A ONG Anistia Internacional lança nesta segunda-feira (7), em Londres, um manual inédito que tem por objetivo mostrar às autoridades de todo o mundo como implementar princípios internacionais do uso da força e das armas de fogo por agentes da segurança pública. O evento marca os 25 anos de adoção dos Princípios Básicos da Organização das Nações Unidas (ONU). Esses princípios servem como orientação para o uso da força e das armas de fogo pelas polícias.
Apesar de haver essa referência internacional, o assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional, Alexandre Ciconello, disse à Agência Brasil que nesses 25 anos foram registrados poucos avanços em termos da implementação desses princípios pelos países.
Analisando relações de direitos por parte das polícias em várias nações, a ONG percebeu que era necessário criar um manual ou guia que pudesse detalhar como os governos podem implementar, na prática, esses princípios da ONU “e, realmente, limitar o uso excessivo da força e de armas de fogo pela polícia, indicando em que circunstâncias isso pode ocorrer, quais os mecanismos de prestação de contas”.
Segundo Ciconello, há uma série de protocolos que não está ainda devidamente implementada na legislação dos países. Uma primeira medida sugerida no manual é que essas regras sejam reguladas por lei. Para o assessor, os Princípios da ONU não são um tratado internacional e, por isso, não têm força normativa. Trata-se de uma orientação que deve ser adotada pela legislação dos países.
Ciconello disse que no Brasil não existe uma legislação nacional que adote os princípios internacionais sobre o uso da força dos agentes de segurança. “Isso não existe nem na legislação nacional, nem nas legislações estaduais”. É preciso, de acordo com ele, incorporar na lei esses princípios mundiais. O que há, completou, são manuais internos que, “muitas vezes, não são transparentes. Mas não há uma lei que regule, que seja pública e possa ser discutida com a sociedade”, disse.
O Brasil é considerado um dos países que têm muitos casos em que a polícia usa a força de forma excessiva e desproporcional, ocasionando muitas mortes e abusos. Por isso, a iniciativa da Anistia Internacional é importante, afirmou o assessor de Direitos Humanos da ONG. Ele entende que os gestores brasileiros, a Secretaria de Segurança Pública, o Ministério da Justiça e o Congresso Nacional deveriam deixar mais claro e incorporar na lei e nos regulamentos das polícias as normas da ONU de uso da força.
O relatório de agosto da Anistia Internacional mostra que nos últimos dez anos (de 2005 a 2014), 8.466 pessoas foram vítimas de homicídios cometidos pela polícia no estado do Rio de Janeiro, onde existem dados disponíveis. Em outras unidades da Federação, segundo ele, há dificuldade de se obter informações sobre a letalidade provocada pela polícia. “Uma letalidade alta assim pressupõe que a força está sendo usada de forma desproporcional. Não é comum polícias em outros países terem um índice de letalidade tão alto como acontece no Brasil”.
De acordo com Ciconello, o Brasil precisa melhorar as informações nessa área, ter mais transparência, e isso o manual pode ajudar. “É preciso ter transparência para saber o que está ocorrendo e, depois, se tiver excessos, o próprio gestor e o policial têm de ser responsabilizados. Isso é algo que ainda falta muito no Brasil”. Ele ressaltou que essa deficiência ocorre também em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, por exemplo, em que a maioria dos 50 estados não tem incorporadas, na lei, normas de uso da força pela polícia.
A Anistia Internacional considera que na reação a manifestações públicas, a polícia prefere, muitas vezes, usar a força, em vez de buscar uma resolução pacífica para o conflito. Os Princípios Básicos da ONU têm recomendações específicas para esses eventos.
O manual traz dados de 58 países, onde foram coletados exemplos de leis, regulamentos internos e documentos da própria polícia, “para entender quais são as táticas hoje e como se pode avançar nessa área”. O objetivo é que a polícia dê prioridade máxima ao respeito e proteção da vida e da integridade física das pessoas, afirmou Alexandre Ciconello.
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