A estreia solo de Helio Flanders: “É diferente quando é tudo só no seu nome”

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Foto: Divulgação

O vocalista do Vanguart, Helio Flanders, lançou nesta sexta-feira (11) seu primeiro álbum solo. Depois de três discos de estúdio com a banda cuiabense em pouco mais de dez anos, Uma Temporada Fora de Mim, foi composto e gravado no período de cerca de um ano resultado de um trabalho quase solitário com foco no piano, instrumento que ele não domina completamente.

Das poucas parcerias presente no álbum, ele regrava Romeo, feia com Thiago Pethit e originalmente lançada pelo músico paulistano.

O título do disco ele explica na entrevista: “Me apeguei ao título porque a sensação que eu tinha ao escrever e cantar as canções era atemporal, como se tivessem sido escritas e vividas por qualquer pessoa – às vezes era eu, às vezes não”

Uma Temporada Fora de Mim está disponível na íntegra gratuitamente no site oficial do Helio Flanders.

Leia entrevista com o músico:

Brasileiros – Quando o piano pintou pra você e como foi assumir ele no disco?

Helio Flanders – O piano nasceu de um momento muito solitário na vida, em 2013, onde comecei a ter uma outra relação com ele. Acordava, me sentava, tocava um pouco, mas a conexão entre nós ainda era muito primitiva, eu nao sabia tocá-lo. Com o passar dos dias, minhas atividades eram ler um pouco, cozinhar, traduzir uns poemas, aí saía pra tomar um café no libanês aqui perto, conversávamos, então eu voltava e tocava por um bom tempo, aí ficava na janela vendo o dia gastar. Desse silêncio total, dentro e fora, foi nascendo uma relação íntima entre eu e o instrumento. Acho que jamais vou me considerar um pianista, estou seguindo uma longa jornada ainda, mas posso dizer que temos tido um grande amor um pelo outro. Essa coisa de outros instrumentos eu sempre tive, nunca toquei nada bem, mas me aventuro em muita coisa – o que acho que é o mais legal nessa coisa de música.

Achei graça nesse lead da Roling Stone: “O vocalista do Vanguart Helio Flanders assume a voz e também o piano em seu primeiro disco solo”. Dá a impressão que você não assumia a voz do Vanguart e aí em uma primeira audição do disco solo dá pra notar que você tem um cuidado novo com o trabalho vocal. Foi isso mesmo?

As canções são mais tortas um pouco, ao mesmo tempo que muito simples, então tive mais espaço para andar por falsetes, regiões graves, cantar em uma extensão maior, algo que foi uma opção não fazer no último álbum do Vanguart – era um desafio fazermos algo mais direto, mais certeiro, como nunca tínhamos feito. No Vanguart eu sempre assumi a voz, mas em nome de todos, é diferente quando é tudo só no seu nome.

Você sentiu grandes diferenças em produzir solo e com banda? O disco tem colaboradores ou você fez tudo sozinho?

O disco foi produzido por mim e pelo Arthur de Faria, mas mesmo assim produzir solo teve momentos de muito desamparo. O Vanguart é uma turma linda onde sempre tem alguém interessado pelo seu “dilema”, onde as críticas são muito francas, era complicado às vezes no estúdio olhar pelo vidro e não vê-los ali. O disco começou a se desenhar comigo em casa, sozinho no piano, depois nos primeiros ensaios com o Bruno Serroni (violoncelo) e o Leo Mattos (bateria) a coisa começou a tomar forma. Depois veio o Arthur com alguns palpites ótimos e os argentinos Ignacio Varchausky (contrabaixo) e o Martín Sued (bandoneon) que já encontraram a coisa mais lapidada e foram mestres em acrescentar sem excluir nada. “Dentro do Tempo Que Eu Sou” teve o violino da Fernanda Kostchak (Vanguart), participação da Cida Moreira – que mudou minha vida quando a escutei pela primeira vez – e um arranjo de cordas belíssimo do Arthur de Faria. Esses artistas todos que eu citei foram tão responsáveis pelo disco quanto eu.

Você chegou aos 30. Compor ficou mais difícil ou mais fácil?

Compor pra mim é sempre nebuloso, tenho dificuldade em sintetizar os processos, as idéias, de onde tudo vem etc. Muitas vezes eu ouço as sessões ininterruptas de criação que gravo e me assusto com coisas tão fluidas que parecem ser de outra pessoa. Isso acontece desde “Semáforo”. Acho que é o meu processo mesmo, um transe esquisito onde muitas vezes se erra, mas quando se acerta é bonito e não sei explicar muito.

Você também comenta que tocar o disco ao vivo será difícil, está falando da parte técnica ou emocional? No Vanguart você já dispensou ao vivo muita canção boa por conta desse lado emocional, não?

Acho que no Vanguart eu descartei canções porque eram ruins mesmo (risos). Eu ainda estou bem confuso com o “resultado” desse disco, no sentido de finalização do processo de composição e gravação. A parte difícil vem da questão sentimental mesmo, sobre me transportar para os dias em que o piano era tudo que eu tinha e de como enfrentei demônios pra conseguir ser/estar só, sendo isso uma escolha ou não. Por outro lado, aquelas canções do Vanguart que eram dolorosas geralmente eram sobre uma perda, sobre algo que havia ficado em outro lugar, fosse uma mulher ou uma cidade, mas agora não. Sinto que Uma Temporada Fora de Mim estou olhando pra mim, me entendendo de uma maneira inédita, então ao mesmo tempo que é difícil, o ato é carregado de uma coragem gigante. Vai ser difícil, mas me sinto pronto.

Tem uma explicação definida para o título do álbum ou você quer deixar aberto a várias interpretações?

São imagens poéticas bem abertas, bem livres, né? Tive um insight recorrente de que o curso natural da vida não fazia sentido, ou justiça para mim. Conclui que essa vida era uma “temporada” alheia ao curso natural das coisas, de nascer e morrer. Também me apeguei ao título porque a sensação que eu tinha ao escrever e cantar as canções era atemporal, como se tivessem sido escritas e vividas por qualquer pessoa – às vezes era eu, às vezes não.

Tem uma coleção de discos, uma playlist, que te inspirou para o disco?

Tenho sim, mas curiosamente nem todos eu ouvi nos últimos tempos ou no tempo de criação do disco. Alguns ficaram dentro de mim esperando pra se refletir neste trabalho como o Blue da Joni Mitchell, o I’m New Here do Gil Scott-Heron, Horses da Patti Smith, Ramilonga do Vitor Ramil. Outro fator que foi muito importante, talvez até mais, na construção do álbum foi poetas mulheres que eu andei lendo nos últimos anos. A poesia feminina tem uma força inacreditável, nascida num meio hostil. Denise Levertov, Adrienne Rich, Audre Lorde, Hilda Hilst e Alejandra Pizarnik são a expressão máxima de uma poesia que os homens jamais farão.

Como você vai promover o álbum – muitos shows ou não?

Irei lidar com a carreira solo de forma despretensiosa, aceitando convites mas priorizando o Vanguart desde sempre.


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