Conhecemos pouco os livros da biblioteca de Karl Marx. Sua vida atribulada o fez deixar para trás inúmeros exemplares. Por outro lado, comprava nos sebos velhos livros para reler. Sabemos disso, por exemplo, quando, já na maturidade, comprou a Lógica, de Hegel, livro que obviamente já havia estudado muito na juventude.
Alguns de seus exemplares foram mantidos após sua morte, mas espalhados em uma biblioteca operária. De seus livros de juventude, conhecemos ainda menos. Ele os perdeu mais de uma vez!
Marx nasceu em uma cidade que “respirava” história. Trier havia sido a sede do Império Romano já na Antiguidade declinante. A planta da cidade romana registra edifícios imponentes: uma basílica do século IV, o fórum, as termas imperiais, o Templo de Marte e a Porta Nigra, à sombra da qual o jovem Marx brincou. Cidade de 15 mil habitantes, situada no Vale do Mosela, cercada por vinhas… E na Rua dos Romanos, a morada de Jenny Von Westphalen, sua futura esposa.
Com seu sogro, Marx caminhava discutindo e recitando Shakespeare e Dante. São os que, ao lado de Ésquilo e Goethe, compõem o quarteto de autores que ele mais admirou
Entretanto, não podemos esquecer que a Renânia (onde Trier situava-se) foi francesa durante o domínio napoleônico. A ascendência cultural da França persistiu no lar do jovem Marx. Na biblioteca de seu pai, havia várias obras de Voltaire e Rousseau. Com seu sogro, Marx caminhava discutindo e recitando Shakespeare e Dante. São os que, ao lado de Ésquilo e Goethe, compõem o quarteto de autores que ele mais admirou. Talvez, devêssemos acrescentar Heinrich Heine, de quem ele foi contemporâneo e amigo. E Balzac, a quem ele e Engels consideravam revelar mais da sociedade após a Revolução Francesa do que qualquer historiador.
Foi na França que Marx “descobriu” o proletariado e a luta de classes. Ambos os conceitos combinaram-se: o proletariado herdou a tarefa histórica de empreender a luta para libertar-se a si mesmo e a humanidade. Mas a descoberta veio com os livros. Um deles escrito em alemão pelo economista e historiador do movimento socialista Lorenz von Stein, Der Sozialismus und Kommunismus des heutigen Frankreich (O socialismo e o comunismo na França atual). O livro foi editado em Leipzig, em 1842, e reeditado em 1847.
É verdade que a luta de classes foi “descoberta” antes pelos historiadores franceses. Marx já estudara a Revolução Francesa bem como seus historiadores liberais, como o mostram seus cadernos de anotações de leituras dos anos 1830-40. Ele também conhecia a obra de Filippo Buonarroti sobre a conspiração dos iguais de Gracus Babeuf e tinha sido amigo de Köppen, a quem se devem vários estudos históricos, um deles dedicado a Karl Marx.
Quando ingressou na Liga dos Justos, formada por artesãos comunistas de vários países europeus, Marx ajudou a consolidar um círculo de correspondência. Era uma rede social de troca de informações, livros e ideias. Assim começava uma nova organização política…
*Professor de História Contemporânea na Universidade de São Paulo.
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