencial de 1950: “O senhor Getúlio Vargas não deve ser candidato à Presidência; candidato, não deve ser eleito; eleito, não deve tomar posse; empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”.

Quatro anos depois, os opositores de Getúlio tentaram transformar a investigação do atentado contra Lacerda em oportunidade para derrubá-lo. Acabou em tragédia, como havia anunciado na véspera do suicídio a manchete do jornal pró-governo Última Hora: “Getúlio ao Povo: Só Morto Sairei do Catete”. À medida que a notícia de sua morte se espalhou, uma multidão em prantos ocupou as ruas do Rio de Janeiro. Os mais exaltados empastelaram as oficinas de jornais que faziam oposição a Getúlio. Afinal, ele era o “pai dos pobres”, o homem que garantira os direitos trabalhistas, defendera interesses nacionais e criara empresas como a Companhia Siderúrgica Nacional, a Vale do Rio Doce e a Petrobras.

A comoção provocada pela morte de Getúlio retardou a ofensiva golpista dos conservadores em dez anos. No começo dos anos 1960, os mesmos setores que se opuseram ao governo Getúlio tentaram impedir a posse de seu ex-ministro do Trabalho João Goulart. Conhecido como Jango, ele ocupava a esquerda do espectro político da época e estava em viagem oficial à China quando o presidente Jânio Quadros renunciou, alegando que “forças terríveis” haviam se levantado contra ele. Para que o vice Jango ocupasse o Palácio do Planalto, as oposições impuseram até uma troca do sistema presidencialista pelo parlamentarista.

No governo, Jango não teve folga. De um lado, não conseguia superar uma crise econômica que baixava o índice de crescimento e aumentava o de inflação. Por outro, Jango enfrentava movimentos conspiratórios da mesma direita que tentara impedir a posse dele. Tudo isso em um cenário de intensa interferência americana em assuntos internos do Brasil, no contexto da Guerra Fria, a disputa geopolítica que dividiu o mundo em dois blocos entre o fim da Segunda Guerra Mundial (1945) e a extinção da União Soviética (1991).

Um dos principais argumentos do bloco liderado pelos Estados Unidos para classificar Jango como “comunista” prestes a implantar uma “república sindicalista” no País foi o fato de ele ter assinado uma lei que limitava as remessas para o Exterior dos lucros de empresas estrangeiras que operavam no Brasil. Na prática, Jango tentava equilibrar-se entre as forças de centro e de esquerda, em busca de apoio para implantar as chamadas reformas de base, que começariam com a reforma agrária. As elites estrilaram. Um dos expoentes civis da oposição a Jango era o então governador da Guanabara, o jornalista Carlos Lacerda, aquele da crise que culminou com a morte de Getúlio.

Jango acabou deposto por um golpe civil-militar referendado pelo Congresso Nacional, que declarou vaga a Presidência da República na madrugada de 2 de abril de 1964, quando ele ainda estava em território nacional. A queda foi celebrada nas manchetes de jornal. Nenhuma surpresa. Na primeira linha da oposição, a imprensa da época teve papel imprescindível na derrubada do presidente. Quase 50 anos depois, levantamento do historiador Luiz Antonio Dias, da PUC de São Paulo, mostrou que pesquisas feitas pelo Ibope às vésperas da derrubada de Jango não correspondiam à imagem de presidente fraco e isolado, divulgada pela imprensa da época. Pelas pesquisas, Jango tinha altos índices de aprovação.

Dilma, pelo contrário, amarga índices cada vez mais baixos de popularidade. De acordo com recente pesquisa Ibope, apenas 9% dos brasileiros consideram o governo ótimo ou bom, enquanto 68% dizem que é ruim ou péssimo. Mas, como Jango, ela enfrenta hostilidade do Congresso e oposição cerrada da maior parte da imprensa. A postura fica evidente em estudo diário feito pelo site Manchetômetro, do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Pela análise, as manchetes de capa dos três maiores jornais do País (Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo e O Globo) são marcadas pelo viés negativo das notícias relativas à Dilma, ao governo federal e ao PT. O levantamento também mostra que editoriais e artigos de opinião são ainda mais enviesados.

Com Fernando Collor aconteceu o oposto. Ele foi tratado com toda pompa e circunstância pela grande imprensa desde que anunciou sua candidatura ao Palácio do Planalto. Afinal, Collor havia entrado na campanha graças à fama de “caçador de marajás”, conquistada à frente do governo de Alagoas. O encantamento durou pouco. Hoje senador investigado pela Operação Lava Jato, ele estava há menos de um ano no Palácio do Planalto quando começou a vir à tona o esquema de corrupção de seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, mais conhecido como PC Farias.

Na oposição, o PT foi incansável. Atuou tanto no Congresso quanto fora dele, durante as investigações que provocaram o afastamento do presidente, em setembro de 1992. Na Câmara dos Deputados, uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi criada logo depois de o irmão mais novo do presidente, o empresário Pedro Collor, contar em entrevista à revista Veja que PC Farias era, na verdade, testa de ferro de Collor. Duas semanas antes, a mesma revista havia publicado declarações de renda do tesoureiro, obtidas de forma irregular. Para que a publicação dos documentos não configurasse crime, Veja recorreu justamente a um parlamentar do partido que se destacava pela oposição a Collor, o deputado petista José Dirceu.

Pela versão que ficou para a história, José Dirceu recebeu as declarações de forma anônima. Na sequência, fez um pedido de investigação e anexou os documentos, tornando-os públicos. No final do mês seguinte, a revista IstoÉ chegou às bancas com reportagem e entrevista do motorista Eriberto França mostrando que PC Farias pagava as despesas de Collor, fechando o cerco ao presidente. Mais um mês e, no domingo 16 de agosto de 1992, manifestantes saíram às ruas de todo o País. Marcado pelo uso de roupas, tarjas e bandeiras negras, o protesto contra Collor foi o prenúncio do fim.

Vinte e três anos depois, o dia 16 de agosto também cai em um domingo. No embalo da coincidência, grupos contrários ao governo Dilma, como o Vem Pra Rua, o Movimento Brasil Livre e o Revoltados Online, tentam repetir a façanha de 1992. Contam com o apoio do PSDB de Aécio Neves, que usou o tempo de propaganda partidária no rádio e na tevê para convocar a população para os protestos. É a oposição em movimento. Em suas fileiras perfilam de integrantes da direita ideológica, como a bancada evangélica; à direita mais extrema, que defende a volta dos militares; passando por cidadãos sem vínculos político-partidários que simplesmente querem um Brasil melhor.

Para as oposições, aprofundar o desgaste da presidenta é a melhor alternativa para a crise político-econômica. Parte delas quer ver Dilma “sangrar” até o fim do mandato, como expressou o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira. Outro tanto quer a troca de comando no Planalto. Não por acaso, há pelo menos 12 pedidos de abertura de processo de impeachment protocolados no Congresso. Na prática, dois fatores podem complicar a vida da presidenta. Ambos têm desdobramentos previstos para agosto. O primeiro fator diz respeito ao Tribunal de Contas da União (TCU), que decide se há ou não irregularidades na prestação de contas de 2014. O foco são as “pedaladas fiscais”, as manobras contábeis que o governo afirma serem regulares e adotadas desde os tempos de Fernando Henrique.

O outro fator que pode complicar a vida da presidenta está vinculado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que investiga se houve financiamento irregular na campanha de Dilma de 2014. Um dos delatores da Lava Jato, o empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, garante que uma doação legal de R$ 7,5 milhões à campanha era, na verdade, propina. As duas opções têm poucas chances, mas podem prosperar. Ao final de ambas paira uma figura nefasta – o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). No caso do TCU, caberia a ele decidir se leva ao não um pedido de impeachment ao plenário. Se Dilma for afastada, o vice Michel Temer assume o poder. Em caso de encrenca no TSE, tanto Dilma quanto Temer perdem o mandato. Cunha assumiria a Presidência por 90 dias, para depois convocar novas eleições. 


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