Quem já teve algum problema cardíaco ou pertence ao grupo de pessoas com algum risco de desenvolver doenças do coração provavelmente conhece a sensação de terminar a consulta com o cardiologista sem saber o que fazer da vida
No mínimo, o paciente sai do consultório com o dever de casa de mudar a alimentação e ser menos sedentário, parar de fumar, dormir melhor e evitar o estresse. Não é raro também que tudo isso venha junto com uma lista adicional de remédios para serem tomados diariamente. Uau, haja fôlego!
Bem, a baixa aderência aos tratamentos cardiológicos mostra que esse pacote de medidas tende a deixar os pacientes assustados. Uma revisão de estudos publicada em janeiro deste ano no periódico British Medical Journal (BMJ) situa entre 40% e 75% o percentual de “indisciplinados” – aqueles que voltam pra casa e dão adeus aos conselhos do médico.
Não deveriam. Uma a cada três mortes registradas no mundo atualmente é atribuída às doenças cardíacas, o que dá a esse rol de enfermidades o posto de principal causa de morte no planeta, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa realidade é ainda mais alarmante se considerado um outro recado da própria OMS: A maior parte dessas mortes poderia ser evitada se os pacientes conseguissem aplicar aquelas recomendações feitas pelo médico: parar de fumar, melhorar a alimentação, exercitar-se.
Por isso, nos últimos anos vem ganhando destaque dentro da cardiologia uma linha chamada cardiologia comportamental. Como o nome sugere, seu principal objetivo é ajudar o paciente a encarar a realidade da doença cardíaca e fazer as mudanças de comportamento necessárias, antes que seja tarde demais.
“Nós sabemos que não é fácil fazer e manter todas essas mudanças, por isso ajudamos com estratégias”, explicou a Saúde!Brasileiros o psicólogo e pesquisador Rob Nolan, diretor da unidade de pesquisa em saúde digital e cardiologia comportamental do centro cardiológico Peter Munk, no Canadá, e um dos nomes de destaque na área.
Doutor psicólogo?
A formação de Nolan dá uma pista no primeiro ponto em que a cardiologia comportamental difere da abordagem tradicional. Ela prioriza grupos de profissionais transdisciplinares, com destaque para a inclusão de gente da área de saúde mental no atendimento ao paciente.
“Muitas pessoas se sentem desconfortáveis com a ideia de ir ao psicólogo, pensando que vamos analisar suas mentes. Na cardiologia comportamental, nosso principal interesse é criar estratégias para lidar com o stress ou a depressão ou montar um plano para as mudanças de estilo de vida que o paciente consiga fazer”, conta Nolan.
Nada de divã, nem de relatos de experiências traumáticas da infância. O que Nolan e sua equipe querem é entender o que o paciente está achando complicado no tratamento. Tem se esquecido de tomar os remédios? Que tal levá-los sempre em uma caixinha? Anda muito estressado? Com o quê? Como controlar esse estresse para que ele não vire tensão sobre o coração?
Entre as ferramentas usadas por Nolan estão: técnicas de biofeedback (usadas para ensinar a pessoa a identificar e a controlar funções fisiológicas do corpo, como os batimentos cardíacos), mensagens motivacionais, ajuda para lidar com as emoções e uma plataforma digital, usada no cotidiano do paciente, que combina monitoramento da saúde e educação.
“Costumo dizer que nós ajudamos o paciente a se sentir mais preparado e confiante para promover e manter as mudanças que ele precisa realizar em seu estilo de vida”, diz Nolan, que atualmente está coordenando uma análise clínica no Canadá para determinar melhor qual é o impacto dessa técnica sobre a saúde cardiovascular.
Mais fatores negativos
A cardiologia comportamental pode e deve ser usada por todos, mas ganha especial importância entre pacientes que estão passando por situações de estresse, ansiedade ou depressão.
A coexistência entre esses problemas e doenças do coração é algo comum, que acomete entre 25 e 30% dos pacientes cardíacos. Não se sabe ainda até que ponto há uma relação causa-efeito entre elas, mas, como destaca Nolan, há boas evidências científicas para o fato de que esses quadros psicológicos influenciam na pressão sanguínea, que por sua vez deve estar sob controle nos pacientes de risco.
Além disso, não há dúvidas de que a depressão dificulta a boa alimentação, o exercício e o bem-estar. Daí a importância de agir sobre esses problemas. Uma habilidade que o cardiologista, sozinho, nem sempre terá.
“Pela minha experiência clínica, os cardiologistas sentem um alívio ao saber que terão uma equipe para ajudar o paciente. Não que os cardiologistas não o façam, mas eles têm muitas tarefas para cumprir e sua principal função é escolher o melhor tratamento médico para o paciente”, esclarece Nolan. É esse ouvido atento e um olhar interdisciplinar que as equipes de cardiologia comportamental vêm oferecer.
Uma técnica nova
No Brasil, a cardiologia comportamental ainda é algo novo, que começa a despertar interesse. Recentemente foi criado um grupo para debater o tema dentro da Sociedade Brasileira de Cardiologia, coordenado pelo médico Mauricio Wajngarten, do Hospital Israelita Albert Einstein e do Instituto do Coração da Universidade de São Paulo (InCor/FMUSP). Além disso, o assunto fará parte do próximo Congresso Brasileiro de Cardiologia, que acontece em setembro.
Para Wajngarten, o grande diferencial dessa nova roupagem da cardiologia é o seu enfoque em envolver o paciente no tratamento. “É um processo, de certo modo, comparável ao tratamento dependência química. O sujeito deve estar disposto a atuar”, explica o cardiologista. O médico argumenta ainda que mudar comportamentos é complexo, porque envolve aspectos individuais, culturais e ambientais, entre outros. Para ele, “é importante compor um verdadeiro time de cuidados colaborativos envolvendo os profissionais da saúde, o sujeito e a família”.
Protásio Lemos Luz, professor emérito e pesquisador do InCor, acredita que essa nova abordagem pode reaproximar médicos e pacientes. Para ele, os médicos, de modo geral, têm se afastado cada vez mais de pacientes, substituindo o contato direto e as conversas por exames e aparelhos de alta tecnologia nem sempre necessários. “Quando queremos que a pessoa tenha uma vida mais saudável, o apoio de um psicólogo tem grande importância nesse aspecto dos diálogos”, explica.
No Hospital Albert Einstein, em São Paulo, a cardiologia comportamental já saiu do papel para a prática. No serviço de check-up do hospital, que atende principalmente funcionários de empresas, uma equipe multiprofissional com essa abordagem acompanha os pacientes. O cardiologista Marcelo Katz, coordenador do serviço, a nova mudança de paradigma é que não se olhe apenas para a saúde do coração, mas também para a saúde mental das pessoa. “Discutir os casos com profissionais de diferentes especialidades permite uma visão mais global do paciente e seu processo. Isso só tem a contribuir para a melhora do paciente”.
Deixe um comentário